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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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O Itamaraty está correto ao não comentar o caso Navalny

Política externa é coisa séria. Exige racionalidade. Condenações apressadas, emocionais e morais, principalmente quando seletivas, não contribuem para a paz

Líder da oposição russa Alexei Navalny 27/08/2019 (Foto: REUTERS/Shamil Zhumatov)
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Era previsível. Assim que Navalny faleceu, começaram as cobranças raivosas para que o Itamaraty e Lula se juntassem ao coro de acusações contra Putin.

Obviamente, os EUA e os países europeus (o chamado Ocidente) não pestanejaram em acusar imediatamente Putin de “assassinato”. O Sul Global, contudo, preferiu ter um mínimo de cautela e aguardar os acontecimentos decantarem. 

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É o caso do Brasil. O Itamaraty não saiu correndo para acusar Putin, como exige, praticamente aos berros, boa parte da nossa mídia.

Ora, acusar o presidente russo é fácil, mas resulta difícil identificar o que Putin e seu governo teriam a ganhar, agora, com a morte de Navalny. 

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Ao contrário, podem ser identificados grandes e claros prejuízos. 

  1. Putin estava fazendo esforços para divulgar sua “narrativa” para o público ocidental. Deu a já famosa entrevista para Tucker Carlson, fez declarações elogiosas a Trump, de olho nos eleitores republicanos, emitiu sinais de que gostaria de negociar, de novo, a paz etc. Contudo, a morte de Navalny já eclipsou todo esse esforço. 
  2. Navalny estava preso e isolado. Pouco ou nada podia fazer, nessas circunstâncias, contra Putin. Notícias sobre ele, mesmo no Ocidente, eram esparsas. Se estivesse solto, na Rússia ou na Alemanha, seria outra história. 
  3. Navalny, ao contrário do que a imprensa ocidental diz, não é muito popular na Rússia. Quando foi candidato a prefeito de Moscou, teve 27% dos votos. Segundo pesquisa de opinião feita, em 2021, pelo Levada Center, apenas 19% dos russos aprovavam o trabalho de Navalny. Navalny, que chamou a chamar chechenos e georgianos de “ratos”, já fez o jogo da xenofobia para tentar se popularizar. Mudou depois para adaptar-se à imagem que o Ocidente exigia. Passou a tratar fundamentalmente de “corrupção”, estratagema geopolítico que conhecemos muito bem.
  4. Ademais, a morte de Navalny, às vésperas da eleição russa, causa ruído indesejado num pleito que Putin ganharia com facilidade. 
  5. A morte de Navalny poderá facilitar a aprovação da nova ajuda dos EUA à Ucrânia, que ainda está parada na House of Representatives.
  6. A exploração da morte de Navalny deverá aumentar também o apoio às ações da Otan na Ucrânia, num momento em que a popularidade dessa guerra estava decaindo rapidamente, tanto no EUA quanto na Europa. 
  7. A morte de Navalny poderá fortalecer Zelensky, numa conjuntura em que crescia bastante a desconfiança sobre a sua competência e a lisura de seu governo.

Enfim, sob quaisquer ângulos, internos e externos, a morte de Navalny é, objetivamente, algo inútil e negativo para Putin. 

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Dizer, como fazem alguns mentecaptos da nossa imprensa, que Putin mandou matar Navalny simplesmente porque “não tinha nada a perder” é uma afirmação vazia e um tanto estúpida.

Pode-se fazer a crítica que se quiser a Putin, mas ele definitivamente não é um idiota sujeito a rompantes biliosos. Ao contrário, é inteligente e calculista. 

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A cautela do Itamaraty também se justifica porque o Brasil evita condenações formais a países específicos, que normalmente servem apenas para a defesa de interesses geopolíticos, que nada têm a ver com a promoção efetiva da democracia e com a proteção aos direitos humanos fundamentais. 

Na realidade, essa é a posição histórica da diplomacia brasileira. 

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As intervenções dos países que se julgam modelos de democracia em países supostamente “ditatoriais” normalmente resultam em caos, sofrimento e muitas mortes, centenas de milhares, como se viu, por exemplo, nos casos do Iraque, da Líbia, do Afeganistão, da Síria etc. Em outras palavras, quando esses países falam em proteger democracia e direitos, a situação piora muito e milhares sucumbem.

No caso do conflito da Ucrânia, a obsessão dos EUA e da Otan em “derrubar Putin” e derrotar militarmente a Rússia está prolongando e intensificando inútil e perigosamente uma guerra que poderia ter acabado há muito tempo, com o acordo de paz que foi sabotado pelos EUA e o Reino Unido.

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Independentemente de quem seja o governante da Rússia, é preciso considerar que esse país é um importante parceiro estratégico do Brasil. Ao nosso país, não convém alinhar-se com a nova Guerra Fria que o denominado Ocidente tenta impingir a todos.

A morte de qualquer pessoa tem de ser lamentada. A de Navalny não é exceção.

Mas uma coisa é lamentar uma morte e outra, bem diferente, é utilizá-la, sem nenhuma prova concreta, para tentar intensificar conflitos que provocam mais mortes.

Curiosamente, não vemos o Ocidente preocupar-se muito com o destino cruel e injusto de Julian Assange. Também de forma curiosa, a nossa mídia hegemônica não parece ligar muito para essa colossal injustiça cometida contra um colega jornalista. Sequer as dezenas de mortes de jornalistas palestinos em Gaza parecem comovê-los muito. Quando a filha de Dugin foi assassinada na Rússia, provavelmente em um atentado do serviço de inteligência ucraniano contra seu pai, não observamos nenhuma condenação ocidental. 

Como dizia François de La Rochefoucauld, “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”.

Desde o início do conflito na Ucrânia, o Brasil tem evitado condenações a quaisquer governos e tem procurado investir em negociações.

Política externa é coisa séria. Exige racionalidade e cautela. Condenações apressadas, emocionais e morais, principalmente quando seletivas, não funcionam e não contribuem para a paz. 

O Itamaraty está certo em não fazer acusações intempestivas e sem substância fática ao governo de Putin. 

O Brasil está no rumo correto. 

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