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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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Milei e a onda de direita

"A vitória de Milei é o sintoma de uma crise das democracias latino-americanas", indica

Javier Milei (Foto: Reuters/Agustin Marcarian)
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Nas eleições de domingo, os argentinos se depararam com duas escolhas trágicas: Javier Milei e Sergio Massa. Optaram por escolher a tragédia mais perigosa, mais abissal. Massa merecia perder e Milei não merecia vencer. Depois de anos sem perspectivas de futuro que empobreceram quase 50% população, os eleitores queriam a mudança. Massa, como ministro da Economia, deixou como legado uma inflação de 140%, que arruinou o poder aquisitivo dos salários. Como o peronismo pretendia vencer legando um quadro econômico e social desastroso? A arrogância ou a estupidez dos líderes peronistas determinou que o seu candidato fosse escolhido para perder.

Mergulhados no desespero, os argentinos escolheram o histrionismo político, o abismo caótico, o extravio anárquico, a promessa de uma liberdade enlouquecida, as tendências fascistizantes, uma esperança que nega a própria esperança. Milei é tudo isto e mais do que isto. Misturou vários ingredientes num panelão de enganos, para ludibriar um povo que quer alguma saída, mesmo que esta saída seja um angustiante caminho de confusões. 

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Milei produzirá muita espuma, muita confusão, para encobrir a inviabilidade de suas propostas e a escassa capacidade de governar que terá. Para governar, teria que patrocinar um pacto de concessões enormes a partidos de centro-direita. Elegeu-se com um discurso antissistema como fez Bolsonaro em 2018, mas terá que entregar-se ao sistema. Se não fizer isso, a Argentina mergulhará num redemoinho de confusões com desfecho imprevisível. 

Milei não foi o principal responsável por sua vitória. Os artífices de seu triunfo foram Alberto Fernández, Sérgio Massa, o kirchnerismo, o peronismo e, subsidiariamente, Maurício Macri com o seu PRO e a União Cívica Radical (UCR). Esses atores afundaram a Argentina no endividamento, no descontrole das contas públicas, na desindustrialização, na inflação e na degradação social. Alberto Fernández mostrou-se um líder sem dignidade: dois dias após a derrota afirmou, desavergonhadamente: “No me siento responsable de la derrota”. Max Weber tinha razão: um grande crime político é fugir das responsabilidades pelos seus próprios atos e fracassos. 

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A Argentina tornou-se um dos principais expoentes da trágica normalidade da América Latina. Em síntese, esta pode ser definida como a incapacidade das elites políticas, econômicas e dos atores sociais de produzirem mudanças e inovações significativas, que provoquem uma redução drástica da pobreza, da exclusão social, da violência e garantam direitos, cidadania, justiça e liberdade para as maiorias sociais.

Os sistemas políticos e partidários latino-americanos, dominados por elites privilegiadas, são causa central da tragédia da região. Os sistemas políticos latino-americanos estão dominados pela patidocracia. Isto é, as confusas democracias da região são  capturadas pelos oligarcas dos partidos, que estabelecem um amplo domínio sobre as condições de disputas, o controle e as repartições dos orçamentos, os privilégios públicos e os favorecidos econômicos. As grandes massas se sentem excluídas e veem os políticos como incompetentes e corruptos.

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Os oligarcas dos partidos – da esquerda à direita – se insularam da sociedade. Os partidos não representam fundamentalmente grupos sociais organizados, mas eleitores. Estes são manipulados e capturados por estratégias de marketing nas eleições. Esmeram-se no proselitismo dos programas sociais compensatórios – algo que mantém a dependência dos eleitores ao Estado e aos partidos. As oligarquias partidárias decidem prioritariamente em favor dos seus interesses, e secundariamente consideram os interesses da sociedade. Os preceitos da moralidade pública e do senso republicano não são considerados. 

Os privilégios e as incapacidades das oligarquias partidárias são os principais fomentos da antipolítica, dos discursos antissistema e da extrema-direita. Quando ocorrem fracassos inexcusáveis das oligarquias partidárias, a extrema-direita está à espreita para vencer eleições, como ocorreu com Bolsonaro aqui e com Milei lá.

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A vitória de Milei é o sintoma de uma crise das democracias latino-americanas. É um sintoma também da incapacidade dos partidos progressistas de produzirem transformações profundas na região. Parece evidente que os progressistas e as esquerdas precisam renovar não só suas lideranças, mas também suas pautas, suas visões de mundo. Precisam dotar-se de novas capacidades, capazes de responder aos imensos desafios do nosso tempo.

 A vitória de Milei, assim, parece indicar uma nova onda de direita e de extrema-direita na região. A direita, com seus diferentes matizes, venceu recentemente, no Uruguai, Paraguai e Equador. Os governos de esquerda do Chile e da Colômbia não andam bem. No Peru, Pedro Castillo revelou-se um exótico desastre. O bukelismo político, com discurso punitivista e agressivo, vem se espalhando na América Latina e é assumido por uma nova geração de líderes de extrema-dieita.

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O governo Lula ainda anda patinando numa série de problemas de condução política. A direita parece política e ideologicamente mais organizada na região. Mas a joia da coroa de todas as Américas pode ser tomada, no próximo ano, da presidência dos Estados Unidos com o retorno de Trump. Serão anos difíceis.

A vitória de Milei, além dos estragos que pode proporcionar em várias áreas internas e externas, dificulta também a projeção de poder internacional do Brasil e do governo Lula. O Brasil tem como uma de suas alavancas de projeção de poder internacional a aliança estratégia com a Argentina. Aliança que, agora, está sob interrogação. Se é verdade que os setores privados podem continuar incrementando o comércio, vários temas, tanto relativos ao Mercosul e à América do Sul, quanto em relação às negociações com a União Europeia e expansão dos BRICs, dependem de negociações entre governos. 

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O cenário menos ruim que pode ocorrer na Argentina consistiria na formação de um bloco entre a UCR, o PRO e outros partidos de direita que fosse capaz de impor os termos de uma governabilidade mais racional ao novo governo. Sozinho com seu grupo, Milei é frágil no Congresso, entre os governadores e no setor empresarial. Diferentemente do Brasil, os sindicatos e o próprio peronismo têm capacidade convocatória de grandes mobilizações. Se Milei não se deixar dominar pela comicidade histriônica e pelos espíritos caninos, terá que cair na real e perceber que terá limites por todos os lados. Mesmo assim, dificilmente a Argentina sairá da sua trágica normalidade.

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