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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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O mercado que lute!!

"A burguesia dobra o Estado ao que ela julga necessário e importante", escreve Fernando Horta

(Foto: ABr)
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O ensino público surgiu nas sociedades ocidentais modernas algumas décadas após o início do processo de industrialização. É no século XIX que o Estado passa a ser obrigado a gastar seus recursos para dar educação, da mesma forma que oferecer água potável e saneamento básico. Esses processos são conjuntos no tempo. O “mercado” reconhece os prejuízos à produção de proletários doentes sem água tratada ou sem um sistema de saneamento urbano. As burguesias, sobretudo a inglesa, passa então a defender como “marco civilizatório” que o Estado pague por toda a transformação social produzida por essas mudanças que – em última instância – beneficiava a produção.

No mesmo caminho vai o ensino público. Com uma enorme necessidade de mão de obra e uma oferta pequena a burguesia teria duas saídas: uma seria aceitar o “jugo” do mercado e aumentar o valor da mão de obra para incentivar as pessoas a se qualificarem. Como sabemos, “aceitar os condicionantes do mercado” é algo que apenas os pobres e os marginalizados precisam fazer. A burguesia dobra o Estado ao que ela julga necessário e importante. O segundo caminho para resolver o problema da falta de mão de obra qualificada era dar educação. Novamente aqui, a burguesia passa esses custos para o Estado. Não bastava que o ensino fosse apenas público (pago pelo Estado), era preciso que ele fosse também universal. Se o ensino público não fosse universal, os esforços do Estado estariam a aumentar o valor da mão de obra. E isso, sabemos, é inaceitável.

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Imagine, em meados do século XIX, centenas de milhares de pessoas saindo da vida rural, empobrecidos e se amontoando nas cidades. Sem alfabetização e com os saberes todos organizados para conhecer e viver na produção rural, a cidade era um deserto de esperanças e um túmulo quase certo. Se, neste cenário, tivéssemos uma educação pública, alguns poucos sortudos iriam se tornar proletários utilizáveis para a produção burguesa. O problema é que seu número seria pequeno frente às necessidades. E como sabemos, pela lei da oferta e da procura, poucos proletários e os burgueses precisariam subir o valor pago para assegurar seu trabalho. 

Daí a pressão “civilizatória” para que o ensino fosse “universal”. Ou o mais abrangente possível. Não se trata aqui de um reconhecimento moral das funções do Estado, ou uma percepção humana da necessidade de cultura e educação para aumentar o bem-estar social. Trata-se puramente de maximizar os lucros, gerando mão de obra qualificada, abundante e com os custos pagos pela própria classe trabalhadora.

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No Brasil, apesar da Constituição de 1824 já prever ensino público universal, ele também só surge com o processo de industrialização. Não é por acaso que o Ministério do Trabalho e da Educação surgem juntos, com Vargas. Nos estados com maior necessidade de mão de obra para a indústria, a educação se desenvolveu mais rapidamente. Contudo, num país desigual como o nosso, até o fim do século XX tínhamos áreas imensas completamente alijadas da educação pública formal.

É no governo FHC que se dá a primeira grande expansão do ensino público. No contexto neoliberal, início da globalização, era novamente as burguesias exigindo que o Estado pagasse pela preparação da mão de obra que eles imaginavam que rapidamente necessitariam. Num mundo de produção descentralizada, até mesmo o “Brasil profundo” era potencialmente alvo dos investimentos da globalização e precisava estar em condições de oferecer mão de obra barata e abundante.

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Aqui surge, no meu entendimento, uma das maiores mazelas da educação brasileira: a tal “educação para o mercado”. O conceito vai se travestindo de diversas camadas de Louis Vuitton (ou Luís Vítor, como dizia uma amiga) para esconder seu verdadeiro interesse. Primeiro fala-se em “educação profissionalizante” para permitir uma “vida melhor” aos brasileiros. Em seguida, ainda no século XX, falasse em educação técnica-científica. Um pouco mais adiante essa “educação para o mercado” passa a englobar também “empreendedorismo”, “educação financeira”, “educação para o mundo da informática” e, agora, a “nova educação digital”. Todos esses nomes significam exatamente o que significaram no século XIX: a sociedade pagando os custos da produção de braços para o capitalismo em escala necessária para ofertar mão de obra qualificada sem que force a subida do preço desta mesma mão de obra.

O problema é que se o capitalismo julga que é possível gerar valor infinito, num planeta finito, o mesmo não pode ser dito do tempo para os seres humanos. Simplesmente não há mais tempo, dos 7 aos 18 anos (idade em que o mercado julga que já passou da hora de os corpos estarem gerando valor para ser apropriado), para ensinar tudo o que o mercado exige como currículo para geração de valor e o que nós exigimos como currículo formador de seres humanos. Entender Sócrates e Platão, ler e admirar Miguel de Cervantes, refazer o caminho do pensamento de Lavoisier e Newton e conhecer as façanhas e monstruosidades de César, Bonaparte e Hitler levam tempo demais que poderia estar sendo usado para ensinar a fazer bancos de dados, programar em php ou, apenas, aceitar a afirmativa falsa de que o mérito condiciona a posição social no capitalismo.

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Diante da falta de tempo, o mercado deu a ordem que se tirasse todo o currículo humano e que o ensino público deveria focar em “letramento” e “operações básicas”. Todo o resto fica a cargo das instituições de educação acessórias do mercado (televisão, igreja, exército e etc.). A “educação para o mercado” é a matriz curricular básica do neoliberalismo e o centro lógico da “reforma do ensino médio”. Não importa mais ao mercado, arte, música, teatro, filosofia, história, literatura ... não importa mais como educação pública, que fique claro. Nas escolas privadas, cada vez mais literatura, expressão corporal, vitalização esportiva e novidades como robótica, programação e biopesquisas. Para o povo, o mercado quer apenas que leia (funcionalmente) e façam contas básicas.

Esta na hora de dizermos ao mercado que lute. Que pague pela formação que ele deseja. Isso além de liberar nossos alunos para se transformarem em seres humanos ainda ajudaria no aumento do valor da mão de obra e uma maior estabilização do mercado do trabalho. É preciso parar de enriquecer essa burguesia exploratória. Ninguém se transforma num fascista se não souber a fórmula de Bhaskara. Mas se você não ler Homero, Vítor Hugo, Carlos Drummond de Andrade ou Carolina Maria de Jesus, isso certamente te colocara mais longe do ponto que se desenvolve empatia. Empatia que está para se tornar a única característica humana que não pode ser replicada por inteligências artificiais.

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É preciso revogar essa abominação que é o “novo ensino médio”. É preciso tirar o neoliberalismo da educação. É preciso trabalhar por uma educação humana, para seres humanos. O mercado que lute.

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