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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Novas armadilhas contra o progresso de povos e países

Num período em que a carência de recursos ajuda a explicar o desemprego estrutural, um movimento sonha com um mundo atomizado, sem desenvolvimento ou democracia

Desigualdade social (Foto: Vladimir Platonow/ABr)
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Num artigo de quatro páginas publicado na edição de 23 de novembro pela The New York Review of Books, do professor Daniel Immerwhar, da Northwestern University, nos EUA, saiu uma estusiasmada resenha de quatro páginas sobre o livro mais recente de Quinn Slobodian, um dos mais ativos pesquisadores sobre o capitalismo contemporâneo. 

Professor na Universidade de Boston, já autor de dois livros sobre história econômica contemporânea, o professor canadense Quinn Slobodian acaba de publicar uma obra de 366 páginas, chamada "Crack-up Capitalism: Market Radicals and the Dream of a World Without Democracy",  titulo que pode ser traduzido como  "Capitalismo em ruptura: radicais do mercado e o sonho de um mundo sem democracia".

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Publicada em The New York Review of Books (23/11/2023), uma das bíblias do pensamento de esquerda nos Estados Unidos, uma crítica assinada por Daniel Immerwhar faz uma avaliação estusiasmada sobre o trabalho de Slobodian, assinalando um ponto essencial para o debate político de nossa época.  

"O capitalismo na era da globalização não criou um mundo homogêneo num universo horizontal e nivelado, como se imaginava. Em vez disso, criou uma colcha de retalhos de jurisdições", explica o Immewhar, acrescentando: "o mundo agora contém mais de 5400 esclaves econômicos: estados, ilhas, parques, paraísos fiscais, portos livres, zonas de processamento, zonas de livre comércio e assim por diante. Um geógrafo contou 82 nomes diferentes para isso".  

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Visível em Hong Kong e em São Paulo, na Indonesia e no México, o fenomeno envolve um universo miúdo só na aparência. Apenas nos Estados Unidos,  estima-se que esse capitalismo subterrâneo movimenta 150 bilhões de dólares anuais que escapam dos cofres do tesouro americano.  

Na América Latina, esse sistema tomou posse de 22% da riqueza financeira e, entre as nações africanas, administra a 30%. Isso acontece, expõe Immerwahr, a partir das ideias de Slobodian, porque "o capitalismo na era da globalização não homogenizou o mundo num espaço plano, monocromático, como muitos esperavam. Em vez disso, criou um infinito conjunto de jurisdições". 

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Estudiosos falam de "capitalismo zonal", ou mesmo "capitalismo-arquipélago", para dar a ideia de um sistema que ocupa o lugar das gigantescas estruturas estatais do passado, num aglomerado que favorece iniciativas particulares em prejuízo de sistemas  capazes de atender simultaneamente milhares e até milhões de pessoas.

Nem é preciso lembrar que, a partir de infinitas estruturas individualizadas, típicas de um universo privatizado, o poder de barganha para proteger e mobilizar forças que antes eram definidas como interesse nacional é sempre menor, às vezes simbólico, inevitavelmente disperso, fator que diminui a musculatura dos Estados Nacionais.  

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Nestas circunstâncias, explica Slobodian, "zonas econômicas não precisam tentar derrubar governos que não apreciam, mas podem sabotá-los por dentro", acrescenta, referindo-se a um universo no qual "se viaja de superjatos e se navega em superiates, compra-se ilhas, funda-se universos on line, funda-se bancos, estabelece-se cambios alternativos e até se lança em viagem ao espaço".  

Com tamanha concentração de poder, é possível assistir a um espetáculo tipicamente contemporâneo, onde governos podem ser trocados sem eleições nem golpes de Estado:  "zonas econômicas podem mudar a política de um país sem se dar ao trabalho de mudar seus políticos". 

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Longe de qualquer forma de "libertação", como insinuavam as trombetas juvenis do  neoliberalismo, Slobodian descreve o processo como uma "forma radical de capitalismo", que consolida a primazia do interesse privado sobre o espaço público,  sem dar margem a qualquer controle social.

Slobodian define esse tipo de regime como "um mundo sem democracia", na qual cada um tenta cuidar de si e os responsáveis pelas decisões que afetam o conjunto sequer não são obrigados a prestar contas e sequer sao identificados formalmente.  

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Sabemos que as contradições entre capitalismo e democracia  fazem  parte da evolução humana desde que se ouviu o primeiro apito da indústria a vapor na Inglaterra. Uma conhecida tese partilhada entre vários pensadores de esquerda sustenta que estamos falando de impulsos incompatíveis, entre o crescimento da riqueza privada sob o regime capitalista e o anseio distributivista da maioria excluída -- daí se justifica a necessidade de uma mudança radical nos modos de produção.  

No universo das ideias econômicas elaboradas sob o capitalismo, coube a John Maynard Keynes desenvolver noções tipicamente reformistas, que pretendiam "promover o casamento entre a produtividade do regime de iniciativa privada com políticas progressistas compatíveis com o mercado", argumenta o crítico  Immerwahr.

Na prática, no final do século XX e primeiras décadas do XXI ocorreu um casamento de interesses. Até que, fazendo um jogo de palavras em inglês, aconteceu o inevitável: "o mundo offshore começou a colonizar o mundo onshore".

Como exemplo, o livro cita o destino de Shenzen, cidade-provincia que se transformou naquilo que Slobodian classifica como "oásis capitalista", onde investidores estrangeiros possuem direitos de propriedade e isenções fiscais. Em vez de reverter a economia política chinesa, as reformas criaram espaços excepcionais, administrando capitalismo e comunismo simultaneamente, como se estivessem operando dois sistemas num mesmo computador, descreve Immerwahr. O encontro de instituições capitalistas com imensa reserva de mão de obra barata produziu um salto explosivo. Em 1978, Shenzen era uma vila de pescadores. Em 2010, tornara-se maior do que Nova York.

Nas últimas linhas de sua crítica, Daniel Immerwhar deixa uma previsão sombria sobre esse futuro em gestação: 

"Há muito tempo o capitalismo deixou de sonhar com um mundo unificado. Radicais do mercado despedaçaram o planeta em milhares de zonas especiais, esclaves e jurisdições. E nos deixaram as sobras". 

Essa é a questão. Num período da História humana em que a carência de recursos produtivos ajuda a explicar o desemprego estrutural e o empobrecimento de grandes populações, inviabilizando países e regiões inteiras do planeta, assiste-se a um movimento que sinaliza o mais nocivo dos projetos políticos -- o sonho de um mundo atomizado, sem rumo para o desenvolvimento, sem democracia. 

Alguma dúvida? 

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