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Mario Vitor Santos

Mario Vitor Santos é jornalista. É colunista do 247 e apresentador da TV 247. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da Sucursal de Brasilia da Folha.

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Na Argentina, o sistema neoliberal encara a sua cova

"O terremoto da revolta das massas empobrecidas ameaça passar para a outra face da cordilheira e derramar-se pelas planícies do continente. Se não o fez ainda é porque todos aguardam que, pela Argentina, com sua história infame e nobre, com as sobrevivências de uma cultura e um sistema político únicos, todo o planeta saiba, com Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que esta era do neoliberalismo chegou ao fim", constata o jornalista Mário Vitor Santos

Presidenciável argentino Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner. (Foto: Alberto Fernández e Cristina Kirchner)
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Por Mário Vitor Santos, para o Jornalistas pela Democracia- Até em períodos de extrema tensão social, e em plena vigência da fome constrangedora e galopante, com a moeda em queda, os preços descontrolados, a Argentina tem que que conviver com aspectos que impõem uma normalidade uma aparência de insólita normalidade, como uma semifinal de Libertadores entre Boca e River que ontem parou Buenos Aires e também, como negar, no domingo o último debate presidencial diante das maiores redes de TV, uma semana antes do pleito decisivo.

Como o clássico de futebol, com muita coisa realmente importante em jogo, o debate foi pleno de tensões, mas travado. Ambos, o debate e o jogo na Bombonera repleta, transmitiram (encobriram, na verdade) uma aparência externa de normalidade comportamental a uma sociedade sob urgência inaudita, no limite do desespero, assolada pelo aumento da violência e a barbárie de episódios de disputa por comida até nos depósitos de lixo. Cenas vistas no Brasil, mas impensáveis numa sociedade que sempre foi mais rica e justa, como a dos vizinhos.

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O debate transmitido pela televisão e internet é tão engessado e partido em microdoses como o brasileiro. Vastos temas transcendentes, inacabados e imperfeitos têm que ser compactados por um tipo de bate-estaca verbal que dê conta de começo meio e fim da ideia em segmentos de apenas dois minutos com réplicas de trinta segundos. Um mix de UFC com TED.

As ideias não chegam a ser propriamente apresentadas. Logo que tomam impulso têm que ser interrompidas. Abortam-se na decolagem. Problemas muito prioritários, merecedores de todo exame, transformam-se em frustrantes impossibilidades cognitivas.  Restringem-se, assim, a slogans publicitários em que triunfa a mera sensação. Informação relevante e argumento racional são massacrados. Corpos minimamente íntegros de conhecimento e razão são esquartejados pelo carrasco do formato televisivo.

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Como qualquer fenômeno de comunicação apresentado como natural esse não ocorre à toa. Há um sentido prático, é verdade, de aproveitamento possível do tempo, mas a serviço de um objetivo político excludente. Nenhum formato iguala. As formas sempre privilegiam interesses, em geral estão a serviço de quem tem poder.

Este formato de debate foi importado de países como o Brasil sob a égide de Maurício Macri, cuja gestão pouco tem a apresentar de positivo. Se a mensagem é constituída de emissor e conteúdo, este último atributo, no caso dele, está em déficit. O conteúdo de sua mensagem não consegue ocultar a situação em que o país se encontra ao fim de um governo exemplar do que significa o neoliberalismo. 

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Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos da Argentina (Indec), o percentual de pobres na Argentina bate recorde desta década: 35,4% da população. Deve chegar a 39% neste semestre em função da desvalorização do peso macrista. 

Ao final do governo de Cristina Kirchner, em 2015, era de 29,4% da população. No Brasil, 52,7% vivem com menos de US$ 5,50 por dia. E o número do que vivem na pobreza extrema (abaixo de US$ 1,90 por dia) vem crescendo desde 2014, no governo de Dilma Roussef, quando chegou  a 9%, para atingir 13,6% no ano passado. Na campanha que o elegeu, Macri prometia pobreza zero.

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Sem igual no planeta, essa mesma agenda de extermínio social foi aplicada em quase toda a América Latina. Levou a Argentina ao default, um termo aliás banido da mídia corporativa brasileira para se referir ao fracasso desse experimento neoliberal tão caro aos compadres de Macri, como Meirelles e Guedes. Dois minutos de fala no debate de domingo, portanto, eram uma eternidade para o limitado delfim empresarial Macri justificar o default com seu refrão de fatalidades e promessas de Shangri-la.

Do outro lado, Alberto Fernández, advogado, professor, político, chefe de ministério, surgia como um personagem colocado em posição histórica única. Por essas acumulações cíclicas de eventos econômicos e sociais, a Argentina está na posição política singular de ser a coveira encarregada de sepultar o cadáver deteriorado do neoliberalismo.

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E, na Argentina, o sacerdote oficiante desse rito, pendente de uma afirmação nas urnas no próximo domingo, chama-se Alberto Fernández, amigo fiel de Lula.  Esgotados pelas vagas torturantes de sistemas de sacrifício social extremo por exigência insaciável do capital financeiro internacional, Peru, Equador, Chile vêm se insurgindo em vagas humanas que sacudiram de cima abaixo as encostas geladas dos Andes.

O terremoto da revolta das massas empobrecidas ameaça passar para a outra face da cordilheira e derramar-se pelas planícies do continente. Se não o fez ainda é porque todos aguardam que, pela Argentina, com sua história infame e nobre, com as sobrevivências de uma cultura e um sistema político únicos, todo o planeta saiba, com Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que esta era do neoliberalismo chegou ao fim. É o que estamos aqui para testemunhar e relatar.

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