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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Muqtada o Conquistador ganha terreno nas urnas iraquianas

Nas últimas eleições, a popularidade de Muqtada al-Sadr foi confirmada, mas as lutas internas no Iraque estão apenas começando

Muqtada al-Sadr (Foto: REUTERS/Alaa Al-Marjani)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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Seria tentador descrever as eleições para o parlamento iraquiano deste último domingo como um ponto de virada geopolítico. Bem, é complicado - em mais de um sentido.

Comecemos com a taxa de abstenção. Dos 22 milhões de eleitores inscritos para escolher 329 parlamentares a partir de uma lista de 3.227 candidatos e 167 partidos, apenas 41% compareceram às urnas, segundo a Alta Comissão Eleitoral do Iraque (ACEI).

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Há também a notória fragmentação do tabuleiro político iraquiano. Os resultados iniciais oferecem um fascinante vislumbre. Das 329 cadeiras, os sadristas - liderados por Muqtada al-Sadr – conseguiram 73; uma coalizão sunita alcançou 43; uma coalizão xiita liderada pelo ex primeiro-ministro Nouri al-Maliki  tem 41; e a facção curda liderada por Barzani tem 32.  

No atual esquema eleitoral, além das coalizões xiitas, os sunitas dominam os dois blocos principais, e os curdos têm dois grandes partidos no poder no Curdistão autônomo: a gangue Barzani – que costuma entrar em uma série de suspeitíssimos acordos com os turcos – e o clã Talabani, que não é muito mais correto.  

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O que temos pela frente são negociações extremamente demoradas, sem falar das brigas internas. Quando os resultados forem validados o Presidente Barham Saleh, em tese, tem quinze dias para escolher o novo presidente do Parlamento, e o Parlamento tem um mês para escolher um Presidente. Mas a totalidade do processo pode levar meses.

A pergunta que já passou pela cabeça de todos em Bagdá: confirmando a maioria das previsões, os sadristas talvez consigam o maior número de cadeiras no Parlamento. Mas será que eles conseguirão formar uma aliança sólida para indicar o próximo primeiro-ministro? 

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Há uma forte possibilidade de eles preferirem permanecer em segundo plano, considerando que os próximos anos serão extremamente desafiadores para iraquianos de todo o espectro: na frente de segurança e contraterrorismo; na tenebrosa frente econômica; na frente da corrupção e da péssima administração pública e, por último mas não menos importante, naquilo que a tão esperada retirada das tropas dos Estados Unidos realmente significa. 

A tomada de quase um-terço do território iraquiano pelo Daesh, de 2014 a 2017, talvez agora seja uma lembrança distante, mas permanece o fato de que, dos 40 milhões de iraquianos, um número desconhecido tem que lidar cotidianamente com desemprego desenfreado, ausência de serviços de saúde, parcas oportunidades educacionais e até mesmo falta de energia elétrica. 

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A "retirada" americana de dezembro é um eufemismo: tropas de 2.500 soldados, na verdade, serão reposicionadas em papéis não-bélicos não especificados. A maioria esmagadora dos iraquianos - sunitas e xiitas - não aceitará essa situação. Uma fonte segura dos serviços de inteligência - ocidental, não oeste-asiática - me assegurou que os diversos grupos xiitas têm capacidade de aniquilar todos os ativos americanos no Iraque em apenas seis dias, incluindo-se a Zona Verde. 

Sistani é quem manda

Retratar os principais atores da cena política iraquiana como sendo apenas "uma elite no poder dominada por islamistas xiitas"  é orientalismo crasso. Eles não são "islamistas" - em um sentido da jihadi salafista. 

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E tampouco eles montaram uma coalizão política "ligada a milícias apoiadas pelo Irã": isso é o reducionismo mais crasso. Essas "milícias" são de fato as Unidades de Mobilização Popular (UMPs) que, desde o início, foram incentivadas pelo Grande Aiatolá Sistani com o objetivo de defender a nação contra takfires e jihadistas salafistas do tipo Daesh, tendo sido legalmente incorporadas ao Ministério da Defesa.

O que é definitivamente correto é que Muqtada al-Sadr está em confronto direto com os principais partidos xiitas - principalmente seus membros envolvidos em corrupção maciça.  

Muqtada é um personagem extremamente complexo. Ele, essencialmente, é um nacionalista iraquiano que se opõe a qualquer forma de interferência estrangeira, em especial a  continuação da presença das tropas dos Estados Unidos - em qualquer forma ou dimensão. Como xiita, ele tem que ser inimigo dos xiitas aproveitadores, politizados e corruptos. 

Elijah Magnier fez um excelente trabalho ao tratar da importância de uma nova fatwa tratando das eleições, promulgada pelo Grande Aiatolá Sistani, ainda mais importante que a "Fatwa das Reformas e das Mudanças", que tratava da ocupação do Norte do Iraque pelo Daesh em 2014, levando à criação das UMPs.

Nessa nova fatwa, Sistani, sediado na cidade sagrada de Najaf, incentiva os eleitores a buscarem um "candidato honesto" capaz de "trazer mudanças reais", "removendo candidatos antigos e geralmente corruptos". Sistani acredita que "o caminho das reformas é possível", e que "a esperança ... tem que ser usada para retirar os incompetentes" do poder no Iraque. 

A conclusão é inescapável: grandes parcelas dos iraquianos despossuídos passaram a ver esse "candidato honesto" em Muqtada al-Sadr.  

O que não é de surpreender. Muqtada é o filho mais novo do falecido e imensamente respeitado Marja’, Sayyid Muhammad Sadiq al-Sadr, assassinado pelo aparato de Saddam Hussein. A base imensamente popular de Muqtada, herdada de seu pai, congrega pobres e oprimidos, como vi com meus próprios olhos por diversas vezes, em especial na Sadr City, em Bagdá, e em Najaf  e Karbala. 

Durante a escalada Petraeus, em 2007, fui recebido de braços abertos em Sadr City, conversei com diversos políticos sadristas, vi como o exército Mahdi opera nas áreas tanto militar quanto social e observei in loco muitos dos projetos sociais sadristas. 

No inconsciente coletivo xiita, Muqtada, àquela época baseado em Najaf, deixou sua marca, em inícios de 2004, como o primeiro líder religioso xiita e político de proeminência  a se opor frontalmente à ocupação americana, mandando os americanos irem embora.  A CIA pôs sua cabeça a prêmio. O Pentágono queria derrotá-lo – em Najaf. O Grande Aiatolá Sistani – e seus dez milhões de seguidores - deram apoio a Muqtada.  

Depois disso, ele passou um longo tempo aperfeiçoando suas habilidades teológicas em Qom – ao mesmo tempo em que permanecia em segundo plano, mantendo sua extrema popularidade e aprendendo uma coisa ou outra sobre sagacidade política. O que se reflete em seu atual posicionamento: opondo-se sempre às forças de ocupação dos Estados Unidos, mas disposto a trabalhar com Washington para apressar sua partida.  

É muito difícil acabar com velhos hábitos (imperiais). Mesmo em sua condição de inimigo jurado, rotineiramente  acusado pela mídia ocidental de ser um "clérigo volátil", Muqtada agora, pelo menos, é reconhecido por Washington como um ator importante, e até mesmo como um interlocutor. 

Mas não é esse o caso do grupo Asa’ib Ahl al-Haq, que teve origem na base sadrista. Os americanos ainda não entenderam que não se trata de uma milícia, e sim de um partido: nos Estados Unidos eles são taxados de organização terrorista.  

Os atores da ocupação americana também se esquecem, de forma muito conveniente, que a configuração "disfuncional" do Parlamento do Iraque, dividido em facções confessionais, está inextricavelmente ligada ao projeto da democracia liberal ocidental com o qual o Iraque vem sendo bombardeado. 

Em termos geopolíticos, o futuro do Iraque no Oeste Asiático, de agora em diante, estará inextricavelmente ligado à integração eurasiana. Não é de surpreender que o Irã e a Rússia estivessem dentre os primeiros atores a cumprimentarem oficialmente Bagdá pela tranquilidade das eleições. 

Muqtada e os sadristas terão plena consciência de que o Eixo da Resistência – Irã-Iraque-Síria e o Hezbolá do Líbano – vem se tornando cada vez mais forte. E esse fortalecimento está diretamente ligado ao fortalecimento da integração eurasiana pela parceria Irã-Rússia-China. Mas, primeiro, é preciso tratar do que é mais importante:  instaurar um primeiro-ministro e um Parlamentos "honestos". 

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