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Daniel Golovaty Cursino

Bacharel e Licenciado em História pela USP. É psicanalista.

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O antissionismo como discurso de ódio

Teses como “Israel deve ser destruído” ou “o sionismo se equipara ao nazismo” não são apenas erradas, mas também abomináveis e profundamente preconceituosas

Uma guerra sem fim (Foto: Reprodução)
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“É o juízo finalA história do bem e do malQuero ter olhos pra verA maldade desaparecer”

Nelson Cavaquinho¹

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Recentemente, li o texto de Berenice Bento publicado neste site Brasil 247, em 15 de fevereiro, cujo título é “‘Sionistas de Esquerda’ e seus Fantasmas”². O texto se pretende um comentário e uma resposta a um outro texto que também foi publicado neste site, intitulado “Somos Judeus de Esquerda”, este assinado conjuntamente por cinco judeus e uma judia brasileiros, os quais se apresentam como um coletivo denominado “Judeus e Judias Sionistas de Esquerda”³. Eu já havia lido esse texto do coletivo sionista, com o qual concordo em certos pontos e discordo em outros. Conheço dois dos seus autores pessoalmente e quase todos os demais pelo mundo virtual.  Também tenho algumas coisas importantes em comum com seus autores. Sou brasileiro, judeu, de esquerda e milito há cerca de 20 anos contra a ocupação israelense dos territórios palestinos e por uma paz justa entre ambos os povos. O texto “Somos Judeus de Esquerda”, eu o entendi não como tendo a pretensão de fornecer uma explicação geral para o conflito (muito longe disso), mas sobretudo como um apelo. Apelo a quem? A uma parte da esquerda que tem externado juízos muitas vezes preconceituosos tanto em relação ao povo judeu quanto em relação ao movimento sionista e sua história. Teses como: “Israel deve ser destruído” ou “Israel não tem o direito de existir”; “sionismo é colonialismo”, “sionismo é racismo” ou, a pior: “o sionismo se equipara ao nazismo”; “os judeus não aprenderam nada com o Holocausto e estão a repeti-lo” ou “os ‘sionistas’ sequestraram a memória das vítimas do nazismo, que não foram somente os judeus”; “o povo judeu nem existe”, etc.; tais teses, sugerem os autores do texto (e eu os acompanho integralmente aqui), não são apenas erradas, mas também abomináveis e profundamente preconceituosas. Mais ainda, acrescentaria, elas constituem discurso de ódio. Como também é discurso de ódio a alegação de que a população civil de Israel é “matável”, constituindo alvo legítimo para certa “resistência” palestina.

Como demonstrarei abaixo, a senhora Berenice Bento, alegando comentar o texto, o distorce quase por completo, manipulando-o de forma desonesta e usando-o mais como um pretexto para vazar o veneno de suas teses antissionistas, com isso respondendo ao apelo dos autores por diálogo e escuta com mais agressão e reiteração do discurso de ódio. Um ódio que é dirigido não apenas contra “o sionismo” ou “os sionistas”, mas, na realidade, como argumentarei, potencialmente contra todos os judeus. 

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Antes de desenvolver minha análise, eu preciso avisar o leitor de que, durante a elaboração da mesma, percebi que ela necessariamente teria que tocar em erros, equívocos, confusões e mistificações recorrentes tanto sobre a história e natureza do sionismo, quanto – a fortiori - sobre a história e natureza mesmas do próprio conflito. Foi então que me dei conta de que, ao menos em parte, ela já estava feita. Durante anos de militância pacifista, como resultado de minha experiência pessoal, de intensos debates e muitas leituras, eu elaborei um texto que resume o principal do que penso sobre as questões essenciais do conflito em tela. Ele se chama “A esquerda democrática e o conflito israelense-palestino”, e foi publicado em abril de 2016, no número nove da Revista Fevereiro da qual também fui um dos editores[4]. Assim, nem tanto por preguiça quanto por entender ser proveitoso e oportuno, vou me permitir aqui, na análise do artigo de Berenice Bento, usar extensamente este texto, acrescentando os comentários que eu entender serem necessários. Todas as citações de Berenice Bento são do texto dela citado acima.

Sobre a natureza do sionismo. O sionismo é colonialista?

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Em seu afã de deslegitimar o Estado de Israel e de simplesmente criminalizar a grande maioria do povo israelense e grande parte dos judeus do mundo inteiro, Berenice Bento afirma:“Qual a palavra de ordem dos colonizadores sionistas europeus? “Uma terra sem povo, para um povo sem terra (...). A relação entre colonialismo e sionismo é umbilical.”

Citando essa famosa frase de Herzl, bem como repetindo-a várias vezes, a Autora alega “provar” duas coisas: a) a “essência” colonialista do sionismo; b) a existência de um genocídio na Palestina. Sobre o suposto genocídio, falaremos depois. 

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Em primeiro lugar, é preciso desfazer o que talvez seja a mãe de todas as distorções produzidas pelo antissionismo, tanto de esquerda quanto de direita, a saber: a assimilação, tanto conceitual quanto histórica, entre sionismo e colonialismo. Neste sentido, são sempre citadas pelos ideólogos antissionistas as famosas declarações de Theodor Herzl, pai fundador do sionismo político, sobre “uma terra sem povo para um povo sem terra” e sobre o Estado judeu como um baluarte da civilização na “barbárie Oriental”. É claro que Herzl era um homem de seu tempo, um pequeno burguês judeu-europeu, que via no apoio das potências colonialistas europeias a única possibilidade de criação de um Estado judeu na Palestina, de modo que todas as suas gestões políticas junto às autoridades das potências coloniais da Europa organizaram-se nos termos e nas categorias do colonialismo da época.

Entretanto, um estudo, mesmo que sumário, da biografia de Herzl e de seus propósitos e motivações revela claramente que o que movia o líder sionista não eram interesses de ganhos materiais com qualquer empresa colonialista, mas sim a busca da solução para a então chamada ‘questão judaica’. Com efeito, Herzl abraçou o sionismo somente após desenganar-se com as expectativas de sucesso de assimilação dos judeus pelas nações europeias. Depois de cobrir como jornalista de um diário vienense o famoso “affaire Dreyfus” na França, ele chegou à conclusão, pessoalmente dolorosa, de que o projeto dos judeus assimilacionistas, como ele próprio fora até então, estava condenado ao fracasso e que os judeus europeus, tanto pela fragilidade de suas posições na sociedade e economia europeias, quanto pelo lugar especial que ocupavam no imaginário ocidental, constituíam a parte mais vulnerável na grande guerra civil em que sucumbiriam as nações da Europa. O sionismo surgiu para Herzl como uma solução moderna, nacional, para o moderno antissemitismo, que não era mais nominalmente religioso, mas racial: um produto das contradições sociais e políticas que internamente dilaceravam os Estado-nações europeus e que os inclinariam em direção à guerra. Em essência, portanto, era um movimento de libertação nacional de um povo singularmente disperso. O apoio da Inglaterra poderia desempenhar, contingencialmente, apenas o papel de um vetor.

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Além disso, mesmo que Herzl fosse um colonialista empedernido, esse fato, em si, nada provaria a respeito de uma suposta “essência colonialista” do sionismo. A adesão de uma parte importante dos judeus europeus, inicialmente minoritária, mas que historicamente foi ganhando importância e vigor, demonstrou que o projeto sionista nada tinha de artificial. Ele foi uma resposta que pareceu plausível a uma questão autêntica e pungente dos judeus da época; questão cuja dramaticidade a história se encarregaria de demonstrar ser impossível superestimar. Enquanto movimento nacional, progressivamente hegemonizado por uma esquerda militante e socialista, o sionismo foi capaz de reviver uma língua antiga e criar um povo novo: os judeus israelenses, com toda sua diversidade, cultura e instituições. É claro que - deveria ser desnecessário dizer - tanto o sionismo quanto o Estado de Israel não só podem como devem ser criticados. Mas ao reduzir todo o movimento de libertação e reinvenção de um povo a uma mera ideologia de dominação, o que certa esquerda faz com a palavra “sionismo” consiste numa deturpação e numa violência tão grandes quanto as que foram historicamente perpetradas pelo antissemitismo com a palavra “judeu”. Para os antissionistas, Israel passa a encarnar não o Estado soberano no qual um povo se vê e se sente representado, e através do qual exerce o seu direito de autodeterminação, mas uma “entidade artificial”, a plasmação mais pérfida do dinheiro e poder ocidentais. Nada menos do que o produto de uma conspiração imperialista para dominar os povos árabes. É neste contexto que a destruição de Israel e o assassinato em massa de sua população civil passam a ser, se não aprovados, ao menos aceitos como uma “opinião” legítima nos meios (de certa) esquerda dita “anti-imperialista”, a qual, nessa questão, objetivamente, faz frente comum com a extrema-direita islamista. O óbvio resultado político da mistificação antissionista é o fortalecimento da direita israelense, que joga com a confusão entre a luta palestina por liberdade e autodeterminação e a destruição de Israel. Uma confusão que essa direita pode ser acusada de promover, mas que não inventou.Assim, não é possível derivar uma suposta “essência colonialista” do sionismo apenas citando uma frase de Herzl. Isto, sim, é pretender “fazer mágica com palavras!” Pois o que Herzl fundou não foi uma ideologia, mas sim um movimento nacional, que, historicamente, pariu não uma, mas uma quantidade grande de ideologias, as quais, como foi sugerido acima, vão da extrema-direita à extrema esquerda. Para entender o conteúdo das diversas ideologias do sionismo teríamos que estudar, de forma minimamente isenta, a história do movimento sionista e a história de Israel. Mas a Autora não precisa disso, afinal ela já tem a frase de Herzl!

A autora não se contenta, entretanto, em usar Herzl para atribuir uma suposta essência colonialista ao sionismo. Ela vai além:

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“O texto “Somos judeus de esquerda” diz que Israel não comete genocídio. “Uma terra sem povo, para um povo sem terra” – repito. Aqui, o crime de genocídio é assumido com clareza. Nenhuma experiência colonial chegou a esse nível de violência contra a população nativa. Nem espanhóis, nem portugueses. Durante um momento, o Império Espanhol discutia se os índios tinham ou não alma. Essa foi a famosa disputa entre Bartolomé de las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda, em 1547. Os índios existiam. Cabia ao império decidir o lugar que eles ocupariam na hierarquia da cosmovisão cristã. Os sionistas dizem: aqui não tem gente.

Nessa palavra de ordem já está expresso o nível simbólico mais violento da relação entre colonizador e colonizado. Para os colonizadores sionistas europeus, no entanto, aqueles corpos só tinham a aparência de humano, mas não eram humanos, desumanização que segue com vigor na contemporaneidade em todos os níveis.”

Ou seja, o sionismo não seria apenas um colonialismo, mas (pasmem) o pior colonialismo de todos os tempos! Essencialmente genocida! Assim, o colonialismo espanhol, que dominou e explorou por séculos um continente inteiro, escravizando e, de fato, exterminando os nativos; o colonialismo português, que dominou e explorou territórios de dimensão continental, também escravizando e exterminando os nativos - e que sequestrou milhões de africanos para trabalharem como escravos no Brasil; ambos esses colonialismos passam a ser menos piores do que o movimento nacional de um povo pequeno e disperso, que estava sendo massacrado na Europa e que viria a sofrer, nas mãos dos europeus, um genocídio monstruoso. Um povo que nem era considerado branco pelo pensamento racial europeu - pensamento este que contribuiu decisivamente na elaboração ideológica do moderno antissemitismo. Um povo que, fugindo, migrou para a Palestina mandatária (território que tem a dimensão do estado brasileiro de Sergipe), de forma legítima, comprando terras e trabalhando nelas. De fato, membros desse povo, num contexto de guerra contínua e forte pressão, em que muitas vezes a própria sobrevivência do povo esteve em risco, cometeram crimes. Alguns deles terríveis e imperdoáveis. Assim como também os judeus israelenses sofreram crimes terríveis e, por três vezes, viram-se em face da possibilidade de aniquilação.Temos aqui, com efeito, um velho elemento tanto do antijudaísmo medieval quanto do moderno antissemitismo: o caráter cósmico do “crime dos judeus” , os quais teriam assassinado o Cristo - quem viera limpar os pecados do mundo - e que, na modernidade, trouxeram a venalidade e a perfídia ao mundo das ‘nações autênticas’, em seu perverso projeto de dominação mundial. Por fim, é interessante notar como o procedimento de deslegitimação e criminalização usado por Berenice Bento em relação ao sionismo e a Israel tem o seu perfeito homólogo na direita israelense e sionista, de modo geral. Ali também se usa elementos episódicos do movimento nacional palestino, como a aliança político-ideológica do mufti de Jerusalém, Haj Amin Al-Husseini, com Hitler; o terrorismo pretérito da OLP, bem como o atual terrorismo e antissemitismo do Hamás, para criminalizar todo o movimento nacional palestino e justificar tanto a ocupação como ações opressivas de Israel contra o povo palestino. Fatos “anedóticos”, muitas vezes contingentes ou oriundos da guerra e do conflito, são abstraídos de seu contexto e, em seguida, essencializados, de tal modo que ambos os movimentos nacionais e, por extensão, ambos os povos sejam criminalizados. De resto, é exatamente assim que operam todos os racismos, incluindo o antissemitismo.

Sobre a assimetria (e a simetria) do conflito israelense-palestino

Sobre a questão da simetria-assimetria do conflito, Diz Berenice Bento:

“O texto ‘Somos judeus de esquerda’ diz: ‘Dói ver nossas lideranças condenando o bombardeio de Gaza por solidariedade aos familiares das vítimas palestinas, sem uma palavra sequer sobre as famílias israelenses’(…)”.

A urdidura do texto sugere que há uma simetria de dores e perdas entre israelenses e palestinos.

O mesmo artigo traz ainda: ‘Para qualquer mãe a morte de um filho é uma perda irreparável, seja ela israelense ou palestina. A dor no peito é a mesma’. Não há dúvidas de que a dor das mães e familiares é imensa. Insuportável. Concordamos. São vidas que merecem ser pranteadas, enlutadas. Mas qual o truque retórico aqui? Cito uma passagem do artigo do historiador Sayid Marcos Tenório, ‘Israel e o genocídio silencioso de crianças palestinas’:

‘Durante o massivo ataque de “Israel” contra Gaza […] foram 2.200 palestinos mortos, entre eles 550 crianças, 70% delas com menos de 12 anos de idade, e foi responsável por mais de 11.000 feridos, sendo 3.358 crianças, e por mais de 100 mil deslocados durante os atentados daquele ano, segundo o relatório anual do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU. Do lado do agressor israelense, 73 pessoas morreram, incluindo 67 soldados.’

Uma conta simples. Em 2014, 2200 palestinos mortos e 73 israelenses. Ou seja, a vida de um israelense vale 30 vezes mais que a vida de um palestino. Ao não dizer nada sobre a desproporcionalidade da força militar dos dois lados, o texto nos leva para o mundo da ilusão, segundo a qual as necropolíticas do colonizador e a resistência do povo colonizado têm a mesma densidade ética (grifo meu). A demanda pela distribuição igual do luto é um truque para esconder o genocídio”.Contra isto, é preciso afirmar, em primeiro lugar, que o conflito entre israelenses e palestinos é o produto histórico do embate de dois movimentos nacionais pelo mesmo território. Trata-se, portanto, independentemente das sucessivas variações na correlação de forças entre os contendores, de um conflito estruturalmente simétrico entre duas poderosas narrativas igualmente legítimas. Estabelecer essa legitimidade histórica do sionismo e do Estado de Israel não tem nada a ver com a pretensão de justificar crimes e grandes injustiças que foram e continuam sendo perpetrados contra o povo palestino por este Estado. O que se trata aqui é de tornar claro que tanto a Nakba quanto a Ocupação não foram o resultado inevitável de uma suposta ‘essência’ colonialista, expansionista ou mesmo racista do sionismo, mas produtos circunstanciais de guerras e de disputas políticas internas a ambos os movimentos nacionais.Após a Guerra dos Seis Dias (1967) o conflito árabe-israelense aumentaria em complexidade. À sua estrutura simétrica, acima referida, viria somar-se uma camada claramente assimétrica: a ocupação israelense da Cisjordânia e Gaza colocaria territórios densamente povoados por árabes-palestinos sob ocupação militar de Israel. Precisamente nessa camada assimétrica é que iria se alicerçar o giro discursivo empreendido a partir daí por todo o bloco alinhado a URSS na Guerra Fria. O sionismo definitivamente deixava de ser entendido como um movimento de libertação nacional e o direito de autodeterminação israelense passava a ser deslocado, quando não simplesmente anulado, pelo discurso da “entidade sionista”, que não passaria de um “enclave artificial” imperialista no Oriente Médio. Todos os significantes clássicos do antissemitismo moderno: “superpoder”, “dominação mundial”, “conspiração”, “parasitismo”, “artificialidade”, “desenraizamento”, “provocador de guerras”, “racismo”, “controle da mídia”, etc., seriam deslocados para o significante “sionismo”, o qual passaria então a condensar em si uma nova versão, palatável a certa esquerda, da demonologia antissemita. Novamente, os judeus (ou uma parcela deles) eram desumanizados por um discurso que os reduzia a uma abstração com o que se abria espaço, talvez pela primeira vez, para os movimentos comunistas do mundo inteiro reivindicarem a destruição de um país.Resumindo, então, o conflito israelense-palestino tem uma singular duplicidade: de um lado ele é assimétrico, já que existe a Ocupação; por outro, ele é simétrico, pois Israel não se reduz a um acampamento militar colonial, nem a um porta-aviões estadunidense no Oriente Médio. Israel é um Estado que tem povo. Há povo dos dois lados. E o problema é que essa confusão, que existe entre ambas as dimensões do conflito não é politicamente neutra, pois ela tende a fortalecer os extremistas e rejeicionistas de ambos os povos, isolando também seus respectivos campos pacifistas e democratas. Portanto, separar as coisas, discernir e pensar não consiste apenas, para o conflito israelense-palestino, numa obrigação intelectual. Trata-se também de um “dever ético-político”! Um compromisso com a paz justa e com a civilização.Sobre esse ponto, o que faz em seu texto a senhora Berenice Bento? Ela simplesmente acusa os autores do texto que ela critica de tentar apagar a dimensão assimétrica do conflito. Como veremos, ela não apenas erra também nesta acusação, como, ao contrário, é ela que quer apagar a todo custo deste conflito a sua dimensão simétrica. Senão, vejamos. É verdade mesmo que os autores do texto “Somos judeus de esquerda” eludem a dimensão assimétrica do conflito? Citarei apenas três excertos do texto deles:

  1. “Israel é responsável e culpado. Sua atitude, indefensável. As colônias têm de cessar e as negociações precisam ser retomadas”. 
  2. “Do lado israelense, a população se acomodou com a situação relativamente estável, com conflitos episódicos que os sucessivos governos de direita consideram administráveis. É sintomático o fato ocorrido durante um recente confronto com o Hamas. Enquanto os aviões israelenses bombardeavam o prédio ocupado pela imprensa internacional, em Gaza, os habitantes de Tel Aviv estavam nas ruas festejando a vitória no concurso Eurovision, como se a população israelense estivesse vacinada contra a guerra” (grifo meu).
  3. “Israel é um país segregacionista? Sim, os árabes não têm os mesmos direitos dos judeus, mesmo que um partido árabe israelense, muçulmano, hoje faça parte da coalisão governamental. Há de se reconhecer que existe uma espécie de apartheid em Israel” (grifo meu).

A questão que se impõe é: como pode alguém que realmente leu este texto alegar que sua “urdidura” pretende estabelecer uma perfeita simetria entre israelenses e palestinos? O que, então, incomodou a Autora? A resposta é simples: o fato de que os autores, dirigindo-se preferencialmente a um público de esquerda – isto é, a um público que já está muito bem informado da assimetria do conflito e de que o número de vítimas civis palestinas é muito maior do que o número de vítimas civis israelenses –; dirigindo-se a este público, os autores expuseram também o aspecto simétrico do conflito, isto é, o fato elementar de que os israelenses também são gente; de que seus civis não são matáveis intencionalmente sem que haja crime! De que toda vida humana, como diz o Talmud, carrega em si um absoluto e que, portanto, não pode ser simplesmente dissolvida nas comparações numéricas; que, malgrado suas culpas, que são muitas, mas não são todas, Israel tem o direito de existir. Isso, realmente, Berenice Bento não pode suportar, pois ela só aceita o valor da vida dos judeus quando estes praticam uma conversão completa ao credo antissionista. Fora disto, ao que parece, para ela todo judeu do mundo, até que se prove o contrário, é culpado e deve ter sangue de crianças palestinas nas mãos:

“Eu me pergunto se homens que assinaram o texto já serviram às suas forças armadas de Israel. Se sim, gostaria de saber mais sobre suas biografias, se eles têm sangue palestino em suas almas, se Lady Macbeth os visita em seus pesadelos (se tiverem pesadelos).”

Ela, inclusive, chega ao ponto de associar os autores do texto ao Cabo Anselmo! Isto porque estamos falando de judeus que são militantes de esquerda e que, sistematicamente, denunciam a Ocupação e os crimes do Estado de Israel, expondo-se, com isso, a uma não pequena violência oriunda de suas próprias comunidades, sobretudo aqueles dentre eles que têm uma vida intracomunitária mais intensa ou que vivem em Israel. 

Ainda sobre a questão da assimetria nas guerras é preciso agora que nos perguntemos: qual é o seu significado ético? Entre Israel e o Hamás, como se sabe, as guerras têm sido assimétricas, isto é, não se dão em campos de batalha, onde se enfrentam dois exércitos, até porque o Hamás não chega a ter um exército. Assim, para atacar Israel, o Hamás se infiltra em meio à população civil palestina e lança mísseis indiscriminadamente sobre as cidades israelenses. Em retaliação, Israel bombardeia o que alega serem as bases do Hamás em Gaza. O que diz o direito internacional sobre isso? Sobre o Hamás, quando exerce sua prática bélica usual, ele comete ao menos três crimes de guerra: 1) se mistura sem uniformes militares entre a população civil; 2) usa pontos civis como bases de lançamento de mísseis, expondo assim seus habitantes; 3) bombardeia indiscriminadamente as cidades israelenses. Já Israel, possui o direito de defender suas cidades, desde que o faça cumprindo todas as exigências do direito de guerra e do direito humanitário internacional para poupar a vida de civis. Os sucessivos governos de Israel alegam que tentam fazer isso, mas não precisamos aqui acreditar na propaganda israelense. As denúncias de importantes entidades de Direitos Humanos nos informam que, nestas guerras com o Hamás, Israel recorrentemente pratica crimes de guerra. As provas são robustas e Israel, para piorar, não permite nenhuma investigação independente. Portanto, segundo ONGs confiáveis e independentes, e também a ONU, tanto Israel quanto o Hamás praticam recorrentes crimes de guerra. A desproporção entre as mortes civis se dá não porque o Hamás tenha qualquer zelo em evitar essas mortes do lado israelense. Ao contrário! Ele expõe sistemática e criminosamente a sua própria população civil e, ao mesmo tempo, faz tudo o que pode para maximizar as mortes de civis Israelenses. Ou seja, brandir a quantidade maior de mortes de civis palestinos como se isso resultasse em superioridade moral da “resistência”, como faz a senhora Berenice Bento, não faz o menor sentido. Ao fazer isso, ela não faz mais do que propaganda do grupo fundamentalista e terrorista Hamás, ou seja, se encaixa perfeitamente na estratégia deste grupo. Além disso, ela demonstra desconhecer o conceito de proporcionalidade no direito de guerra. Pois, segundo este, a reação tem que ser proporcional à ameaça, e não proporcional ao número de mortos que o agressor impõe.Neste ponto, já se apresentam claramente o oportunismo e a desonestidade com que Berenice Bento faz uso tanto do direito internacional quanto de importantes organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a israelense B’Tselem. Pois estas são citadas apenas para corroborar os crimes de Israel. Mas sistematicamente ocultadas quando condenam os crimes do Hamás, isto é, segundo a Autora, da “resistência”, a qual teria, ainda segundo ela, uma outra “substância ética”. Fica igualmente demonstrado, portanto, que a afirmação acima citada da autora, na qual ela defende que todas as vidas merecem ser pranteadas e enlutadas, também não é verdadeira. Ao apoiar o Hamás como legítima resistência, ela: 1) subscreve e legitima o assassinato de civis israelenses; 2) subscreve e legitima a morte da parte dos civis palestinos que o Hamás criminosamente sacrifica em sua Jihad. Da mesma forma desonesta são usadas as resoluções da ONU sobre o conflito: ela cita apenas aquelas resoluções que condenam os assentamentos israelenses em terras palestinas, bem como a resolução 194, que estabelece o direito de retorno dos palestinos. Mas omite a resolução 181, que decidiu pela partilha da Palestina e a criação, em parte do seu território, de um lar nacional para o povo judeu, o Estado de Israel, ao qual ela não reconhece nenhuma legitimidade. Ela omite também declarações de representantes da ONU que condenam a violência do Hamás contra a população civil israelense.

Portanto, de um lado, temos militantes judeus de esquerda, cuja defesa do direito de existência de Israel não os impede de condenar sistematicamente a Ocupação e os crimes israelenses, nem de defender a legitimidade e a urgência da criação de um Estado Palestino soberano, coexistindo em paz com o Estado de Israel. De outro lado, temos uma intelectual que defende a destruição de Israel, que criminaliza todo o movimento nacional judaico - e, por extensão, a grande maioria dos judeus israelenses, bem como uma grande parte dos judeus de todo o mundo; que apoia o Hamás, um grupo terrorista e antissemita, cujos estatutos foram inspirados nos Protocolos dos Sábios de Sião; que legitima o assassinato de civis israelenses (inclusive crianças) e encobre o sacrifício criminoso de civis palestinos (inclusive crianças). De que lado se encontra a coerência de ser esquerdista? Onde está a superioridade moral? Quem tem a alma suja de sangue?

O Hamás é um movimento legítimo da resistência palestina?

Como vimos, Berenice Bento defende a legitimidade do grupo Hamás, bem como de suas ações contra a população civil de Israel. Isto porque o Hamás seria um legítimo movimento de resistência palestina.

Sobre esta questão, impõe-se a pergunta: seria o Hamás realmente um movimento de libertação nacional palestino? Não há dúvida de que ele está baseado na Palestina nem de que é composto por palestinos. Mas isto não é suficiente para que ele seja caracterizado como um movimento nacional, na medida em que só é nacional um movimento que traz em si um projeto determinado de nação. Ora, o Hamás surge e ganha força justamente no processo de crise do nacionalismo árabe e palestino, quando este começa a se decompor e a perder a primazia para o fundamentalismo islâmico, o qual tem por referência maior não mais qualquer nação árabe particular, mas a Ummá, o conjunto dos fiéis, a “nação” islâmica. É esta essência islamista do Hamás que imprime à sua luta contra Israel um caráter irredentista, não mais nacional, mas claramente de dever religioso de resgate da terra islâmica (wafiq); dever este que só seria realizado com a destruição de Israel (“entidade sionista”) e a criação de um Estado Islâmico em toda a Palestina histórica.Ainda menos sentido faz classificar o Hamás como movimento de libertação, pois não basta ter como inimigo um Estado que promove uma ocupação para adquirir um estatuo libertário. Aqui é necessário enfatizar o óbvio: movimento de libertação é aquele que luta pela liberdade. E não há qualquer liberdade no horizonte do Hamás, apenas uma ditadura obscurantista cujo estabelecimento pressupõe o genocídio de outro povo. Portanto, com relação ao Hamás, nem sequer se coloca o problema clássico das lutas de libertação, aquele da ocasional contradição entre meios violentos e fins: “paz”, “justiça” e “liberdade”, pois não há contradição alguma entre os meios e os fins desse movimento fundamentalista - seus fins apontam claramente para a destruição de Israel e dos judeus israelenses, sem qualquer distinção entre combatentes e civis. É evidente que o terrorismo é o meio adequado a esses fins.É verdade que a força do Hamas vem, em grande parte, da perenização da ocupação imposta por Israel. É compreensível - e aqui não vai nenhuma justificação do terrorismo - que crianças e jovens que dos israelenses só conhecem os soldados armados de tanques e de fuzis e as bombas que periodicamente caem do céu - e que vivem um cotidiano de cerco, desesperança e humilhação -, sejam atraídos pela propaganda de força e de vingança do Hamás, bem como pelo “Deus grande” (“Allah Akbar”) que levará finalmente a destruição aos seus opressores e aos inimigos do Islã. Não há dúvida de que o martírio e seu culto da morte podem aparecer como uma saída reta e sedutora do labirinto de medo e impotência em que a ocupação israelense transformou a vida do povo palestino. Mas dizer que o fundamentalismo islâmico se alimenta da injustiça e da opressão não é o mesmo que dizer - como já aludi acima - que ele luta no sentido da justiça e da liberdade. O niilismo terrorista não apenas ilude os palestinos com suas falsas promessas de redenção, mas também lhes rouba o que talvez seja a sua arma mais poderosa: a superioridade moral da luta de um povo por liberdade - luta que se determina na medida em que elege seus fins e discrimina seus meios - o que é outra forma de dizer que a violência indiscriminada jamais será um meio para a luta por liberdade e por uma paz justa.

Gaza: o povo palestino é culpado? Não, mas o Hamás tem parte da culpa

Berenice Bento acusa os autores do texto “Somos judeus de esquerda” por culpar os próprios palestinos pelo bloqueio de Gaza. É mais uma mentira, pois, de um lado, eles reconhecem expressamente que parte da culpa é de Israel. Por outro lado, eles afirmam que o Hamás (e não o povo palestino!) também tem parte da culpa, pois, após dois anos do desmantelamento dos assentamentos judaicos de Gaza (2005), em 2007 o Hamás deu um violento golpe militar na região, matando ou prendendo toda a liderança do Fatah. Após isso, Israel impôs um rigoroso bloqueio a Gaza, pois temia (e ainda teme) que a região fosse municiada com mísseis iranianos, bem mais potentes e destrutivos do que os misseis feitos em Gaza. Portanto, a situação realmente não é fácil. É preciso exigir do governo israelense que, urgentemente, retome as negociações de paz e, num primeiro momento, afrouxe o bloqueio à Gaza, coibindo o que nele é excessivo ou até criminoso. Dentro de um processo determinado por um acordo de paz, o bloqueio de Gaza deverá ser totalmente levantado. Além disso, os autores judeus criticados por Berenice Bento denunciam o regime de terror religioso estabelecido pelo Hamás em Gaza, impondo sobre sua população a lei da sharia. Neste ponto, a Autora, recorrendo ao intelectual palestino Edward Said, os acusa de “orientalismo”(!), pois, aparentemente, ela acredita que democracia e direitos humanos são apenas “valores ocidentais”, que não seriam bons também para os povos não ocidentais. Assim, criticar ditaduras, fundamentalismo religioso e violação de direitos humanos em países não ocidentais seria, segundo a Autora, preconceito orientalista! Pobre Edward Said...

O argumento da complexidade e sua “refutação” simplória

Berenice Bento acusa os autores do texto por ela criticado de “arrogância” e “desqualificação”, que seriam atitudes típicas da mentalidade do “colonizador”. E por que? Simplesmente porque alegam que o conflito israelense-palestino é complexo e que não se deixa apreender por simplificações e maniqueísmos. Ora, mas quem eles estão “desqualificando” com esse argumento? É até compreensível que a Autora se sinta desqualificada, na medida em que a abordagem dela do conflito é, realmente, simplória e maniqueísta. Mas quando ela afirma que, com isso, “os palestinos” estariam sendo desqualificados, isto não passa de preconceito e projeção, pois palestinos tem tanta capacidade de abordar complexidades quanto qualquer outro povo. Para “comprovar” este seu ponto, a Autora cita o “isento” autor marxista-estalinista Domenico Losurdo:

“Não contentes com a lição de moral, os atuais professores do povo palestino pretendem também dar uma lição de epistemologia: acusar o sionismo enquanto tal – eles sentenciam – significa perder de vista a ‘complexidade’ desse movimento político, caracterizado pela presença no seu interior de correntes muito diversas entre si, de direita, de esquerda e até mesmo de esquerda com orientação socialista e revolucionária” (LOSURDO, 2021, p. 33).

Ora, mas o que temos aqui? Qual é, de fato, o argumento? A rigor, não há argumento algum, apenas a reiteração da acusação de arrogância, agora na pena de uma “autoridade”. De fato, a acusação de “complexidade”(!) poderia até ter algum fundamento, se os autores do texto criticado pretendessem, com ela, desculpabilizar Israel. Mas já vimos acima que não o fazem, pois sua condenação dos crimes israelenses é enfática e muito clara. Então, qual é realmente o problema? De onde vem esse verdadeiro ódio pela complexidade? Sem ironia, a resposta é simples! É que “antissionistas” como Berenice Bento precisam desesperadamente do maniqueísmo para sustentar seu projeto de criminalização do sionismo e do povo israelense (e também de judeus “sionistas” por todo o mundo). Eles precisam do simplismo para conferir legitimidade à “resistência” do Hamas, tornando, como vimos, a população civil de Israel matável, sobretudo através da validação da palavra de ordem criminosa da destruição de Israel. Na verdade, arrogância, preconceito e desqualificação é tudo o que a Autora explicita em todo o seu texto, ao se pretender – ela sim – juíza da história do movimento sionista e do povo israelense. Uma história que ela, claramente, nem sequer conhece. É ela que quer matar a história, deturpando-a em uma narrativa facciosa e unidimensional. Pois matar a história de um povo, achatá-la e torna-la banal, é sempre o primeiro passo para matar as pessoas que compõem este povo. Isto é válido tanto para a direita israelense quanto para essa “estranha esquerda” antissionista.

Israel comete genocídio?

Chegamos aqui no que talvez seja a parte mais delicada desta resposta. Afinal, como nota Jacques Semelin, estudioso do tema do genocídio:

“Que o emprego da palavra ‘genocídio’ se justifique ou não, o tema procura chocar a imaginação, despertar consciências e suscitar mobilizações que favoreçam as vítimas (...). Nessas circunstâncias, quem ousa afirmar não se tratar ‘realmente’ de um genocídio logo se vê acusado de covardia ou simpatia pelos agressores. A moral parece sempre estar do lado dos que denunciam a ocorrência de um genocídio. É verdade que o debate ‘genocídio ou não’ parece imoral, no momento em que seres humanos estão ameaçados de morte ou estão, efetivamente, sendo mortos. Consequência disso: chega-se a uma verdadeira inflação da utilização do termo ‘genocídio’, que dilui completamente o seu significado (...). Por último, e não é o aspecto menos importante, o termo ‘genocídio’ pode se constituir em uma importante arma de propaganda, tornando-se a peça mestra de qualquer retórica venenosa contra um inimigo declarado”.No caso da história judaica, haveria ainda uma razão a mais para se tomar a acusação de genocídio com a cautela devida: é que é intrínseca à história do antissemitismo a atribuição de intenções e crimes monstruosos aos “judeus”. Como tenho argumentado a favor da existência de um claro deslocamento dos significantes históricos do moderno antissemitismo para o “antissionismo”, não surpreende que a acusação de genocídio, durante toda a história deste longo conflito, reapareça constantemente. De fato, eu a ouço desde a minha adolescência, no final dos anos 1980. Houve uma diminuição no período dos acordos de Oslo (1993), seguida de uma forte retomada com a eclosão da Segunda Intifada, em setembro do ano 2000 - e seguindo até os dias atuais. Conforme indicado na citação acima, existe hoje uma verdadeira inflação do uso do termo genocídio, o qual tende, em alguns meios, a se aproximar do significado - aliás impreciso - do termo “massacre”. Quando os autores do texto disparador desta polêmica sustentaram que o Estado de Israel, apesar de seus notórios crimes, não comete genocídio em relação ao povo palestino, eles deixaram claro, através de exemplos, que usavam este termo na acepção original, mais precisa. Com efeito, quando o conceito de genocídio foi inventado, ainda antes do final da Segunda Guerra Mundial, pelo jurista judeu-polonês Raphael Lemkin, o que ele visava era dar nome ao que acreditava serem crimes inéditos, que estavam sendo perpetrados pela Alemanha nazista em sua ocupação da Polônia, bem como no território soviético, a partir da Operação Barbarossa, em junho de 1941. Quais suas características distintivas? 1ª) Intenção de extermínio, total ou parcial, de um povo. Intenção esta, necessariamente seguida de; 2ª) Prática sistemática de extermínio. Prática sistemática esta que, por sua vez, produziria; 3ª) o extermínio propriamente dito em sua amplitude. Com relação à Alemanha nazista, o caso extremo era, como sabemos, o do povo judeu, em relação ao qual, a partir da Conferência de Wansee (janeiro de 1942), foi definida a notória “Solução Final da Questão Judaica”, isto é, a implementação, pelo Estado nazista, do extermínio completo deste povo. Pois, para a ideologia nazista, os judeus simplesmente não tinham o direito de existir - nem na Alemanha, nem na Europa e nem em parte alguma deste mundo.  Em sequência, vinham os ciganos, que também foram sujeitos ao extermínio sistemático, talvez também com vistas à sua erradicação. E, por fim, os eslavos, os quais, tanto na Polônia quanto nos territórios da antiga União Soviética, viriam a sofrer uma política que os nazistas classificaram como sendo de “redução”, isto é, o extermínio parcial, seguido da escravização dos remanescentes pelos futuros colonos da “raça ariana”. É preciso ficar claro que quando se pretende equiparar, tanto o movimento sionista quanto o Estado de Israel, respectivamente, à ideologia nazista e ao Estado nazista, é uma fraude ideológica desta monta que se está perpetrando.

Como sabemos, Alemanha nazista não foi a única na história a perpetrar o crime de genocídio, embora tenha sido o caso mais extremo. Durante a Segunda Guerra, também o exército imperial do Japão o fez sobre a população da China. O termo também retroagiu para o extermínio perpetrado pela Turquia sobre o povo armênio. E, no pós-guerra, é aplicado ao caso da guerra civil de Ruanda (1994), com o extermínio do povo tutsi pelos hutus, dentre alguns poucos outros. O conceito também tem retroagido, a meu ver com propriedade, sobre alguns dos grandes crimes do colonialismo europeu sobre os povos nativos da América e da África. Enfim, cabe analisar caso a caso com o devido cuidado.

Disto isto, analisemos o caso do conflito israelense-palestino. Quais são os argumentos que a Autora mobiliza para imputar à Israel o crime de genocídio? - crime este que estaria sendo capciosamente “escondido” pelos autores do texto que ela critica. Basicamente, dois. Em primeiro lugar, a supracitada frase de Theodor Herzl, à qual a Autora imputa, como vimos, não apenas uma essência colonialista, mas, ainda mais radicalmente, uma suposta essência genocida. Com essa frase em mãos, a Autora se permite nada menos do que tomar como axiomático o caráter “genocida” tanto do movimento sionista quanto do Estado de Israel. Bastaria, então, comprovar a crença selecionando “fatos no terreno”. Para tanto, ela cita um texto do “historiador”, Sayid Tenório Marcos, que alega que Israel estaria promovendo um “genocídio das crianças palestinas”. A prova seria, dentre outras acusações, o número alto de crianças palestinas mortas e feridas nas últimas guerras entre o Hamás e Israel. O número alto de crianças mortas e feridas é verdadeiro, mas, como vimos, ele é em parte devido à tática de guerra do Hamás, que expõe criminosamente sua população civil para bombardear as cidades israelenses. Entretanto, não há dúvidas, como também já dissemos, parte das crianças assassinadas e feridas se deve a efetivos crimes de guerra de Israel. Mas crimes de guerra e genocídio são coisas diferentes. Para alegar genocídio com algum fundamento, a Autora teria que provar que estas mortes são o resultado de uma prática sistemática de extermínio por parte do Estado de Israel. Ela o faz? Claro que não, simplesmente por que tais provas não existem. Com efeito, se Israel estivesse realmente empenhado em exterminar o povo palestino, os números de mortos seriam necessariamente muito maiores do que os números apresentados. Em primeiro lugar, os bombardeios israelenses de Gaza teriam que ser indiscriminados, visando a maximização dos mortos civis palestinos. Na história, temos alguns exemplos clássicos de bombardeios indiscriminados contra populações civis. Citemos apenas três, como base de comparação. Os bombardeios nazistas de Londres, que, no conjunto, mataram mais de 20 mil civis londrinos; o bombardeio aliado de Dresden que, em apenas três dias (entre 13 e 15 de fevereiro de 1945), matou mais de 25 mil pessoas. Outro exemplo da Segunda Guerra, o bombardeio americano de Tóquio (Operação Meetinghouse) com bombas incendiárias que, numa única noite de março de 1945, matou entre 80 a 100 mil pessoas. Nada disso pode ser equiparado aos bombardeios israelenses de Gaza, cuja densidade demográfica é ainda bem maior do que a existente à época nas cidades dos bombardeios supracitados. É preciso ainda notar que nenhum destes bombardeios citados da Segunda Guerra Mundial são considerados genocídio pelos estudiosos do tema. Foram considerados (e efetivamente são) grandes crimes de guerra, mas não se constituíram numa prática sistemática de extermínio dos povos em questão – condição necessária para o crime de genocídio.

Agora, ainda sobre a acusação de genocídio, tomemos o conflito israelense-palestino em sua longa duração, desde a guerra de 1948 até os dias atuais. E comparemo-lo com outros conflitos sangrentos da região. A comparação aqui não serve para diminuir a gravidade dos crimes israelenses, mas apenas para refutar a acusação da “excepcionalidade genocida” de Israel. Comecemos pelos últimos:

Iraque – O número de pessoas mortas durante o governo de Saddam Hussein é estimado em 300 mil, incluindo os cerca de 70 mil curdos, muitos dos quais gazeados com agentes químicos. Isto não inclui os cerca de 1 milhão de mortos da guerra Irã-Iraque;

Líbano – A sangrenta guerra-civil que transcorreu entre 1975-1990 deixou cerca de 150 mil mortos;

Iêmen – Na guerra civil que assolou o país entre 1960-1972, entre 100 mil e 150 mil iemenitas foram mortos. Em 2004, mais conflitos internos entre xiitas e sunitas mataram mais de 25 mil; em 2015, uma nova guerra civil eclodiu, ceifando mais de 10 mil vidas; Essa guerra continua até os dias de hoje e consiste na atual maior crise humanitária do mundo, segundo a ONU.

Jordânia – Em setembro de 1970, a guerra entre a Legião Árabe e a OLP matou, em apenas um mês, de 10 mil a 30 mil palestinos;

Síria – A perseguição do regime de Hafez Assad à Irmandade Muçulmana culminou, em 1981, com o massacre de Hama, cidade em que foram mortas, em poucos dias, cerca de 10 mil a 40 mil pessoas. Depois, já no regime de Assad filho, a guerra civil que estourou a partir de 2011 já matou mais de 500 mil pessoas. E no conflito israelense palestino? Durante a guerra de 1948-1949, foram mortos cerca de 13 mil árabes palestinos, com cerca de 800 civis palestinos assassinados em 24 atrocidades, incluindo o massacre de Deir Yassin, citado no texto da Autora. Na chamada “guerra de infiltração” (1949-1956), que se baseou na infiltração de guerrilheiros palestinos em território israelense, principalmente a partir da Gaza egípcia (os chamados fedayeen), bem como em violentas represálias israelenses, morreram entre 2.700 e 5.000 palestinos. Desde a ocupação israelense dos territórios de Gaza e Cisjordânia, após a Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), até o ano de 2017, morreram mais cerca de 11.500 palestinos. Portanto, temos um total de cerca de 30.000 mortos palestinos em mais de 70 anos de conflito que, como vemos, no que concerne ao número de mortos, está longe de constituir o conflito mais violento da região. Cabe acrescentar que, neste longo período de 70 anos, está incluída a citada Guerra de Independência de Israel (1948-49) - quando os países árabes e as lideranças palestinas locais, rejeitando a partilha decidida pela ONU, impuseram uma guerra total contra o povo do nascente Estado judeu -, em que morreram cerca de 6.000 judeus, isto é, 1% da população judaica-israelense; Mais duas grandes guerras árabe-israelenses (1967 e 1973), mais duas Intifadas; Mais 3 guerras entre o Israel e o Hamás. Os frios números citados acima são incapazes de retratar adequadamente o sofrimento humano. Tanto o sofrimento dos palestinos que morreram, quanto daqueles que não morreram, mas que foram expulsos de sua terra natal. Me refiro aqui, claro, à Nakba palestina, materializada na expulsão de mais de 700 mil árabes-palestinos de suas terras. Também me refiro aos milhões de palestinos que, sob a ocupação israelense, estão sendo privados de seus direitos básicos há mais de 50 anos. Tampouco esses números refletem o sofrimento dos judeus, tanto dos que morreram, quanto dos que perderam os seus entes queridos nas guerras e em atos terroristas contra civis israelenses. Como já está claro, o sofrimento é muito maior do lado palestino. Mas o ponto aqui é que esse resultado desigual não foi produzido, como pretende Berenice Bento e congêneres, por nenhuma “essência colonialista” e perversa do sionismo, mas, em grande parte, por razões circunstanciais (Israel venceu as três grandes guerras árabes-israelenses). Estes números também não refletem o sofrimento produzido pela “Nakba judaica”: que consistiu na pilhagem e expulsão de cerca de 800 mil judeus dos países árabes, num processo tão violento e criminoso quanto foi a Nakba palestina. Com efeito, hoje, cerca de metade da população judaica israelense é composta de judeus orientais, que, como foi dito, foram expulsos de seus países de origem – países árabes. Esse fato é mais um elemento que ajuda a desmontar a imagem de Israel como um mero enclave colonial europeu no Oriente Médio. Enfim, assim como a tese da “essência colonial” do sionismo, a tese de que Israel pratica genocídio contra o povo palestino é simplesmente insustentável, e tem muito mais a ver com a mencionada característica do antissemitismo, aquela da elaboração de uma teratologia antijudaica (e, agora, “antissionista”), do que com verdadeira solidariedade ao povo palestino.

O Antissemitismo, a Memória da Shoah e Israel

A Shoah, o extermínio de 6 milhões de judeus pela Alemanha nazista (pelo simples fato de serem judeus), marcou e ainda marca profundamente o ser mesmo do povo judeu, constituindo um terrível trauma, com efeitos decisivos na formação de sua consciência e identidade históricas. Essa memória é coletiva, mas a elaboração desse trauma tem também uma inescapável dimensão pessoal. Cada sujeito judeu, desde que se dá conta do horror do ocorrido – quase sempre ainda na infância -, tem a tarefa intransferível de tentar elaborar e significar esse trauma, na construção de sua subjetividade singular. Uma tarefa, talvez, para a vida toda. Há muitos jeitos de se lidar com o trauma e nem todos produzem bons efeitos. Até porque, por definição, não se controla os efeitos de um trauma. Daí que a acusação de que: “os judeus não aprenderam nada com o que sofreram” seja simplesmente absurda, pois o genocídio não constitui escola para ninguém. Mas esta afirmação não é apenas absurda. Ela é também – e sobretudo – cruel. Pois, ao se usar a dor de todo um povo para atacá-lo coletivamente, o que se faz com esse ato é reproduzir os procedimentos de desumanização e estereotipia que, historicamente, estiveram na raiz do próprio genocídio, o qual é, desta forma, como que ratificado. Não é fulano ou sicrano que faz um mau uso da memória, mas são “os judeus” - ou alternativamente, “os sionistas”. A esta ofensa, os antissemitas ainda acrescentam uma outra: a de que “os judeus” ou “os sionistas” teriam “sequestrado” a memória das vítimas do nazismo, as quais não foram apenas judias. Aqui há uma mistura da atribuição racista de “superpoder” – pois “eles” teriam o condão de determinar como o mundo inteiro deve se lembrar do nazismo - com a atribuição de “perversidade”, pois “eles”, assim como almejariam o monopólio da riqueza e do poder do mundo, usariam seus próprios mortos para monopolizar também o sofrimento e se beneficiar de uma forma iníqua. Chegamos aqui, talvez, ao auge da abjeção e da ignomínia. Novamente, eu cito a Berenice Bento:“Mas há um ponto que me surpreende no texto: o relato que alguns dos autores fazem das perdas de familiares durante o Holocausto. No entanto, não há uma única palavra sobre o genocídio dos ciganos, homossexuais, lésbicas, comunistas e todas as populações que deveriam ser varridas da face da terra pelo desejo do Terceiro Reich. Por que essa falta de empatia com a dor dos outros? Não é esse o ponto de unidade que consubstancia o ideário das pessoas que compartilham uma sensibilidade de esquerda? Como se pode reconhecer pessoas (grifo meu) que usam e instrumentalizam a dor de seus antepassados para justificar a opressão a outro povo? A mesma ausência de empatia com as vítimas não judias durante Holocausto também atravessa o texto em relação ao povo palestino.”

Façamos um exercício de imaginação. Pensemos num militante do movimento negro que, num debate sobre cotas raciais, expusesse para seus interlocutores brancos e de esquerda a dor que o racismo lhe provocou e ainda provoca - como esta dor lhe prejudicou (e ainda prejudica) na vida e como entende que as cotas raciais podem ajudar no processo de reparação e cura. Agora imaginemos que esse militante negro, ao dizer isso, recebesse a seguinte resposta:

“Por que você fala apenas do racismo contra os negros? Por que não fala também do machismo, do preconceito contra os LGBT, do preconceito contra os índios? Você não tem empatia! Você não tem vergonha! Você está instrumentalizando a memória da escravidão para obter privilégios!”

Como resta demonstrado, Berenice Bento, tanto intelectual quanto moralmente se comporta como aquele vigarista que bate uma carteira, aponta para a vítima e grita: “pega ladrão!” Assim, sem conhecer nenhum dos autores pessoalmente, ela pode afirmar, sobre todos eles, que não possuem empatia e que manipulariam perversamente a dor de seu próprio povo. Claro, porque, afinal de contas, eles são “sionistas”! Não, professora Berenice, eles não têm a obrigação de toda vez que falarem de sua dor, elaborar um relatório completo da dor de todas as vítimas do nazismo! Até por que eles não têm autoridade de falar, em nome dos outros, da dor dos outros. É você que demonstra a mais elementar incapacidade de empatia! É você que, ao acusar, manipula perversamente a dor do genocídio judaico para atacar judeus com os quais você não concorda e os quais você inescrupulosamente desumaniza.

Sobre os antissemitas, Jean Paul Sartre, em seu ensaio clássico sobre a questão judaica, citado acima, estabelece uma divisão entre os autoritários ou fascistas, de um lado, e os “liberais”, de outro. Os primeiros se caracterizavam por negar aos judeus qualquer direito de cidadania e, no limite, o próprio direito à vida. Já os segundos, em geral, admitiam que os judeus obtivessem direitos de cidadãos, desde que abandonassem sua identidade judaica. Para que pudessem se juntar à “sociedade nacional”, era necessário que esquecessem sua história e se despojassem de suas diferenças culturais que remetiam à lembrança de que eles eram filhos de Israel. Assim, para estes últimos, os judeus poderiam viver em seu meio, mas não como judeus.

Os signatários do texto “Somos judeus de esquerda” expuseram publicamente seus sentimentos sobre o antissemitismo, sobre a Shoah, bem como a relação entre estes sentimentos e a existência do Estado de Israel. Frisaram que, para eles, num mundo onde recrudesce o antissemitismo, Israel constitui um limite ao desamparo, uma espécie de “porto seguro”. Mas não é apenas isto. Para grande parte dos judeus do mundo, israelenses ou diaspóricos, sionistas ou não sionistas, Israel constitui uma resposta concreta, porque judaica, ao antissemitismo, que queria (e ainda quer) abolir não “apenas” seu direito de viver, mas, também, seu direito de viver como judeus e de serem reconhecidos enquanto tais. Mesmo Domenico Losurdo, um autor extremamente parcial e desonesto em sua crítica ao sionismo, foi capaz de reconhecer isto. Cito:

"Não há dúvida, são vários os componentes do movimento sionista e são também sionistas com uma longa história de esquerda que promovem a fundação do Estado de Israel". 

E, por fim, reconhece que o sionismo foi um movimento de libertação nacional, pois

no sionismo se encontra a exigência de um povo, tradicionalmente oprimido, de conseguir o reconhecimento não só como conjunto de indivíduos, mas também como povo, como cultura, como entidade metaindividual’”.

Também o intelectual palestino Edward Said, crítico acerbo do sionismo, afirma: 

“Seria injusto desprezar o poder do sionismo enquanto uma ideia para os judeus ou minimizar o complexo debate interno que caracteriza o sionismo, seu verdadeiro significado, seu destino messiânico etc. Apenas tratar desse assunto e, mais ainda, tentar ‘definir’ o sionismo é uma questão muito difícil para um árabe, mas deve ser analisado com honestidade. (…) Sei (…) o que o antissemitismo significa para os judeus, sobretudo no século 20. Consequentemente, sou capaz de compreender o misto de terror e júbilo que alimenta o sionismo, e acredito que posso ao menos captar o que Israel significa para os judeus.”

O Estado de Israel é legítimo porque é a expressão política do direito de autodeterminação do povo israelense. Ele não precisa de nenhuma legitimidade além desta. Entretanto, ele também é irrenunciável porque encarna a existência do povo judeu enquanto nação, reconhecido enquanto tal pela comunidade das nações. Quem é incapaz de entender isso jamais será capaz de compreender o significado do núcleo histórico do movimento sionista, bem como a importância que Israel tem para a maioria do povo judeu,por mais que seus governos não apenas possam, como devam ser criticados.

A Shoah entre dois negacionismos

O negacionismo do Holocausto (Shoah) surgiu como uma continuação lógica do antissemitismo radical da extrema-direita, que provocou o genocídio. Se para os nazistas os judeus não eram apenas uma “raça inferior”, mas a “contra-raça”, o princípio negativo e, como tal, um insulto à Natureza – sendo também, portanto, o grande Inimigo da raça ariana -; o objetivo de riscar este povo da face da terra seria mais bem cumprido com o apagamento da sua memória e, portanto, com o apagamento da memória do próprio crime. Mas o intrigante é que, mais tarde, também surgiu um negacionismo de esquerda, como demonstra o caso de Roger Garaudy, intelectual francês do PCF que se converteu ao islamismo e escreveu um livro “pioneiro” em que alegava que o Holocausto não passava de uma invenção “dos sionistas” para legitimar a criação do Estado de Israel. Este negacionismo strictu sensu não prosperou muito na esquerda. Entretanto, se desenvolveu em uma parte da mesma um outro tipo de negacionismo, que consiste não em negar, mas em banalizar o genocídio nazista, fazendo pela normalização da Alemanha nazista algo que a extrema-direita jamais conseguiria fazer sozinha. A culminância desse processo é a equiparação entre nazismo e sionismo e a consequente caracterização de Israel como a Alemanha nazista rediviva. Em seu texto, Berenice Bento não chega a afirmar isto, mas é difícil não vislumbrar esta intenção em suas entrelinhas, na medida em que atribui tanto ao sionismo quanto a Israel uma “essência genocida”, identificando, como corolário, nos palestinos os “novos judeus”. Aqui também temos um modo de operar do pensamento mágico, em que a anulação é obtida através do procedimento de repetição: o genocídio contra os judeus é “como que” anulado pela equação “sionista=nazista”. Eis o núcleo do discurso de ódio do antissemitismo de uma parte da esquerda contemporânea.

Antissionismo e Antissemitismo

O antissionismo implica em antissemitismo? A resposta mais comum, quase automática, para a grande maioria das pessoas de esquerda - e mesmo para os judeus de esquerda - é um enfático não. Afinal, criticar Israel, um Estado que exerce uma clara opressão sobre outro povo, em princípio, não tem nenhuma relação necessária com o antissemitismo. Mas o leitor que me acompanhou até aqui perceberá que a resposta a esta questão não é tão simples quanto parece, pois, ao contrário da crença que existe no senso comum, antissionismo e crítica a Israel são coisas muito diferentes. Com efeito, é perfeitamente possível criticar Israel da forma mais enfática, denunciar seus crimes do modo mais duro sem pretender, com isso, cassar o direito do povo israelense à autodeterminação, isto é, sem defender a tese de que Israel não tem o direito de existir. Apenas essa última atitude é verdadeiramente antissionista. Ora, o direito dos povos à autodeterminação nacional constitui um princípio político basilar do campo democrático contemporâneo, tanto de direita quanto de esquerda. Portanto, se alguém defende que Israel não tem o direito de existir, então, a meu ver, só há três possibilidades de compreender essa atitude:

  1. A pessoa pertence a algum grupo de judeus ultra-ortodoxos, para quem, por razões religiosas, Israel só poderia existir por uma decisão divina, com a advento da Era messiânica;
  2.  A pessoa possui alguma variedade de ideologia anarquista, que consiste, na questão do direito das nações, em defender o advento de uma realidade política mundial pós-nacional. Mas neste caso, ela necessariamente deve também ser contra a existência de um Estado árabe-palestino e, de modo geral, deve se opor à existência de todos os Estados nacionais;
  3. Ela defende que, dentre todos os povos, apenas o povo judeu não tem o direito a autodeterminação. Portanto, ela é, sim, antissemita.

A oposição ao sionismo era perfeitamente legítima no início do século XX, quando o sionismo era apenas um projeto e a nação judaico-israelense não existia de fato. A partir do momento em que a existência dessa nação se tornou um fato incontornável, o antissionismo deixou de ser legítimo e ganhou, como vimos, caracteres antissemitas. E, com efeito, se ele inclui a defesa da destruição violenta de Israel, projeto que só pode ser levado a cabo por um verdadeiro genocídio, então este antissionismo não implica “apenas” em antissemitismo, mas no tipo extremo desse racismo: antissemitismo de extermínio. 

O Antissemitismo e a Esquerda

O antissemitismo na esquerda não é novo. Ícones históricos da esquerda, como Bakunin e Proudhon, ostentavam um antissemitismo explícito e radical. Ainda no século XIX, August Bebel e Friederich Engels, observando o preconceito antissemita em certas correntes socialistas, denominaram-no de “socialismo dos tolos”. Já nó século XX, apesar de fortemente combatido por Lênin na União Soviética, ele reaparece no interior do próprio partido bolchevique, durante o período stalinista. No período da Guerra Fria, no interior do movimento comunista internacional e, sobretudo, nos países do Leste Europeu, o preconceito antissemita também recrudesce, mascarado de “antissionismo” - e líderes comunistas judeus são perseguidos e mortos sob a acusação de serem “sionistas”. Moishe Postone, em “Antissemitismo e Nacional-Socialismo”, texto acima citado, usando de forma muito arguta a teoria de Marx sobre o fetichismo da mercadoria, elabora uma brilhante explicação do antissemitismo como ilusão objetiva produzida pela forma valor. Através da dissociação fetichista entre o “concreto” e o “abstrato”, o poder abstrato, misterioso, intangível e corrosivo do Capital é projetado sobre os “Judeus”, que são, assim, contrapostos às “autênticas comunidades nacionais”, misticamente fundadas no que seriam vínculos orgânicos de “solo e sangue”. Mas por que, ao contrário do que tende a acontecer com outros racismos, o antissemitismo aparece com força na esquerda? Numa entrevista fundamental sobre essa questão, Postone afirma:

“A forma como o antissemitismo se distingue, e deve ser distinguido, do racismo, está ligada ao tipo de poder imaginário, atribuído aos Judeus, ao Sionismo e a Israel, que está no âmago do antissemitismo. Os Judeus são vistos como constituindo uma forma global de poder imensamente poderosa, abstrata e intangível que domina o mundo. Não existe nada semelhante a esta ideia no cerne das outras formas de racismo. O racismo, por aquilo que conheço, raramente constitui um sistema integral que procura explicar o mundo. O antissemitismo é uma crítica primitiva do mundo, da modernidade capitalista. A razão porque o considero particularmente perigoso para a esquerda é precisamente porque o antissemitismo possui uma dimensão pseudo-emancipatória, que as outras formas de racismo raramente apresentam.”

Como Theodor Adorno já havia notado, tal ilusão objetiva não pode ser dissolvida pelo mero esclarecimento, pois, além de tudo, ela se encarna na própria estrutura da personalidade. Assim, para Adorno, o antissemitismo é uma ilusão objetiva que implica num modo de funcionamento psíquico completamente oposto ao que seria o de uma subjetividade emancipada. Aqui reside o papel central do maniqueísmo e do ódio na mentalidade autoritária. Ao contrário da “boa raiva”, produzida pela indignação diante da injustiça e da opressão, típica da esquerda democrática – que busca por uma subjetividade baseada na solidariedade e no anseio de justiça -, é própria de certa esquerda autoritária uma mentalidade ressentida, fascinada pela violência e calcada no ódio ao grande Inimigo, que traz o Mal ao mundo e cuja aniquilação restabeleceria a harmonia social. Portanto, a questão antissemita é, em parte, um sintoma maior da grande divisão que existe no interior das esquerdas contemporâneas, entre suas componentes democráticas e autoritárias. Uma das muitas complexidades do conflito israelense-palestino é que ele é, em parte, inflado pelo deslocamento do ódio ideológico em nível mundial, existente tanto na direita reacionária, com sua ideologia de guerra de civilizações, quanto em certa esquerda autoritária, que fez do anti-imperialismo uma verdadeira visão de mundo.

Antissemitismo: um parasita da causa palestina

Berenice Bento, comentando a parte do texto Somos Judeus de Esquerda, em que os autores afirmam que os palestinos tendem a vê-los como inimigos, afirma:

“Então, o povo palestino deve vê-los como aliados? Isso seria o mesmo que utilizar a Síndrome de Estocolmo na esfera política.”

Claro, pois, para a Autora, os verdadeiros aliados do povo palestino seriam pessoas como ela, antissionistas que negam qualquer legitimidade ao Estado de Israel. Talvez também milícias extremistas como o Hizbollah libanês e ditaduras islamistas como o regime iraniano, os quais são abertamente antissemitas e possuidores do programa político de riscar Israel do mapa. Mas, pensemos um pouco: qual seria a consequência para os palestinos se o programa genocida da destruição de Israel triunfasse? Será que o povo palestino também não seria afetado? É possível, seriamente, imaginar um Estado palestino pós-Armagedon? Basta colocarmos esta questão para que a pretensa “solidariedade” aos palestinos da parte de antissionistas como Berenice Bento se revele o que realmente é: apenas uma conveniente cobertura ideológica para legitimar seu ódio antissemita. 

Então, quem são os verdadeiros aliados do povo palestino? A reposta, penso, é clara: quem o povo palestino escolher como aliados. Se o povo palestino escolher o programa do Hamás, então os antissionistas, de fato, serão seus melhores aliados. Mas se, ao contrário, o povo palestino escolher a luta por uma paz justa com os israelenses, então os judeus de esquerda (sionistas ou não) devem constituir-se como seus aliados estratégicos. E vice-versa.

Tanto em Israel quanto nos territórios palestinos há movimentos e pessoas identificados com a democracia, os direitos humanos e a obtenção de uma paz justa. O mesmo ocorre com as respectivas diásporas. É necessário que esses grupos atuem no sentido de combater a confusão objetiva e subjetiva que, como tentei salientar, não tem feito senão favorecer a polarização e os extremismos nacionalistas e fundamentalistas. Para tanto, é preciso, sobretudo, que sejam estabelecidos objetivos comuns muito claros, bem como os métodos de luta adequados e legítimos para alcançá-los; métodos que devem fazer justiça à dupla dimensão desse conflito, através da seguinte fórmula: “não falar de paz sem falar de luta contra a ocupação. E não falar de luta contra a ocupação sem falar de uma paz justa e do respeito à autodeterminação de ambos os povos”. Não há dúvidas de que com tais precisões (de princípios, objetivos e métodos) haverá defecções em ambos os lados, pois ambos perderão muitos de seus falsos amigos. Mas esse será o preço a pagar para que os democratas e pacifistas palestinos e israelenses, judeus e árabes, possam se apoiar reciprocamente, estabelecendo na prática a unidade sem a qual dificilmente poderão conquistar a paz, a liberdade e a segurança que buscam para seus povos.

Notas

Ver a linda versão da cantora israelense Noa Peled: https://www.youtube.com/watch?v=zDCoaTVjNGo 

2 Ver https://www.brasil247.com/blog/sionistas-de-esquerda-e-seus-fantasmas

3 https://www.brasil247.com/blog/somos-judeus-de-esquerda 

4 Ver (http://www.revistafevereiro.com/pag.php?r=09&t=15), 

5 Até a forma compulsiva com que a tal frase é repetida sugere, não um procedimento argumentativo, mas o modus operandi da superstição mágica. 

6 Para uma história intelectual do movimento sionista, ver Avneri, Shlomo, The Making of Modern Zionism, Basic Books, Inc., Publishers. E para uma boa introdução ao tema, ver Laqueur, Walter, A History of Zionism, Chairman International Research Concil.

7 - Já o crime da ocupação israelense de Gaza e Cisjordânia possui uma explicação muito mais simples, pois a política de Israel neste território conquistado em 1967, na Guerra dos Seis Dias (uma guerra, entretanto, defensiva) tem sido uma política sistemática de desrespeito à população local, colonização e agressão colonial, com vistas à expansão territorial. Entretanto, ideólogos antissionistas, como a senhora Berenice Bento, em seu intento de criminalizar todo o movimento sionista e, por extensão, toda a população de Israel, costumeiramente não operam as necessárias diferenciações, misturando as coisas. 

8 - Mas como demonstrarei adiante, este aparente reconhecimento da Autora do valor das vidas dos civis israelenses é mentiroso.

9 - Cf. Postone, Moiche “Antissemitismo e Nacional-Socialismo”, http://o-beco-pt.blogspot.com/2012/03/moishe-postone_02.html.

10 - “Quem salva uma vida salva o mundo inteiro”. Cf. Talmud Bavli, Edição Standard de Vilna, Sanhedrin 37ª.

11 - Pelo visto, Berenice Bento tem dificuldades até de operar a distinção elementar entre Estado e sociedade. 

12 - Também em Israel existe uma extrema-direita fundamentalista que defende a instauração da lei religiosa judaica (chalachá) como lei do Estado. Uma lei potencialmente tão opressiva quanto a sharia islâmica. Seria igualmente ridículo se os que combatem essa corrente judaica fundamentalista de extrema-direita fossem tachados de preconceituosos orientalistas! 

13 - “Assim, o antissemitismo é originalmente um maniqueísmo; explica o ritmo do mundo mediante a luta do princípio do Bem contra o princípio do Mal. Entre estes dois princípios nenhum arranjo é concebível: cumpre que um deles triunfe e que o outro seja aniquilado (...). A esta altura, o leitor terá compreendido que o antissemita não recorre ao maniqueísmo como um princípio secundário de explicação. Mas a escolha original do maniqueísmo é que explica e condiciona o antissemitismo.” Sartre, J. P., “Reflexões sobre o Racismo”, p. 27, editora Difel. Também Adorno e Horkheimer, na Dialética do Esclarecimento, destacam essa relação entre maniqueísmo e antissemitismo: "É verdade que os indivíduos psicologicamente mais humanos são atraídos pelo ticket progressista, contudo a perda progressiva da experiência acaba por transformar os adeptos do ticket progressista em inimigos da diferença. Não é só o ticket antissemita que é antissemita, mas a mentalidade do ticket em geral. A raiva feroz pela diferença é teleologicamente imanente a essa mentalidade e está, enquanto ressentimento dos sujeitos dominados da dominação da natureza, pronta para se lançar contra a minoria natural, mesmo quando eles são os primeiros a ameaçar a minoria social" (grifo meu). Cf., Adorno, T. e Horkheimer, M., “Dialética do Esclarecimento”, p. 193. Editora Zahar. E também: "Antes, o juízo passava pela etapa da ponderação, que proporcionava certa proteção ao sujeito do juízo contra uma identificação brutal com o predicado. Na sociedade industrial avançada, ocorre uma regressão a um modo de efetuação do juízo que se pode dizer desprovido de juízo, do poder de discriminação (…) Eis aí o segredo do embrutecimento que favorece o antissemitismo. Se, no interior da própria lógica, o conceito cai sobre o particular como algo de puramente exterior, com muito mais razão, na sociedade, tudo o que representa a diferença tem que tremer. As etiquetas são colocadas: ou se é amigo, ou inimigo." (grifos meus). Idem, p.188

14 - Cf., Semelin, Jacques, “Purificar e Destruir”, Editora Difel, p.p. 428-430. Grifo meu. 

15 - Entretanto, discordo dos autores daquele texto quando incluem o negacionismo e a negligência criminosa do governo Bolsonaro durante a atual pandemia na categoria de genocídio.

16 - Theodor Herzl, fundador do sionismo político, não só pode como deve ser criticado. Entretanto, ele está muito longe de constituir este vilão colonialista, planejador de genocídio, que a Autora defende. Com efeito, em seu livro Altneuland, uma espécie de novela utópica moderna, Herzl descreve a sociedade do Estado Judeu como ele a imaginava. Nela, os nativos árabes aparecem bem integrados, satisfeitos com os progressos trazidos pelo movimento sionista. Desta visão, pode-se dizer que é paternalista e orientalista. Mas está longe de ser genocida.

17 - Ver https://pcdob.org.br/noticias/sayid-tenorio-israel-e-o-genocidio-silencioso-de-criancas-palestinas/  Trata-se de um texto completamente desonesto, cheio de mentiras, que sugere que o assassinato de crianças por Israel seria sistemático e intencional. Portanto, consistiria em um verdadeiro genocídio. Sobre a tradicional acusação antissemita contra o “judeu assassino de crianças”, ver Kurz, R., “Os Assassinos de Crianças de Gaza”, http://www.obeco-online.org/rkurz370.htm

18 – Ver  https://pt.wikipedia.org/wiki/Blitz.

19 – Ver https://www.bbc.com/portuguese/geral-51486829.

20 - https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/bombardeio-de-toquio-1945.phtml.

21 - Ver Ben-Dror Yemini, “A Indústria de Mentiras”, editora É Realizações. Todos os dados sobre mortos em conflitos do Oriente Médio citados acima foram extraídos deste livro de Ben-Dror Yemini. Os dados neste livro estão todos corretos. Entreta nto, ele deve ser lido com cautela, pois está repleto de meias-verdades. A impressão que dá ao lê-lo é que, a título de combater a demonização de Israel, ele acaba servindo para anestesiar as consciências frente à gravidade da ocupação israelense dos territórios palestinos. Constituindo, assim, numa forma de hasbará (propaganda israelense), ainda que bem feita.

22 - Nenhuma ONG internacional de Direitos Humanos, cujas credenciais sejam respeitáveis, acusa Israel de genocídio. Como também não o faz nenhum Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Aqui mais um exemplo de uso seletivo da autoridade destas instituições.

23 - Percebam, na citação acima, no grifo que eu fiz no texto de Berenice Bento, o revelador “ato falho” da Autora. Solicitando que fossem reconhecidos como pessoas de esquerda, os autores do texto que deu ensejo à polêmica receberam como resposta que eles não são reconhecidos nem como esquerdistas, nem como pessoas

24 - Cf. Losurdo, Domenico, “A Linguagem do Império”, p.p. 166-167. Ver também, na Revista Fevereiro, minha resenha deste livro de Losurdo, onde demonstro a deficiência e a parcialidade de suas críticas ao sionismo. Cf. “A Linguagem do Império e a Arte da Evasiva de Domenico Losurdo”, http://www.revistafevereiro.com/pag.php?r=05&t=09#_ftn7 . Apesar de tudo, Losurdo reconhece a legitimidade da existência de Israel e não se associa, como faz a Autora, ao programa de sua destruição.

25 - Cf., Said, Edward, “A Questão Palestina”, p.p. 67-68. Editora Unesp. Também a forma como a Autora manipula algumas críticas de Hanna Arendt (aparentemente, via Losurdo...) a aspectos do movimento sionista é completamente desonesta, pois Arendt jamais duvidou de que o sionismo, por mais criticáveis que fossem muitas de suas correntes, constituísse um legítimo movimento nacional do povo judeu. Antes da criação do Estado de Israel, a posição de Arendt era por um Estado binacional com os árabes, uma posição parecida com a do chamado “sionismo classista” - a esquerda sionista-marxista que, na época, representava a segunda força política do movimento sionista. Para as posições de Arendt sobre a questão judaica e o sionismo, ver Arendt, H., “Escritos Judaicos”, ed. Amarilys.

26 - Para este ponto, ver Shavit, Ari, “Minha Terra Prometida”, editora Três Estrelas. Sobretudo o capítulo 6, p.p. 160-203.

27 - Cf. Garaudy, R., “Los Mitos Fundacionales de la Política Israeli”, https://www.rebelion.org/docs/121989.pdf . Esse site, identificado com a extrema-esquerda, tem, há cerca de duas décadas, publicado material antissemita. Para análise do caso Garaudy e do negacionismo e antissemitismo de esquerda na França, ver Taguieff, A. P., “La Nueva Judeofobia”, editora Gedisa.

28 - Postone, M., “Sionismo, antissemitismo e esquerda”, http://o-beco-pt.blogspot.com/2012/03/moishe-postone_2733.html.

29 - Cf., Adorno, T.,“Estudos sobre a Personalidade Autoritária”, Unesp Editora.

30 - A atual invasão russa da Ucrânia indica que, na realidade, para certa esquerda, não é o anti-imperialismo que virou visão de mundo, mas apenas o “anti-imperialismo-americano”. Para uma crítica do anti-imperialismo como visão de mundo ver minha supracitada resenha do livro de Domenico Losurdo, “O Discurso de Império”. Sobre esta questão, é fundamental o texto de Moishe Postone “História e Desamparo: Mobilização de Massas e Formas Contemporâneas de Anticapitalismo”, http://www.obeco-online.org/mpostone5.htm.

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