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Michel Zaidan

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O aquário e o samurai

Eu teria dado bem mais realce a hermenêutica do sujeito e suas consequências éticas e políticas para o uso contemporâneo de sua obra no mundo e no Brasil

Conselho Superior da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC, vetou a criação da cátedra sobre as obras do francês Michel Foucault, gay e anticlerical, sob o argumento de que homenagem só deve ser atribuída pela instituição a personalidades que tenham afinidade com o pensamento católico (Foto: Roberta Namour)
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Li, com muito gosto e interesse, o novo livro do prof. Luciano Oliveira; "O aquário e o Samurai", sobre a trajetória pessoal, intelectual e política de Michel Foucault - também conhecido como "o Nietzsche calvo de Sint German de pré". A obra é um esforço notável (em suas 154 páginas) de divulgação crítica da caminhada empírica e epistemológica de um dos pensadores franceses mais influentes no século XX, dentro e fora da França. Foucault tem no Brasil uma verdadeira legião de adoradores, uma espécie de "tribo foucauldina" na academia e nos movimentos sociais. Sorvi-o quase de um só gole, como aliás fiz com outros livros de Oliveira: Os direitos humanos. Do Eterno retorno ao nunca mais, A vergonha do carrasco, O enigma da democracia, A esquerda e os direitos humanos, etc. Seu estilo literário se compara ao do ensaísta Leandro Konder, na divulgação de autores e obras difíceis .Sendo  superior pela rica e variada intertextualidade ou intersemiose com outras  linguagens  (música, cinema, literatura). O seu humor e ironia tornam a prosa mais leve se divertida. E sua irreverência intelectual diante dos ídolos é extremamente salutar. Parece um nietzschiano ou um voltariano diante da ciência ou da filosofia. Ou um cético metodológico. Em se tratando de um pensador tão influente como Michel Foucault esta atitude tende a ser muito importante.

Oliveira divide a obra do autor em três fases: a fase epistêmica-arqueológica, a fase genealógica e a fase  tardia da hermenêutica do sujeito. Ele faz remontar o início da segunda ainda à primeira, com o famoso livro “A história da loucura”, na época clássica. E não considera a biopolítica e o biopoder, como uma nova fase depois da sociedade disciplinar. Talvez, como fase extensiva ou complementar a esta última, já que ela aparece mencionada na Microfísica do Poder e no primeiro volume da História da Sexualidade. A fase genealógica é a que merece mais sua atenção.

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Gostaria de fazer aqui algumas observações. A influência reconhecida por ele, de Nietzsche, sobre seu pensamento. E a última fase, que - para alguns - não seria a hermenêutica do sujeito. Mas a biopolítica e o biopoder. Sobre Nietzsche, a pouca atenção dada a herança retórica, neonominalista e relativista do filósofo alemão, presente sobretudo em seu conceito de "discurso", como uma espécie de infraestrutura substitutiva (algo já presente nas famosas "epistemes" de  As palavras e as Coisas. De modo semelhante, a influência darwinista na biologização das relações de poder, tal como aparece no livro: A Genealogia da Moral. Creio que ambos os aspectos guardam ou trazem sérias implicações para a compreensão da política , da moral e do conhecimento humanos.

Segundo a não conexão atual e contemporânea entre o conceito (nietzschiano) de biopoder e o neoliberalismo triunfante, como forma de governabilidade social. A tese aparece com destaque nos últimos trabalhos de Foucault e foi usada por dois autores franceses, no livro: A nova razão do mundo.  Os livros do autor estudado chegam a serem citados por Luciano, mas não estudados nessa perspectiva teórica e política. Senti falta, também, de um maior aprofundamento na hermenêutica do sujeito ou estilística da existência, mais ainda do uso canhestro que é feito pela historiografia brasileira desse conceito na história da escravidão africana no Brasil, por autores como: Silvia Lara e Bob Slenes na UNICAMP. Considero uma "forçação de barra", como ele criticou apropriadamente em seu livro, tratando-se outras transposições inadequadas da obra de Foucault para o contexto brasileiro. Os nossos foucaudianos tupiniquins não aceitam essa fase da estilística da existência. Ficam só com as outras duas: a fase arqueológica e , sobretudo, a genealógica.

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É perfeitamente compreensível a ênfase de Oliveira na fase genealógica (Vigiar e Punir, o Nascimento da Clínica,  Vontade de Saber), mais historicizada e sujeita ao critério empírico da prova ou dos fatos e, portanto, sujeita ao critério popperiano da falsificação. Mas é em razão de seus estudos sobre a violência e os direitos humanos que talvez a obra de Foucault  passou a ser importante para ele.

Mas é igualmente importante ver as implicações macrohistóricas, éticas e políticas extraída da obra do autor francês pela esquerda libertária ultragauchista. Isto porque elas saõ muito sérias e merecem igual atenção. Acredito que sua interessante distinção entre o sujeito empírico e o sujeito epistemológica (a propósito do aparente paradoxo entre o niilista e o militante dos direitos humanos) não é suficiente para dar conta das implicações problemáticas de certas passagens da obra, por mais benevolentes e simpáticas que sejam as críticas de Luciano Oliveira a Michel Foucault.

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É digna de elogio a postura crítica do livro, incluindo vastas passagens da bibliografia de analistas e biógrafos doe filósofo francês, mas eu teria dado bem mais realce a hermenêutica do sujeito e suas consequências éticas e políticas  para o uso contemporâneo de sua obra no mundo e no Brasil. Faz muito tempo que Foucault deixou de ser visto como um dos pensadores estruturalistas franceses.

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