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Armínio Westermann

Analista político

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O destino bate à porta, o que Alckmin fará?

(Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Em outubro passado, publiquei um artigo neste espaço no qual procurei definir parâmetros para a escola de um vice para Lula. Pareceu-me necessário combater a idéia de que Rodrigo Pacheco poderia cumprir esse papel. Senador inexpressivo, embora presidente do Senado, Pacheco certamente não está à altura do cargo de vice-presidente. De fato, mal está à altura do cargo que atualmente ocupa. 

Aliando-se a Arthur Lira na defesa do orçamento secreto, Pacheco vai dando sua contribuição à "grande barganha" ora em curso: admite-se o desmonte do projeto social-democrata formulado na última constituinte em resposta a 20 anos de estrangulamento da classa trabalhadora; em troca, o senado e a câmara, usurpando o poder executivo, assumem o controle do orçamento, e passam a fazer, em escala nacional, o que fazem modestos políticos nos vastos rincões do Brasil. Eliminado, exceto do ponto de vista midiático e "cerimonial", o chefe do poder executivo, já não há quem defenda os grandes interesses nacionais. 

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O poder central paroquializa-se e a poupança pública é consumida numa multiplicação de medidas simplórias, sem qualquer impacto de longo prazo e sem alterar a já precária posição do Brasil na "divisão internacional do trabalho". Até mesmo a famigerada "reprimarização" da economia está sob ameaça, na medida em que os produtos do "agronegócio" brasileiro vão sendo vinculados, na prática e no imaginário de grandes mercados internacionais, ao desmatamento da Amazônia, ao descaso com os índios, à desregulação criminosa do uso de agrotóxicos e ao incentivo fascista ao surgimento de milícias rurais. 

Como se nada disso importasse, Pacheco, tentando projetar-se como candidato a presidente, mas simulando respeito ao bom senso, tornou-se uma caricatura do tradicional político mineiro: no lugar do astuto, o abobado; no lugar do discreto, o apagado; no lugar do sábio, o banal. Eu mal imaginava, quando apresentei alguns critérios para escolha do vice-presidente, que uma figura mais complexa surgiria como opção. Sugeri o nome de Ayres Brito, mais para escapar ao problema do que para enfrentá-lo. 

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Agora, no entanto, é necessário voltar ao assunto e refletir com mais cuidado. Alckmin está longe de ser um neófito. Governador de SP por 20 anos e candidato a presidente em duas ocasiões, não se pode dizer que Alckmin não está à altura do cargo de vice-presidente. Trata-se de figura política relevante. Ademais, trata-se de alguém capaz de ampliar, ao menos em teoria, a base de apoio a Lula, na medida em que tende a ser recebido como velho conhecido em lugares onde Lula talvez seria recebido com desconfiança. 

Por trás do apelo de Alckmin, no entanto, está uma idéia mais profunda, nem sempre explicitada. Uma coisa é ter sempre sido progressista. Outra coisa é dar-se conta da desigualdade ou dar-se conta da violência ou dar-se conta dos nefastos efeitos do imperialismo e subitamente trocar de trincheira e passar a defender aqueles que antes eram combatidos. Essa é uma idéia quase bíblica. Isto é, a idéia de que a salvação pode surgir de onde menos se espera. 

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Muita vezes -- no plano da mitologia, sobretudo -- o opositor que se converte é aquele que viabiliza a vitória quando já não havia esperanças. Isso, para voltar à terra firme, é o que se esperava, por exemplo, de Ciro Gomes, em 2018. Ele estava em Paris, ficamos aguardando que ele voltasse, mas ele nunca apareceu. É o que se esperava, igualmente, de FHC. Teria bastado uma declaração, talvez uma fotografia, mas ele ignorou os apelos de um país que estava à beira do precipício e deixou que caíssemos. Na hora do maior perigo, combatemos com as tropas de sempre, esfarrapadas, alquebradas, com Lula trancafiado numa cela, impedido de falar ao povo. Entre os inimigos, não houve defecções. De onde nada se esperava é que nada surgiu. 

Esse é o pano de fundo (político/mitológico) da atratividade de Alckmin. Ele é aquele que parece ter abandonado a trincheira da opressão e do atraso para se juntar à trincheira da libertação e do progresso, não quando a vitória já é líquida e certa, isto é, num eventual segundo turno, mas agora, quando ainda resta muito chão para trilhar. Isso é louvável e não devemos minimizar esse gesto. Ao mesmo tempo, é natural certo grau de prudência.

Alguém mencionou, como paralelo, Teotônio Vilela, que, saído da Arena, combateu abertamente a ditadura militar. Ainda não vimos Alckmin caminhar nessa direção decisivamente. Temos indícios, não desprezíveis, mas ainda incipientes. Alckmin está ao lado do cavalo branco, parece estar vestindo a armadura, mas ainda não sabemos se ele de fato subirá no cavalo e se entrará na batalha para ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil. Lula, talvez com autêntica e louvável inocência, está dando a Alckmin uma chance inigualável: entrar para a história, tornar-se um símbolo, ter um papel relevante não na mera gestão da coisa pública -- trabalho, afinal, burocrático -- mas na história nacional propriamente dita. Temer recebeu a mesma chance e sem compreender o papel que lhe cabia entrou para a história como um traidor. Alckmin está sendo chamado a acertar onde Temer errou. Não é Lula que precisa de um fiel escudeiro, mas o Brasil.

Alckmin está sendo chamado a ingressar no panteão dos heróis da pátria. À altura da vice-presidência ou mesmo da presidência da república, no que toca ao aspecto burocrático do cargo, Alckmin sem dúvida está. Mas estará Alckmin à altura do papel de herói nacional? Essa é a questão de fundo.

E outras questões empalidecem diante disso. Ao mesmo tempo, a caminhada de mil passos se faz pouco a pouco e, sobretudo, todo dia. Alckmin, no momento, é chamado, algo prosaicamente, a viabilizar o acordo que lhe permitirá ser indicado à vice-presidência. Isso inclui assumir o papel de liderança maior, ao menos, de seu próprio (futuro, provável) partido, o PSB. De nada adiante dizer que Alckmin abrirá diversas portas se nem ao menos a primeira porta ele é capaz de abrir. Haddad, além de ter sido prefeito de São Paulo, foi candidato a presidente em 2018 e chegou ao segundo turno. Está claro que lhe cabe a precedência sobre Márcio França. Alckmin é quem pode demover o PSB de exigências excessivas.

Ademais, é preciso ter em conta que o PT tem um interesse legítimo, razoável e natural em deixar em prontidão potenciais sucessores para Lula. Alckmin poderá talvez entrar nessa disputa, dentro de quatro ou oito anos, mas sem ignorar que a precedência, no momento, cabe àqueles que tem ligações orgânicas e históricas com o PT e com a massa do eleitorado que deu ao PT papel relevante em todas as eleições presidenciais disputadas desde 1989. Daí porque o PT tem insistido em lançar Haddad candidato a governador de SP e Humberto Costa a governador de Pernambuco. Isso tem a ver com política regional (eleição de deputados, prefeitos), mas também com política nacional.

Carlos Siqueira imagina que pouco custa apoiar o PT por quatro ou oito anos desde que o PSB tenha na sequência diversas figuras de projeção nacional para disputar a sucessão de Lula. No entanto, Lula, como agora deve estar claro, não pensa apenas no próprio umbigo e toma decisões, como estadista, tendo em vista os interesses do Brasil.

E ocorre que o PT pouco a pouco, e inclusive pela degeneração ou falência de outras possibilidades, transformou-se no principal motor de um projeto civilizatório para o Brasil. E o PSB ainda está longe de cumprir papel semelhante. Para o PT, portanto, defender os interesses do PT não é sinal de "hegemonismo", mas de prudência e de responsabilidade com relação ao Brasil. Lula hoje, em outras palavras, precisa pensar no pós-Lula e isso passa, necessariamente, pelos candidatos do PT a governador em 2022.

O PSB poderá ter nesse processo um papel de imensa e crescente relevância, mas sem ignorar a especificidade do PT como partido que não é um mero agregado de lideranças políticas mas um polo de articulação de forças sociais progressistas não apenas em escala nacional, aliás, mas também em escala internacional. Basta ver que na França, dentre outros exemplos, Lula foi recebido como estrela e cabo eleitoral por três dos principais candidatos à presidência, incluindo o atual presidente. Portanto, quem tem pretensões excessivas é o PSB e não o PT.

Alckmin, como principal representante, ao lado de Lula, da sabedoria que deve subjazer à frente ampla, poderá, quiça, atuar para chamar o PSB à razão e colocar o debate com o PT em perspectiva histórica. Seria o primeiro passo para construir confiança e dar início a uma longa caminhada conjunta pelo resgate e pela transformação do Brasil.

PS: Faço votos de que nenhum possível acordo com o PSD, de Kassab, inclua apoio à recondução de Pacheco à presidência do Senado.

PPS: Alckmin não precisa responder, mas deve levar em conta, com distanciamento histórico, as perspicazes observações de Valter Pomar sobre a vice-presidência.

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