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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Névoa na memória: Montalban e a estratégia petista

O PT assume o risco histórico de deixar, como memória mais evidente, ter colocado os trabalhadores na mesa da democracia, mas depois ter se rendido aos interesses imediatos e pragmáticos do poder.

PT  (Foto: Tarso Genro)
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Manoel Vásquez Montalban (1939-2003), que me premiou com a sua atenção e certo afeto, graças a um amigo comum que nos aproximou, Gabriel Abascal – ambos catalães, mas espanhóis – foi autor de brilhantes livros de ficção na literatura pós-franquista. E também de ensaios políticos saborosos e profundos sobre a questão européia, a globalização e a democracia social em crise. Na sua ficção "Eric e Enid", "Assassinato no Comitê Central", "El hombre de mi vida", "Galindez", "Milenio Carvalho", foram os livros que mais me tocaram. Talvez porque foram os que mais me permitiram compreender aquela figura de jornalista, escritor, ensaísta humanista e, a partir desta compreensão, entender um pouco melhor a política européia e ibérica.

Um livro de Montalban sobre política, crise da social-democracia, do socialismo, do comunismo, dos valores democráticos – naquela época ainda em gestação na Espanha – "Manifesto do Planeta dos Macacos" (que cito de memória), me veio melancolicamente à cabeça neste amanhecer de domingo. Nele Montalban diz mais ou menos o seguinte, ou melhor, lembro-me desta forma do que ele diz no livro. Foi o que "gravei" e me apareceu de repente na névoa da memória: "a social-democracia foi à direita, o comunismo quebrou, o marxismo está em crise, caiu o Muro de Berlim e eu também não estou muito bem..." teria dito Manolo.

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Buscando os motivos deste súbito reaparecimento das supostas frases de Montalban, identifiquei-os nas notícias que circularam na imprensa e nas redes, que dão como certas seis alianças estaduais do PT, com partidos golpistas e personalidades que apoiaram o golpe, com vistas às eleições de 2018. É surpreendente que isto esteja ocorrendo, pois tal movimento põe por terra duas construções políticas importantes, que poderiam repor de forma diferenciada o papel do PT, na ordem política atual: de um lado, o resgate da ação política diferenciada, com uma nova Frente Política – em termos éticos e programáticos – para, no médio prazo, estimular as pessoas a participarem novamente do jogo democrático-republicano; de outro, apresentar de forma clara – dentro do processo eleitoral – um "programa de transição" da economia liberal-rentista em curso, para uma economia de taxas de crescimento compatíveis com as nossas necessidades de emprego, inclusão e aumento dos investimentos públicos em saúde, educação e segurança.

Como vinculo a recordação de Montalban à saga petista atual que, se não for uma ficção noticiosa, nos abalará muito mais do que uma mera perplexidade melancólica numa manhã de domingo? Mais ou menos assim, fazendo uma parábola com a sentença desta grande figura intelectual do humanismo radical: "o PT foi para a ficção centrista sem sal e sem utopia, a social-democracia sequer se instalou por aqui, Gramsci não tem nada a ver conosco, vamos ser mais pragmáticos e submetidos a um sistema político falido e eu também não vou muito bem." Ao se submeter a um sistema de alianças vencido, no momento em que o golpismo foi totalmente desmoralizado como higienizador político do país e mostrou ter como base uma aliança corrupta – para processar as reformas e doar o pré-sal – com políticas pautadas pelo capital financeiro, o PT assume o risco histórico de deixar, como memória mais evidente, ter colocado os trabalhadores na mesa da democracia, mas depois ter se rendido aos interesses imediatos e pragmáticos do poder.

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Esta estratégia parte do pressuposto que Lula, independentemente de quem lhe acompanhar e da força política das suas alianças de classe – pela sua admirável e real capacidade política – poderá retirar o país do atoleiro moral e político que o golpismo nos meteu. É uma ilusão voluntarista que poderá nos custar muito caro, mesmo se Lula vencer, pois quem vence, vence comprometido com quem viabiliza, no espaço real da política, a sua vitória. E no espaço real da política nós sabemos quem tem a hegemonia: os mesmos que golpearam Dilma – que pelo menos era um Governo legítimo –, os que processaram as reformas contra direitos mínimos dos trabalhadores, sem diálogo e sem pudor, e a Confederação de Investigados e Denunciados que atualmente governa o pais. Erro estratégico. Erro mortal.

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