No Caminho, sem Maiakovski, revisitado
Maquiavel deve envergonhar-se ao ver suas lições ao Príncipe sendo aplicadas com maestria por alunos tão dedicados e cruéis, que acabam ganham muito com a política e a política, infelizmente, não ganhando nada com estes profissionais
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“Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”. (fragmento de “No caminho com Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa)
Nestes tempos de negacionismo, terraplanismo e outros idiotismos, onde a ralé intelectual e moral tomou o poder, eu havia decidido que só dedicaria meu mísero talento de escrever, quando houvesse inspiração, às mulheres e seu universo fascinante que tanto me seduz, além de outras coisas mais agradáveis, mas principalmente em razão de meu crescente desencanto para com o comportamento da humanidade. Cheguei até a rabiscar uma espécie de réquiem abordando o que acredito ser a arte da decepção.
A política, na visão de Sócrates e Platão, seria a cura dos males da sociedade, uma espécie de parteira da felicidade para os cidadãos e os estados, enquanto Epicuro, enojado da politicagem do seu tempo, pregava que “a vida política constituía a ruína da felicidade”.
Acredito que os filósofos gregos, já naquela época, haviam percebido que a política, apesar de ser fundamentalmente necessária para a construção das sociedades democráticas, acabaria por tornar-se a arte da decepção. Mas acho que não imaginaram que chegaríamos a tanto.
Maquiavel deve envergonhar-se ao ver suas lições ao Príncipe sendo aplicadas com maestria por alunos tão dedicados e cruéis, que acabam ganham muito com a política e a política, infelizmente, não ganhando nada com estes profissionais.
Minha impotência se revela assustadora diante da descoberta de que à sentença arrogante e profética proferida por Nietzsche de que “Deus está morto”, emendada mais tarde pelo sarcasmo cirúrgico de Foucault, de que o “homem também”, além de serem cruelmente verdadeiras, somos agora governados por um inapto e inepto de forma sádica, com a complacência das instituições, escorado pela mercância do Centrão, aplaudido pelos mercadores da fé e a letargia da população.
Nenhuma cidade pode viver feliz e em paz, observava Platão, quando seus cidadãos acreditam que a felicidade está na busca, sem limites, do consumo e do luxo. Os pilares de um verdadeiro sistema de vida feliz está na busca da virtude, da qual unicamente pode nascer a felicidade.
Infelizmente, para mim e tantos outros, esse modelo politico começa a se transformar na arte da decepção. Sinto um vazio e um desencanto terrível na alma ao constatar que a salvação de nossos princípios está no confortável analfabetismo político.
Talvez tenha chegado o momento em que, por amor à política, tenhamos de escolher entre sermos ignorantes o bastante para acreditar, como o poeta, que “tudo que muda, muda só na aparência”, ou o conformismo de que mais uma vez, está o homem se confrontando com seus limites, tendo cada vez mais do mesmo.
Neste ensaio declaro minha entrega ao ócio, à anemia mental, à alienação, ao analfabetismo político, à falta de inspiração. Talvez o anarquismo seja a última fronteira, antes da idiotice, que me espera de braços abertos. Deixei de ler meticulosamente os jornais que devorava. Agora, repasso apenas as manchetes. A análise de conjuntura já não me atrai. Meu desencanto, não raro, beira ao nojo.
Enfim, capitulei! Escrever sobre as mulheres, os encantos e desencantos do amor e das paixões humanas, mesmo errando, é sempre mais gratificante.
Em meu autoexílio literário me transformei num lápis sem ponta, numa folha em branco. Permaneceu em mim apenas a disposição para a leitura, e diante de tudo tão valioso que já foi escrito, fico a duvidar se ainda há algo produtivo a dizer, ainda mais, partindo de um aprendiz como eu. Ah, não fossem os gregos e sua disposição de investigar nossa racionalidade, poderíamos exercer, sem culpas, nossa bestialidade. Não passaríamos de insignificantes e felizes animais.
Este fragmento do poema de Eduardo Alves da Costa que citei na epígrafe, dá voz a este “grande silêncio vindo do fundo de cada um de nós, que sabemos o que está acontecendo e não nada fazemos” para mudar as coisas.
Recitando todo o poema, constataríamos, com certa facilidade até, que diante desta crise de moralidade da pós-modernidade, que alguns já chamam de pós-tudo ou pós-humanidade, onde tudo parece apodrecer a começar pela dignidade humana, que a criança que fomos envelheceu ao redor da fonte da sabedoria e já não encontra mais uma imagem de herói para afagar. A criança sequer aprendeu a dizer “mãe” e as fake news já lhe destruíram a consciência. Não há mais Maiakovski!
A leitura dos versos de Eduardo esbofeteia a face estoica da minha letargia. Isso me fez descobrir que o mesmo poeta, noutros versos, nos ensina a resistir, pois se acaso fiquemos tão sós que nem mesmo um cão venha lamber nossa mão, é melhor atirarmo-nos contra as escarpas de nossa angústia, explodindo em grito, em raiva ou em pranto. Desse nosso gesto há de nascer o espanto.
Se não o faço, não é por temor, mas por puro desencanto.
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