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Jailton Andrade

Jailton Andrade é advogado, músico, dirigente sindical e do movimento negro e criador do Debate Petroleiro

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O Espetáculo da Devassa e a máquina de lucro da embriaguez

Espetáculo da Devassa em Salvador assusta pela beleza e pela indiferença ao povo negro real

(Foto: Reprodução)
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Na noite deste domingo, 27, a cervejaria Devassa apresentou ao público virtual um espetáculo gravado no Edifício Sulacap no centro do Salvador intitulado Devassa Paredão Tropical.

O evento reuniu Carlinhos Brown, Xanddy, Larissa Luz, Lia de Itamaracá, Gaby Amarantos e os blocos Ilê Aiyê, Cortejo Afro e Didá. Espetáculo quase impecável, não fosse o corte dado na fala de Lia por Xandinho, do Harmonia. O show de luzes sob a liderança de VJ Gabiru e curadoria musical de Patrick Tor4. Destaque para a menção nominal a cada percussionista e apoio ao evento, ao contrário do destaque para o nome dos blocos, como é comum por aqui.

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Enquanto ocorria ali a consagração multicultural iluminada do nordeste brasileiro, um outro prédio, bem em frente, estava às escuras. Trata-se do antigo Centro Educacional Magalhães Neto, ocupado por mais de 290 famílias, há 8 meses. A Ocupação Carlos Marighella.

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Em 2019, as famílias do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) ocuparam o Hospital Couto Maia, localizado no Mont Serrat e abandonado há dois anos. À época, essas famílias reivindicavam moradia, cuja esperança cessou com o desmonte do programa Minha Casa, Minha Vida pelo governo Bolsonaro. Aquela ocupação duraria 21 dias sem água e energia elétrica e, ao contrário do que isso sugere, essas necessidades não foram sanadas no 22º dia. Segundo notícias que circularam à época, essas famílias foram despejadas violentamente pela polícia militar e há relatos de que mulheres e crianças foram agredidas e tiveram spray de pimenta jogado em seus olhos. Passado um tempo, as famílias ocuparam um galpão da Companhia de Navegação Baiana na Ribeira. Essa não durou 24h. Foram expulsos pela PM também.

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Na madrugada do dia 6 de junho de 2021 essas famílias ocuparam o colégio abandonado, em frente ao Edifício Sulacap, onde permanecem precariamente. 

Há dois meses a Polícia Civil realizou operação na ocupação sob a alegação de tráfico de drogas e receptação de celulares. As famílias relataram falta de ordem judicial e abuso de autoridade. Uma moradora chegou a ser retirada do banheiro onde tomava banho. Três pessoas foram levadas à delegacia e liberadas. 

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Pois bem. Enquanto as 290 famílias vivem às escuras no assombro cotidiano do despejo em ação movida pelo Estado da Bahia, acontece, do outro lado da rua, “o mais belo dos belos” espetáculos multiculturais promovido pela Devassa, marca controlada pela segunda maior cervejaria do mundo, a Heineken, que teve um lucro global em 2021 de 3,32 bilhões de euros, o que equivale a mais de R$ 19 bilhões, com B de bola.

As cervejarias fazem milagres pelo dinheiro do povo. Incentivos fiscais, parcerias público-privadas e chefes do executivo como garoto-propaganda. Quem não lembra do ACM, o neto, divulgando a AMBEV no reveillon do ano passado? E Reinaldo Caiado fazendo propaganda em suas redes sociais? Até o Flávio Dino destacando o preço baixo da cerveja numa ação esperta da AMBEV com a distribuição gratuita do sabão Magnífico. É um dos mecanismos de avanço das industrias criar marketing com governantes e com a apropriação cultural.

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A AMBEV até mudou o curso natural das chuvas para não molhar o folião paulista no carnaval de 2020 e não é metáfora (entenda o caso). “A alma do negócio é você” canta a Nação Zumbi.

Mas as 290 famílias da Ocupação Marighella não são o público da Devassa nem da AMBEV e por isso ignoradas. A coordenadora da ocupação, Bianca Plessym, afirmou que as famílias nem sabiam o que estava acontecendo no prédio em frente e se assustaram. 

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Assim como a cervejaria, os artistas também ignoraram o prédio escuro da ocupação, ou por desconhecer o drama social ou pelo desprezo ao que estava ali em sua frente. São os invisíveis cantados pelo Baiana System, banda também ignorada no carnaval de 2017 (saiba mais).

Mas quem se importa com o povo preto real? Talvez o cantor, compositor, produtor musical, arranjador, percussionista, multi-instrumentista e artista plástico Carlinhos Brown tenha esquecido do Candeal Pequeno, de onde veio e o que fez por lá ou, por medo de perder fãs ou sua ponta na Globo, preserve a neutralidade e finja ignorar um prédio de 5 andares bem na sua cara. Tem muito artista baiano nessa pegada. Posicionamento mesmo só para garantir seus direitos autorais. Para isso Brown levou até caxirola em sua viagem a Brasília pra pressionar parlamentar. E Xanddy coitado? Apesar da bela voz que tem, o que representa ali naquele lugar de onde cantou? Ele não representa o negro, nem a cultura baiana, nem os tambores. Ficou esquisito.

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Dirão, “mas a iniciativa era fortalecer o povo negro nordestino, em especial de Salvador”. Conversa mole. A quanto tempo estes artistas estão em evidência? Quantas iniciativas como esta já realizaram? Quanto ganharam? O que ganhamos? As salinhas de tortura dos supermercados? A superlotação carcerária, (inclusive com chacina na penitenciária em Salvador há poucos dias)? Uma chacina diária na capital baiana? basta acessar o boletim diário no site da Secretaria de Segurança Pública da Bahia. O quanto avançamos na distribuição de renda e na participação nos espaços de poder? O quanto retrocedemos no racismo? A Devassa já foi acusada de racismo em 2013 por essa propaganda:

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Tem um argumento falacioso de que a redução tributária das empresas beneficia o povo. Ao contrário, quando empresas reclamam benefícios tributários, elas aumentam suas margens de lucro e diminuem os tributos que seriam revertidos em políticas públicas como Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, etc. Justamente o que aquelas famílias da ocupação, como exemplo de tantas outras, precisam.

Enquanto os cantores, percussionistas, produção, etc., recebem pontualmente pela apresentação no Devassa Paredão Tropical, a cervejaria ganha por longo período, fortalecendo sua marca e identificando-a com a cultura nordestina, da mesma forma que a Shell fez com Ivete Sangalo. O estádio da Fonte Nova, em Salvador, chama-se Itaipava e lá dentro é proibido beber porque não é recomendável vincular o esporte ao álcool. Que ironia...

Mas passado o carnaval tudo volta como antes:

"Na quarta feira é a volta pra realidade que arde

Acaba a comemoração apaga a televisão pra não gastar a eletricidade

Como na Cinderela carruagem volta a ser abóbora

E na favela o carro alegórico some....

Grabriel o Pensador não é uma boa referência, mas este texto serve de ilustração ao presente artigo.

O que resta ao povo da Ocupação Marighella é torcer para que a Devassa, com sua campanha de marketing, venda muita cerveja e as famílias possam catar, no “chão da praça”, mais latas e ganhar 10 centavos por lata de alumínio nessa máquina de lucro da embriaguez.

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