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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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O dia em que Bolsonaro fez história e grafou escatologia para se referir a jornalista

"Quando um de nós é desrespeitado, quem está sendo desrespeitada é toda uma categoria, fundamental num sistema democrático", escreve Denise Assis

(Foto: Reprodução)
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Por Denise Assis, para o 247

Nesta segunda-feira, 20 de junho, no ano da graça de 2022, quando o país vive a renúncia do presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, por não se alinhar à política do preço dos combustíveis – sabe-se lá qual seja -, de Bolsonaro, numa farsa burlesca e ridícula, fui me ocupar de algo “banal”. Isto, quando o país pranteia a morte de um indigenista (Bruno Pereira) e de um jornalista defensor da Amazônia (Dom Philips). Mas vejo-me compelida a tratar do tema, aparentemente desimportante, porém histórico. Nunca antes um presidente ousou grafar termos escatológicos publicamente, referindo-se a um profissional de imprensa. Sim, eu disse grafar.  

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Embora não se saiba ao certo como a memória do tempo presente será preservada - antigamente havia o papel, que guardou desde a carta de Pero Vaz de Caminha, até as versões de todas as nossas Constituições e tantos outros documentos importantes -, agora as redes sociais são efêmeras, mas o registro há de ficar na tal “nuvem” até sabe-se lá quando.

Neste domingo (19/06), o jornalista Guga Noblat tuitou que o presidente “é campeão de tiro ao alvo na modalidade tiro no pé”. Ricardo Noblat, pai de Guga, acrescentou nesta segunda (20/06) à postagem: “em breve no peito” (todos se lembram de Getúlio Vargas, não?). Em resposta, Bolsonaro postou: “se eu respondesse esse bosta à altura seria ‘ataque à imprensa e à democracia”…

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Só tive acesso ao post do “mandatário” porque sigo o Noblat (pai), no Twitter. Sou uma dos176 jornalistas bloqueados por Bolsonaro, fato que estou pensando em acrescentar ao meu currículo.  

Mesmo sabendo que temos 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil, que o país voltou aos índices de pobreza de 1992, consciente da queda da bolsa, acarretando prejuízo para a maior empresa estatal, da queda da renda dos trabalhadores e de todas as mazelas, não consegui olhar para o fato como um episódio banal.  

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Estamos a tal ponto aviltados, humilhados e conformados às grosserias desse homem, que banalizamos uma afronta a um jornalista que está apenas fazendo o seu trabalho. O de criticar e apontar falhas em quem não só não trabalha, como atrapalha quem o faz.

Em outros tempos - mesmo e principalmente na ditadura – os generais, talvez por já serem criticados por todo o arbítrio e truculência, procuravam manter em público a compostura. Seguiam o que o presidente Sarney chamava de “liturgia do cargo”. Uma fala dessas (um escrito nem pensar!), saída da boca de um deles, seria manchete de página. E mesmo depois da transição, no governo Fernando Collor, cabiam gestos, como a “banana” dada em público, mas grafar uma expressão como esta? Não cabia. E, sejamos justos, ele não ultrapassou esse limite.

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Fico pensando o que diriam na minha família, se vivos fossem meus pais... O seu Silvio falava que era preferível uma pornografia – da porta para fora de sua casa –, do que uma escatologia. Talvez por isso, até hoje, eu não consiga usar a expressão empregada por escrito, por Bolsonaro. Imaginem que eles consideravam Jânio Quadros deselegante por se apresentar em público com os cabelos em desalinho. Um presidente! Costumava exclamar a tia Elza, na mesa do jantar.

Peço desculpas ao distinto público por ter tido que reproduzir no texto a expressão empregada por Bolsonaro. É possível que desdenhem desse artigo, que soará deslocado da realidade grave. Mas, acreditem. Nenhum presidente ousou tanto. Nenhum deles desrespeitou o público dessa maneira. Nenhum desceu tão baixo, ignorando a posição que ocupa, difamando mortos, transgredindo leis e regras de boa convivência e bom trato.  

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Houve no passado um repórter que se deu o trabalho de seguir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em reunião com assessores, para contar que Lula falava palavrões em conversas informais. Não consta, porém, que tenha sido visto extrapolando os limites vocabulares em público.  

Um presidente chamar um profissional da imprensa de b*#@&, no século XX renderia nota de repúdio da ABI, da Fenaj e instituições que entendem que a imprensa é olhos e ouvidos da sociedade. Tem um papel fiscalizador de tamanha importância que mandam queimar e esquartejar profissionais considerados “malvistos”. Deixar que o fato passasse em branco seria esperar que amanhã Bolsonaro desfeche um tapa ou um soco em algum dos repórteres. E quando um de nós é desrespeitado, quem está sendo desrespeitada é toda uma categoria, fundamental num sistema democrático.

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