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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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Lula, “salve” a cognição do povo brasileiro urgentemente

Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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O Governo Lula carrega um grave erro: colocou os jovens brasileiros na Universidade (esse foi um acerto, na verdade), mas não investiu em formação política congruente (e isso foi terrível); colocou o pobre no orçamento governamental (esse foi outro acerto), mas não empoderou as famílias diante da sedução das fake news e pós- verdades (e isso foi também terrível), tornando-as tão voláteis. 

E na eminência (ainda bem) de um novo Governo Lula, a primeira coisa a se promover é um conjunto de mobilizações efetivas (em todos os Ministérios) para, ao lado do prato de comida a quem tem fome, um “prato” de alimentos cognitivos sociais cuja formação [1] sirva sobremaneira à sociedade (e cada um de seus indivíduos) contra as armadilhas anti-democráticas, anti- direitos, anti-cidadania, anti-emancipação dos sujeitos, isto é, sirva à vida e à evolução histórico-civilizatória de nosso País.

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Dou voz ao fato que justifica esse primeiro parágrafo. Semana passada encontrei um amigo. Por mais respeito e carinho que eu lhe tenha, foi uma manhã extremamente desagradável. Fui comprar pão em um supermercado da cidade onde moro. Ao sair da loja, encontrei-o com um rosto “surrado”, cansado ao extremo. Um jovem de 25 anos de idade, e tão sem esperança, sem perspectiva, no entanto, cheio de paradoxos cognitivos.

Vou reproduzir o diálogo tal qual ocorreu para dar mais proximidade com o público perante o ocorrido.

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- E aê, Maltus [2], como vai?, perguntei.

- É, né?! Carregando água, como você vê. Mas pelo menos não estou preso!, respondeu o rapaz com um rosto tão abatido pela pressão do trabalho explorado (ele transporta galões de água de 20 litros de mercado em mercado).

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(Para adiantar um trecho da conversa, nesse momento ele pergunta pela minha família; e eu indago sobre a família dele, e segue o que interessa nesta transcrição.)

- Ano que vem Lula tá aí! Finalmente, teremos novas oportunidades!, friso eu, para vincular o momento de crise econômica e social à necessidade de termos um Presidente do Brasil com outro modo de governar.

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- Deus me livre!, brada o rapaz, protestando contra meu argumento.

- Melhor que esse monstro que está aí no “Poder” permitindo que todo mundo morra, ou de fome, ou de doença; deixando as pessoas sofrerem da forma que sofrem e tudo mais!, respondi.

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- Mas moço, eu nunca passei um momento tão difícil na vida. Estou vivendo num sufoco sem fim. No tempo de Lula eu comia bem, tinha como comprar as coisas. Hoje está tudo mais difícil!, continuei.

- Então fica em casa!, retrucou grosseiramente o moço.

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- Não entendi sua fala!, respondi ofendido.

- Se não sair de casa, você economiza e pronto!, continuou o jovem.

- Você não sabe de nada! É muito jovem! Não conheceu outros governos para entender a comparação. Fica preso aos jornais (da Grande Mídia) e…, respondi um pouco constrangido pelo impacto da grosseria do rapaz.

(Confesso que me atrapalhei um pouco na hora de fazer a contra-argumentação e isso não ajudou no diálogo. Também errei na forma de explicar. Mas foi algo tão de surpresa. Não esperava uma reação tão bolsonarista e tão indelicada.)

- Bolsonaro é um cara cruel e está acabando com o Brasil!, continuei.

- Pelo menos não é ladrão!, replicou o jovem.

Fiquei muito nervoso com essa última frase e comecei a falar mais firme pedindo pra ele estudar entender as coisas direito; entender o que acontecia no Brasil real.

E ele foi carregando as águas para dentro do mercado e continuava a repetir rispidamente que “pelo menos Bolsonaro não é ladrão”.

Eu entrei no carro e retornei pra casa com tão chateado, decepcionado e, ao mesmo, tempo tentando entender o porquê daquela cegueira sem tamanho, sem justificativa, sem lógica.

Agora, mais friamente, posso começar a analisar o conjunto da obra (cena).

Primeiramente, os equívocos meus (nessa conversa) foram diversos. Ao tentar mostrar as vantagens de um novo Governo Lula, apenas me enervei e fui incapaz de acentuar as conquistas que tivemos naquele período decolonial tão curto da história do Brasil.

Segundo, o erro também foi do Lula e de sua equipe ao se acomodar diante de algo tão fundamental para o cabo das revoluções. Senão, vejamos. 

Em Cuba somente foi possível empreender a manutenção do espírito revolucionário; e na Venezuela, a capacidade de sobrevivência às várias tentativas de golpes, porque a população (sua maioria) compreendeu as dimensões de dependência cultural e fatores de classe, inclusive pelas incursões geopolíticas. Ora, se Cuba e Venezuela continuassem subservientes, cultural e economicamente, aos Estados Unidos, e se o seu povo (reitero: a maioria) não soubesse superar as dificuldades estruturais a partir da paciência histórica para aceitar os ciclos econômicos e as crises que neles oscilam no espaço-tempo das relações estatais, provavelmente, estariam novamente sob o manto das intervenções internacionais e do domínio cruel das elites mesquinhas e imundas locais.[3]

O Brasil não conseguiu superar nem a primeira intentada de golpe em 2016: a que passou pelo Parlamento com carimbo do Poder Judiciário e estímulo da Grande Mídia. Isto é, não fomos capazes de enfrentar sequer retóricas vazias, falaciosas e medíocres, o que dirá tanques (se fôssemos à contenda com os militares, na sequência).

Vergonha é a nossa cognição política! Não preparamos os nossos jovens para dimensionar as perspectivas que estão no horizonte da política. Mesmo sabendo que é exatamente os jovens (e as mulheres) que ainda promovem a resistência orgânica – e possível – nesse País, a maioria está (infelizmente) alienada ainda. Pensar um país cuja capacidade cognitivo-social é potente para enfrentar as elites (minorias crônicas) para dar lugar de direitos concretos às maiorias esmagadoras (pobres, espoliados, vulnerabilizados) é fundamental para significar uma verdadeira democracia.

Lula, não basta matar a fome do pobre. Reconheço que isso é urgente! Não basta abrir vagas nas universidades federais. Reitero que isso é essencial! Todavia, para a completude de direitos reais, peço que integre às suas prioridades, no centro da sua agenda política, a elaboração de um programa de formação permanente que transborde a política, a filosofia e as semânticas de conteúdo civilizatório para o corpo dos beneficiários do “prato de comida”; da “vaga na universidade”; e de outras políticas públicas.

Ou isso, ou mais uma vez, a depender dos ventos, seremos novamente massa de manobra nas mãos dos poderosos, face o humor de cada tempo histórico.

Ah, quanto ao jovem de “minha contenda”, duas questões me pairaram na cabeça pós-acontecido. A primeira: eu deveria ter-lhe perguntado o porquê daquela expressão de rosto tão castigada quando se referiu ao seu trabalho como um suplício, entretanto, ainda lhe sobrava o “pelo menos não estou preso”. Não faz sentido! Ele deveria está contente, jubiloso por demais. Afinal, o presidente do Brasil – que ele tanto venera e o faz brigar com amigos – deve-lhe está oferecendo o melhor país; oportunidades; alegrias. (Só que não! A julgar pelo desespero em sua face.)

Daí me veio uma segunda inquietação: em que “Planeta Paralelo” vive um bolsonarista típico? Ora, além de não perceber que as mazelas e desgraças de sua vida e da vida de milhões de brasileiros se devem a Jair Messias Bolsonaro, ainda acredita que este governante é honesto? Lembremos da frase derradeira do jovem sobre o ocupante do Palácio do Planalto: “pelo menos não é ladrão”.

Como assim? Bolsonaro é o pior tipo de ser humano já “visto” para ser “convidado” a atuar como Presidente de um país qualquer. Aliás, Bolsonaro não é digno (e nem tem competência) de governar a prefeitura mais singela, menorzinha do País. Para completar, é cínico, é perverso e é declaradamente corrupto; é negligente e fanfarrão no uso do dinheiro público (debocha da cara de estúpidos como o meu amigo). Isto é, nem disfarça seus crimes de ordem pública, de todas as ordens. Todavia, um bolsonarista vive tão aquém do mundo real, tão ébrio de qualquer sensação lógica da sociedade e da política que é incapaz de interpretar minimamente a cena e o agir cotidiano de seu “mito”.

Novamente reitero: a culpa é nossa! Não é desse jovem embriagado, alienado, enganado. A culpa é do campo progressista – que, sendo capaz de promover as melhores políticas públicas ao bem-estar dos cidadãos e cidadãs, não foi capaz de gerar pertencimento de classe e empoderar para o processo de decolonização do pensamento.

Portanto, de todos os atores (ou atrizes) políticos que irão assumir o novo Governo de Lula, realmente ficarei atento àqueles que irão cuidar desta agenda: a formação cidadã para a emancipação concreta dos sujeitos.

A situação de ausência de empoderamento filosófico-civilizatório é tão grave no Brasil que talvez seja a hora de se criar um ministério da Promoção de Cognição Social.

Evidentemente que esta última frase é um mero exagero. Não se necessita de um órgão com esta nomenclatura. Entretanto, ou se leva à sério a formação dialética do pensamento dos sujeitos (todos), sua mobilização cognitivo-político, ou seremos sempre essa nação volátil, de democracia e cidadania frágeis. E tudo mais será mero paliativo (programas temporários) alocado em dado momento histórico, não mais...

[1] Deixamos claro aqui que não se trata de uma “catequização”. Ao contrário: trata-se da formação integral dos sujeitos, tendo acesso a todos os autores das ciências sociais (mais progressistas, ou mais conservadores), contanto que localize as pessoas do sentimento, da consciência e do lugar de classe social de tal maneira que estas sejam empoderadas e capazes de escolher efetivamente o seu lado do curso histórico, de uma vez por todas decolonizadas das cruezas destas elites “caravélicas” – e sua mentalidade e operação sistêmica gananciosas – que permanecem no solo pindorâmico e nunca retornaram para a “Europa”.

[2] “Maltus” não é o nome real do moço. Apenas um pseudônimo que uso aqui para preservar sua identidade.

[3] Fundamental lembrar que Cuba e Venezuela, à exemplo de outros, não são potências mundiais por forças intervencionistas geopolíticas. No caso de Cuba, além do cruel embarco econômico dos EUA que dura décadas e que inibe que outros países negociem com a ilha, este país não possui uma diversidade de recursos – exatamente por suas dimensões territoriais não-extensas – que torne pujante a economia e seus modais. Quanto à Venezuela, ao contrário de Cuba, é um país imenso e com uma capilaridade enorme para operar diversos nichos econômicos. Entretanto, é no petróleo que está a base de sua economia. Sendo o maior produtor do mundo deste recurso; tendo total potencialidade para ser considerado um país rico e desenvolvido, sofre com as manobras dos países produtores e exportadores de petróleo, sob o comando estadunidense, e não vê toda essa riqueza se transformar em integral qualidade de vida a seu povo. A intenção dessa nota de rodapé é para, de um lado mostrar que estes dois países não são plenos por culpa de sua gente e de sua política, entretanto, da crueza geopolítica. E de outro, para mostrar que mesmo assim, com todas as perseguições, o povo destas nações faz questão de lutar contra a submissão.

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