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Alexandre Aragão de Albuquerque

Escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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Novas versões do mesmo

No Brasil, no último dia 25, avistou-se um movimento religioso dando seguimento ao projeto teocrático defendido pela extrema direita brasileira

Michelle Bolsonaro (Foto: Reprodução)
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"A religião é a teoria geral deste mundo, o seu compêndio enciclopédico, sua lógica em forma popular, sua solene completude, sua justificação moral, seu fundamento universal de consolo e de legitimação”. (Karl Marx)
“O povo tem que estar esclarecido pela discussão pública para ter condições de adotar o partido que achar melhor. É preciso esclarecer o povo. Dar-lhe os meios de realizar um julgamento da realidade concreta”. (Maquiavel)

Por quase quatro séculos, o sistema escravocrata de poder português no Brasil colônia, com o suporte doutrinário da Igreja Católica, legitimou o cativeiro e a violência contra populações africanas, tratados como sub-humanos (escravos), propriedades pertencentes ao europeu (senhores), consolidando por meio da religião cristã a hegemonia do Estado e da Igreja sobre aquelas populações.

Na América, a expansão portuguesa foi assinalada pela construção de um sistema de Cristandade, ou seja, por “um conjunto de relações entre Estado e Igreja Católica pelas quais ambos se legitimam no interior de uma determinada sociedade”. Portanto, falar de construção de um sistema de Cristandade na América Portuguesa é levar em consideração todas as injunções econômicas e socioculturais que influenciaram na constituição das relações entre Igreja e Estado (GOMES, Francisco José Silva. Tese de Doutorado. Toulouse, 1991).

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A escravização de africanos fazia parte da lógica de funcionamento da própria sociedade brasileira colonial, elemento fundamental na afirmação dos interesses portugueses nos trópicos. Coube à Igreja Católica não só justificar a escravização de negros, mas também garantir a dominação, pela inserção subordinada de africanos e seus descendentes na Cristandade tropical, por meio da catequese, numa sociedade cuja visão de mundo era profundamente hierarquizada, a qual promovia um complexo processo de classificação e desclassificação dos indivíduos.A desigualdade entre humanos era vista como um fator natural e inerente à própria sociedade. Registre-se que, na cultura ocidental, a desigualdade entre os homens remonta à filosofia aristotélica, segundo a qual, desde o nascimento, alguns homens seriam marcados para a sujeição enquanto outros, naturalmente, seriam talhados para a função de mando

Assim, a escravidão transformava-se num elemento chave de compreensão do funcionamento do Brasil colonial, condição básica para a constituição de uma sociedade cristã e escravista, legitimada pela naturalização da desigualdade. Nesta concepção teológica, “os negros escravos (não-cristãos, pecadores, de inferioridade espiritual e ética) teriam uma função dentro do corpo social criado e mantido por Deus” (Idem).

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Por exemplo, a bula Dum Diversas, emitida em 18 de junho de 1452 pelo Papa Nicolau V, endereçada ao rei Afonso V, atribuiu a Portugal direitos absolutos sobre os territórios conquistados e de escravizar populações na África Ocidental, autorizando a reduzir à condição de escravos perpétuos os sarracenos, os pagãos e demais inimigos de Cristo que ali se encontrassem, assim como a usufruir plenamente de reinos, domínios, bens móveis e imóveis. Ampliando nosso universo reflexivo acerca da relação entre religião e política, vamos encontrar no pensador florentino Nicolau Maquiavel, em seu clássico Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, a busca por identificar em seus estudos históricos sobre a Roma Antiga acontecimentos ou sequências de eventos que ilustrem e confirmem suas hipóteses sobre tal relação em seu tempo presente. Para Maquiavel, todos os homens possuem tendências à prática do mal, chegando à disposição em agir com perversidade sempre que haja ocasião. Os homens só fazem o bem somente quando necessário, por isso é indispensável e imperiosa a existência da Lei. Consequentemente, para Maquiavel, a religião passa a ser o agente mais poderoso da manutenção de uma determinada ordem, em virtude do temor de Deus. Em seus estudos ele constatou que os romanos respeitavam mais seus juramentos aos deuses do que suas obrigações para com a Lei, convencidos de que a Potência dos deuses é maior do que a dos homens.

Ele destaca que enquanto a religião cristã do seu tempo santificava os homens inclinados à contemplação, ao desprezo deste mundo, à humildade e à vida não ativa, a religião antiga (romana) buscava com obstinação a grandeza da alma, o vigor do corpo, a tudo que contribuísse para os homens serem mais robustos e corajosos, os fiéis se empenhavam com dedicação em tudo o que lhes permitisse alcançar a glória.

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Segundo o autor, a antiga religião romana foi introduzida por Numa Pompílio (753 – 673 a. C.), servindo para comandar os exércitos, levar concórdia ao povo, zelar pela segurança dos justos e fazer com que os maus pagassem por suas infâmias. Para este imperador romano, nos Estados onde a religião é toda-poderosa, pode-se facilmente introduzir o espírito militar. Ele criou uma narrativa espiritual na qual encontrava-se pessoalmente com a Ninfa Conselheira Egéria (não numa goiabeira, nem no Monte Sinai) de quem recebia conselhos e leis para serem transmitidos ao povo, pois sabia que não bastava sua própria autoridade para governar Roma. Maquiavel também assevera que um legislador sábio compreende que para outorgar leis de caráter extraordinário ao seu povo é fundamental apelar para a autoridade divina, caso contrário tais leis não seriam aceitas, porque onde não há o temor de Deus, o império tende a sucumbir. A crença do povo em milagres nasce da autoridade dos sábios e sacerdotes. Na Roma antiga, jamais se dava início a uma expedição militar sem persuadir os soldados, por exemplo, em cerimônias solenes, com vestimentas brancas, com penachos e cristas sobre os capacetes, de que os deuses haviam prometido a vitória.

No Brasil do tempo presente, no último dia 25 de fevereiro, na concentração dos bolsofascitas na Paulista, avistou-se um movimento religioso em ato, conduzido pela catequese doutrinária de Michele Bolsonaro, dando seguimento ao projeto teocrático defendido pela extrema direita brasileira, cuja centralidade reside na condução da política subjugada ao senhorio de uma forma de religião com elementos que conjugam passagens veterotestamentárias da Bíblia cristã com a teologia neopentecostal do domínio, para as quais Deus é o deus monoteísta dos exércitos, vencedor das guerras travadas pelo povo por Ele escolhido, vitorioso, que governará o mundo.

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De mãos dadas com esses neopentecostais, está também grande número de fiéis católicos herdeiros da cultura escravista colonial brasileira, abrigados em diversas associações e movimentos cristãos de tradição católica, como TV Canção Nova, Renovação Carismática, Shalom, Fazenda Esperança, Arautos do Evangelho, Centro Dom Bosco, entre outros, eleitores e apoiadores ardorosos de Bolsonaro em 2022. Apresentam-se como novas versões do mesmo.

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