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José Álvaro de Lima Cardoso

Economista

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O aumento brutal da taxa de coleta de lixo em Florianópolis e a importância estratégica da Comcap

Ao mesmo tempo em que a prefeitura piora o serviço com a terceirização, ela promove um aumento brutal da Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos

(Foto: Tania Rego/ABr)
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Por Renê Munaro, presidente do Sintrasem, e José Álvaro Cardoso, técnico do Dieese)

A Prefeitura de Florianópolis elevou a Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos (TCRS) para 2024 em 17,5%, um aumento de 4,4 vezes a variação acumulada da inflação no Brasil em 12 meses. Segundo justificativa da administração, o aumento resultou do fim da aplicação de um redutor de 11,05% na tarifa que havia sido implementado no ano de 2003.

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Este redutor de tarifa era aplicado em cerca de 23 mil imóveis na cidade, fruto de um aumento abusivo em 2003. Porém, o aumento deste ano foi aplicado a todos os imóveis do município. O cancelamento do redutor teria sido necessário, segundo a administração, para adequar a cobrança da TCRS à legislação atual, mas o fato é que aumento da taxa é escandalosamente alto, como se pode demonstrar: 

1. A inflação anual, medida pelo INPC-IBGE, que é a referência para a correção de salários no Brasil, está em 3,85% ao ano. Isso é praticamente 1/5 do aumento aplicado à TCRS;

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2. Uma parcela significativa dos trabalhadores do município não teve seus salários corrigidos nem mesmo pela inflação em 2023. Ou seja: vão pagar seus impostos com salários reais em 2024 inferiores aos do ano passado. Mesmo os que negociaram correção salarial em 2023 o fizeram em patamar muito inferior ao percentual aplicado à TCRS;

3. O salário mínimo, referência fundamental para a renda dos trabalhadores brasileiros, voltou no governo Lula a ter ganhos e foi corrigido nominalmente em 6,97%, acima da inflação. Mesmo este valor, entretanto, não é comparável ao aumento na TCRS; 

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4. A prefeitura vem terceirizando o serviço de coleta de lixo, alegando que o serviço é mais barato. O problema é apresentado, inclusive, de forma intencionalmente equivocada, na medida em que o leque de serviços realizado pela Comcap (18 no total) não se compara ao trabalho realizado pelas terceirizadas, que realizam exclusivamente a coleta convencional de resíduos sólidos. Há aqui uma contradição evidente: ao mesmo tempo em que a prefeitura piora o serviço com a terceirização, ela promove um aumento brutal da Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos.

A postura da administração em relação aos trabalhadores da Comcap revela uma visão de que o trabalhador da Comcap tem muitos direitos e, portanto, deve se fazer de tudo para retirá-los. A meta é ter um quadro de trabalhadores com o mínimo de benefícios e salários médios o mais próximo possível ao salário-mínimo. De preferência, sem os trabalhadores estarem organizados sindicalmente.

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Florianópolis alcançou a liderança do Ranking de Competitividade dos Municípios em 2023, em um estudo realizado pelo Centro de Liderança Política (CLP). Foi a primeira vez que uma capital liderou o ranking. A pesquisa avaliou 410 cidades brasileiras com população acima de 80 mil habitantes. Para o levantamento são analisados 65 indicadores de áreas que são consideradas fundamentais para a qualidade de vida da população e a competitividade das empresas que atuam no município. 

O primeiro aspecto que chama a atenção na pesquisa, é que praticamente todos os eixos de análise dos indicadores dependem do setor público: sistema de ensino público (nos níveis municipal, estadual e federal), estrutura pública de fiscalização do meio ambiente, funcionamento da máquina pública etc. Detalhe fundamental: coleta de resíduos domésticos (leia-se Comcap) e abastecimento de água (leia-se Casan) conquistaram notas máximas no levantamento do CLP. 

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Esse tipo de resultado, contrasta com a intenção da prefeitura de esvaziar a Comcap através da retirada de direitos e da terceirização gradativa da coleta. Alguns roteiros da coleta já estão terceirizados, como a Região Continental e o Norte da Ilha de Florianópolis, e o objetivo do governo é estender esse método de gestão para outros bairros. Para angariar o apoio da população, a propaganda é de que o serviço é mais barato, um benefício que supostamente seria repassado aos cidadãos. Mas o aumento da Taxa de Coleta vai exatamente na direção contrária: apesar da piora da qualidade do serviço, a taxa ficou significativamente mais cara.  

Uma das experiências mundiais com a privatização de qualquer serviço público é o aumento do custo dos serviços juntamente com a queda da sua qualidade. É possível que o aumento excessivo da taxa já seja um reflexo da privatização parcial dos roteiros de coleta em Florianópolis. Pois as empresas começam com valores menores nos contratos para ganhar a licitação e obtém aditivos contratuais aumento os valores pagos pela prefeitura no decorrer do período de execução do contrato. 

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Atualmente, serviços como coleta seletiva, de volumosos, remoção de entulho em pontos de descarte irregular e coleta de verdes não são cobrados na taxa de coleta da Comcap. A chance de uma empresa privada manter esses serviços sem cobrança é zero. 

É só observar o que acontece nos municípios vizinhos, onde o serviço é privatizado e, regra geral, mais caro.

O diferencial que garantiu a Florianópolis o prêmio de melhor limpeza pública, propagandeado pela prefeitura como a cidade que mais recicla, é o resultado da coleta especializada, um setor que ainda é 100% público, feito somente pela Comcap.

A exorbitância no aumento da taxa de coleta em Florianópolis não pode ser justificada pelo aumento de investimentos na Comcap. Muito pelo contrário: há mais de uma década a Comcap somente vem reduzindo o número de trabalhadores. Ao mesmo tempo, por ser capital do estado e concentrar oportunidades de emprego e serviços, Florianópolis é a capital do Sul onde a população mais cresce, em uma média de 2,5% nos últimos anos. Já a produção de lixo, em função de uma série de razões econômicas e culturais, cresce ao ritmo de 6% ao ano, segundo dados da própria Comcap. Além disso, a empresa possui hoje cerca de 130 pessoas em desvio de função, cedidas a outros órgãos por indicações políticas.

O número de empregados disponíveis na Comcap hoje é bem inferior ao crescimento da população, e significativamente inferior ao da geração de resíduos sólidos. Esses dados indicam que houve nos últimos anos uma significativa intensificação do trabalho, ou seja: cada trabalhador da Comcap está movimentando um volume diário de resíduos cada vez maior. Como a tecnologia no setor não mudou substancialmente, a conclusão a que se pode chegar é que, atualmente, o trabalhador da Comcap trabalha em ritmo muito mais intenso do que o fazia há uma década ou mais.

A existência de uma empresa pública, comprometida historicamente com a cidade e formada por profissionais experientes e especializados, tem papel fundamental nesse processo de melhoria da destinação dos resíduos sólidos, na consequentemente melhoria do padrão de vida da população e na proteção do meio ambiente. Para a autarquia desenvolver bem esse trabalho, a política de recursos humanos e a gestão têm que ser adequadas. Não é possível ao mesmo tempo implantar serviços que requerem uma empresa com quadro qualificado e com domínio tecnológico dos temas ligados ao meio ambiente e sucatear as condições de trabalho e os salários. Quando a prefeitura terceiriza roteiros da coleta de resíduos, está renunciando a um maior controle do processo, o que dificulta o atingimento das metas de reciclagem e compostagem dos resíduos. 

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