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Marcelo Moraes Caetano

Psicanalista, doutor em Letras, professor adjunto na UERJ. Autor de mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior

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Nordeste brasileiro, o que temos de mais rico e precioso

É importante, sim, que a comunicação memética seja empreendida. Que o deboche e a caricatura sobre Bolsonaro sejam difundidos

Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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Precisamos entender que essa "nova" xenofobia do Bolsonaro contra os nordestinos não apenas não é nenhuma novidade, como também faz parte lógica e consequente de uma estratégia anterior inerente ao tipo de fascismo bolsonarista que vem sendo cultivado há muito tempo no Brasil e que foi discursivamente empoderado com a ascensão de um "mito" factoide ao poder. É a conhecida guerra cultural, promovida pela chamada "ala ideológica", composta em sua maioria por pessoas que abominam de tal forma o Brasil que optaram por morar fora enquanto insuflam no país um sentimento belicoso de destrutividade, disrupção e dissociação. 

O caos bolsonarista nunca é apenas da boca para fora. Ele tem ponto de partida e possui uma causa primeira, como a teologia (de onde eles caricaturalmente creem retirar seus "ideais") falaria sobre o tal "Deus" que simulam colocar "acima de todos". 

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Hitler, que era austríaco, seguindo seus mentores análogos, como Goebbels, pôs essa estratégia em prática. Ficarão para sempre na história como disseminadores do caos e da guerra. Como sabemos, Hitler avariou um dos mais terríveis palcos explícitos de xenofobia na história da Europa, ao tratar o judeu, mas também o cigano, o mestiço, a testemunha de Jeová, o homossexual e os deficientes, como párias execráveis da humanidade, que deveriam ser direcionados, como bem o sabemos, para aquilo que ele chamou de "solução final", o extermínio completo em campos de concentração. 

Ele também desejava destruir Berlim (foi a cidade mais bombardeada da II Guerra) exatamente para reconstruir nela o ideário ético-estético da sua "ala ideológica" de uma forma de vida que ele considerava teologicamente perfeita na Alemanha (e no mundo, na visão dele), que deveria ser nazista. 

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Tudo ancorado num singular e heterônomo sentimento de hipernacionalismo fantasiado de "patriotismo", que proclamava, no próprio hino alemão, composto em cima de um lindo quinteto do austríaco Haydn, professor do austríaco Mozart, "Deutschland über alles", que significa "Alemanha acima de tudo"... Que coincidência!

Stalin teve um comportamento semelhante, ao distorcer as ideias de Lenin e transformar o seu comunismo num culto ao ego muito parecido. Sabemos que o comunismo de feição stalinista enveredou, embora por razões diferentes, por caminhos de autoritarismo que não foram exatamente inclusivos do povo e de sua cultura. Houve também uma guerra cultural que chegou ao conhecido holocausto ucraniano "Holodomor”, que significa literalmente "matar pela fome", o que de fato aconteceu a milhões de ucranianos sob o jugo de Stalin. 

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É com o modelo socialista, que ocorre contemporaneamente em países como Noruega, Dinamarca, Finlândia e Suécia, que os rumos das ideias de Marx puderam  achar abrigo. Será o modelo não imperialista que promoverá a economia-ecologia humana de agora em diante. Daí o pânico que potências outrora gigantes pela disseminação do imperialismo, como Reino Unido e Estados Unidos (quase gêmeos até no nome...), possuem em relação a novas potências como a China, que não trazem consigo esse élan de ancestralidade imperialista macartista pós-Revoluções Industriais ocidentais.

Aprendizagem: toda técnica de governo que se coloca teologicamente na posição de ego central a substituir valores abstratos e platônicos, como por exemplo "Deus, pátria e família", é uma forma velada (ou nem tanto) de promover, pouco a pouco, o caos e a guerra cultural, cujas bases não podem ser outras senão a xenofobia  em toda a sua forma de apartheids multidimensionais cada vez mais incentivados e postos em prática.  

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É preciso entender que tanto em Hitler quanto em Stalin houve a mentalidade de seita, e esse sectarismo precisava necessariamente promover uma guerra cultural contra os valores antropológicos intrínsecos e anteriores aos seus povos. Eu poderia falar de Tito, na Iugoslávia, Metaxas, na Grécia, Hoxha, na Albânia (o comunismo albanês foi um importante molde do PCB), Ceaucescu, na Romênia. 

Mas foi justamente a vitória desses valores culturais prévios, em todos esses países e povos, e o debacle da tentativa de se imporem valores estranhos às suas culturas, que assegurou que o mundo não fosse derrotado nem pelas ideias de Hitler, nem pelas ideias de Stalin. Nem dos demais facínoras que propunham um culto ao ego e às "ideias" abstratas de aliunde.

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O Brasil, agora, está passando por uma guerra cultural que tem como objetivo PRINCIPAL e DERRADEIRO anular a cultura do povo brasileiro, que é paradoxal e carnavalizante (no sentido bakhtiniano mesmo). Isso está sendo feito nos moldes dos grandes facínoras da II Guerra. Esse é justamente o tempero extra que transforma a direita tradicional, com que vínhamos debatendo de forma razoável e civilizada até então, numa extrema direita com a qual qualquer tentativa de diálogo racional se comprova totalmente inútil.

Porque a mentalidade de seita pressupõe discurso e, acima de tudo, COMPORTAMENTO anti-seita. A mera disputa discursiva de narrativas dá margem a que pessoas até relativamente iluminadas continuem achando que o que está acontecendo no Brasil é uma “polarização”. A mera disputa narrativo-discursiva ainda tenta dar sobrevida à tese de que o antipetismo é uma cruzada (de cavaleiros medievais mesmo) contra a “Corrupção”. Se isso fosse verdade, como aceitar rachadinhas, mansões compradas em dinheiro vivo – ORÇAMENTO SECRETO?! este que será, em breve, desvendado como um dos maiores escândalos de corrupção já praticados por algum país na história das nações.

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Que bizarro ver que somos igualados, na narrativa da “polarização”, como se fôssemos "extremos" iguais.  Se há, de fato, dois extremos, são os seguintes: um extremo que mata, outro extremo que morre; um extremo que defende a arma, outro que defende a educação; um extremo que confisca e arranca dinheiro das universidades e da saúde, outro que as defende; um extremo que "passa a boiada" e entrega a Amazônia a milicianos, outro extremo que mostra ao mundo inteiro o que está acontecendo.

É preciso entender que, a partir do momento em que um governo consegue delinear a mentalidade coletiva de seita, já não é mais exclusivamente no plano do discurso que o embate se dá. Como diria Hjelmslev, saímos do campo da expressão e entramos no campo do conteúdo. A denotação cede lugar à conotação, literalidade e metáforas passam a andar lado a lado. A comunicação anti-seita precisa entender esse meandro discursivo-comportamental. 

Wittgenstein (outro austríaco, como aliás Freud também o era), na passagem de sua primeira obra para sua segunda, ao se debruçar sobre a denotatividade de Santo Agostinho, propõe a língua como FORMA DE VIDA. Seita é uma verdade irrefutável pela razão, porque apela para funções psíquicas outras (no sentido de Jung), que não estão nos campos da sensorialidade nem da racionalidade, mas nos campos da emoção (que pode ser a mais primitiva de nossas funções psíquicas) e da abstração (idem). 

Comunicação é FORMA DE VIDA, não de mero discurso. Os bolsonaristas entenderam isso antes de nós. Mas é bom que tenhamos compreendido a tempo. 

É por isso que é importante, sim, que a comunicação memética seja empreendida. Que o deboche e a caricatura sobre Bolsonaro sejam difundidos, com o mesmo veneno ferino que eles iniciaram no submundo das redes sociais desde antes de 2018. Quem com Olavo fere com Olavo será ferido.

Seria patético, se não fosse muito compreensível, que Bolsonaro não perca votos por causa de seu comportamento hostil ao contrato civilizatório mínimo. Que ele não perca votos por demonstrar em seu plano de governo que deseja exterminar a educação universitária pública, a saúde pública (antes da pandemia, por um triz, estava em seu discurso a privatização do SUS, as pessoas  simplesmente esqueceram?). Que ele não perca votos por ridicularizar quem morre, de covid ou de outra causa qualquer, no país que ele presidia. 

Mas que Bolsonaro perca votos por ter ido à maçonaria e ter feito "pacto com Baphomet"... Que ele perca votos por ter mandado que a sua então amante abortasse um dos seus filhos e ter dito com todas as letras que “aborto é uma decisão do casal”... Que ele perca votos por ter declarado que comeria, sim, carne humana e que não devorou um indígena cozido na brasa “por falta de companhia”... Que ele perca votos por ter dito que já fez sexo com galinhas, com outros animais e até com meninos de sua idade enquanto adolescente, “porque faltava mulher”... (Fonte: vídeos e entrevistas presentes até mesmo no Youtube pessoal do então presidente, checáveis facilmente em sua veracidade.)

Toda essa força de memes precisa, sim, ser trazida à luz. Porque é a estratégia circense e carnavalizante que seus mentores propunham que se pusesse em prática, conhecendo que esse é o Ethos brasileiro, e que, por isso, realmente possui eficácia comunicativa.

Nós, intelectuais, precisamos continuar nosso trabalho de investigação no sombrio e tenebroso submundo da seita bolsonarista. Para isso, usamos nossas funções psíquicas (retorno a Jung) de racionalidade e sensorialidade, elementos que geraram respectivamente o racionalismo e o empirismo. Minha tese de pós-doutorado em antropologia brasileira na Universidade de Copenhague, já transformada em livro e em fase de revisão para ser publicada, é uma pesquisa de mais de 600 páginas cujo título alude exatamente ao Ethos paradoxal brasileiro e a como o bolsolavismo se valeu disso para tentar se difundir: “Platão e Aristóteles na terra do sol: as vertigens de um conservador reacionário brasileiro”.

Mas isso NÃO É SUFICIENTE. É preciso que sejamos embasados pela comunicação efetiva e afetiva das funções psíquicas da emoção e da abstração. Essas são diretamente acessíveis à média do povo e à sua compreensão imediata, como o bolsonarismo percebeu há muito tempo.

Eu próprio sempre admiti que tenho na música meu meio de manter a conexão com a luz enquanto é preciso chafurdar por esse charco pantanoso e sombrio. Ser pianista desde os 5 anos de idade é o fio de Ariadne com que entro nas veredas desse labirinto de Dédalo bolsolavista. Não é o meu conhecimento jurídico, psicológico, psicanalítico, linguístico, filológico, filosófico que me fornece o oxigênio enquanto eu tento entrar nos abismos bolsolavistas. É a música. 

Enquanto éramos atacados pelo discurso emocional e rebatíamos apenas com o discurso racional, estávamos em nítida desvantagem. Começamos a entender a pluripotencialidade da comunicação humana e, num verdadeiro mea culpa e num exame de consciência, começamos a descer de nossas torres de marfim para o campo de carnaval em que o povo canta e dança, assim como Bakhtin foi buscar nas festividades populares medievais (e não na piedade religiosa medieval) sua fonte de compreensão ampla da linguagem, tal qual Wittgenstein de outro bordo o fez. Antes tarde do que nunca. Deu tempo.

Precisaremos desfazer aos poucos a mentalidade de seita que se instaurou. Para isso, será necessária a educação em sua completude epistemológica. Racionalidade, sensorialidade, emoção e abstração. Universidades e Festas Populares, unidas. Por ora, é preciso que não abramos mão de nenhuma forma eficaz de nos comunicar com o nosso povo. Porque, afinal, o Povo, a Nação e a Cultura são elementos ligados pelo umbigo, e é GRAÇAS A ESSA LIGAÇÃO UMBILICAL que nos salvaremos dessa sombria mentalidade de seita que se alastrou entre nós. 

Se não conseguirmos falar aos corações, tampouco conseguiremos falar às razões. A ironia, o deboche e o humor são formas efetivas e afetivas de levar a mensagem que se deseja.

No Brasil, é preciso pôr Deus e o Diabo debaixo do mesmo sol. O carnaval é assim, o círio de Nazaré é assim, as festas juninas são assim, o movimento armorial é assim, a riquíssima colheita intelectual nordestina, que nos forneceu e fornece quase todos os nossos melhores artistas, é assim, o cordel é assim, o trio elétrico é assim, o Candomblé é assim. 

Como diria a Antropofagia modernista e a Tropicália: é preciso canibalizar os canibais que ainda estão à solta... Que Macunaíma, Dodô, Osmar, Jorge Amado, Heitor dos Prazeres, Chiquinha Gonzaga e Villa-Lobos nos abençoem! 

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