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Marcos Mourdoch

Escritor, dramaturgo, roteirista e poeta brasiliense.

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O ser humano é conservador por natureza?

"Opinião, meus amigos, é opinião pois não necessita de conhecimento lógico que a justifique. Não foi e nunca será só um desenho. O protesto dito conservador tem como objetivo jogar de volta às sombras a existência de um grupo. Se um grupo não existe, não lhe é destinado nada que venha da democracia. A dignidade da pessoa humana se alicerça no valor do sistema democrático e não na tradição segregadora gerada antes dele"

(Foto: Divulgação)
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Há poucas semanas foi difundido país afora mais um episódio apto a trazer discussões acaloradas sobre os limites e, principalmente, sobre o que se pode entender por opinião. Primeiro ao caso: um jogador profissional de vôlei, alarmado com um cartum que mostrava personagem (um super-herói) beijando seu namorado, posta a imagem em sua rede social com os seguintes dizeres “...vai nessa que vai ver onde vamos parar.” Sic Acusado de homofobia ele alegou ser apenas sua opinião e que seguia seus “princípios”, etc. Bom, o conceito não é nada simples mesmo e algumas questões merecem reflexão antes de se analisar, dentro da natureza caótica da oralidade humana, a distinção dessa verdadeira expressão da existência, a opinião, frente ao crime puro e simples, cometido por meio dela.  

Nesse caso específico, para alguns o delito pulsava em cada sílaba e para outros se via ali a defesa da tradição, ou do princípio. Bom, não surgiu hoje essa dinâmica maniqueísta do arcaico, do já conhecido (o namoro hétero) frente ao novo e desconhecido (a relação homoafetiva). Chegou-se a certo nexo biológico do cérebro com o conservadorismo, pois ele é programado para salvar energia.  Por isso, quando algo alcança o status de coisa aprendida não raro é elevado à condição de natureza, distante das discussões incessantes sobre o tema. Aprendeu? REPETE-SE. A coisa vira tradição e logo, logo se acha nela a “natureza”, a voz lógica de uma superestrutura de ordem, e por que não dizer divina?  Pronto, joga-se essa tradição no cantinho das verdades sobre o tema e abre-se espaço para os novos assuntos. Ninguém tem vontade de revisitar um conceito, especialmente os mais solidificados. O problema é que essa lógica não fica no campo biológico, ela se expande até o ontológico, ao estudo do ser, e certas coisas aprendidas podem se descobrir como limitantes de um outro grupo de seres. Quando isso acontece, se, e somente se, estivermos tentando construir uma sociedade mais justa e plural, como são os Estados Democráticos de Direito, essa limitação não deve mesmo se sustentar.  

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Todavia, quando a ética muda, é óbvio que há misturado (como barreira) á novidade a tal da “coisa já aprendida” e sempre foi assim nos períodos dessa transição ética. Por exemplo: homem só se casa com uma mulher; negros e mulheres não têm direitos civis plenos; só há uma religião, a católica; etc. Novas realidades éticas sempre enfrentarão uma fase de transição entre o aprendido e a nova informação que convive com ela ou a substitui e, por vezes, se reflete na tal estruturação dupla dos sujeitos frente ao conflito do antes ideal – não basta estar de acordo com o ideal antes hegemônico, é preciso combater o novo ideal (ou não ideal). Ainda mais se isso for elemento de poder político, social, econômico, porque terá a seu favor a propaganda de quem faz uso de tais privilégios a fim de que se mantenha o status quo. Logo após a libertação dos escravos, mulheres eleitoras, casamento entre iguais etc., houve (e haverá no futuro) essa onda contra a realidade social nova, muitas vezes gerando violência em desfavor dos grupos tidos por “não ideais”. Uma vez nos braços da legalidade e usufruindo plenamente de seus direitos o grupo antes não ideal, ilegal, amoral, surge como o transgressor que agride os “princípios” dos mais ligados às antigas tradições, não importando o quão excludentes e atrozes elas foram.  E é aqui que a pluralidade da natureza é ignorada e o ódio, como efeito da estranheza à nova realidade, se confunde com a simples opinião. Todas as novidades democráticas passaram por isso: de caçados e mortos os protestantes e judeus sofreram séculos de segregação e preconceito; os negros ainda lutam para quebrar seus grilhões; os indígenas também...

Quando há o rompimento dessa grande voz social que determinava algo atroz como sagrado, exemplo: casamento? somente o hétero; religião? a única religião é a católica; monarquia como direito divino; negro? subespécie da criação divina perfeita... A prática social excludente sucumbe diante da pluralidade. O conflito, a ambivalência, faz parte da mudança da ética: “é o mal, é o fim dos tempos; daqui a pouco é pedofilia... O tormento diante da subjetificação não é um fenômeno observado apenas agora. 

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Sujeitos vêm sendo construído desde o início da revolução industrial, do fim do feudalismo, onde muitas coisas saíram das mãos da igreja, família e senhores feudais, para as mãos do indivíduo: caso-me com quem quiser; escolho meu emprego; sou mulher e quero me educar... Óbvio que esses processos de subjetificação não parariam por aí. O campo da orientação sexual não haveria de ser menos plural. O homofóbico não descobriu que o não ser do outro não influi no seu ser, pois ainda está ligado à necessidade típica das novas subjetificações – o processo de construção do eu ainda não está autônomo, ainda se precisa do outro para definir sua condição. Isso implica o seguinte raciocínio: não é preciso somente ser hétero, é preciso combater o novo oposto, o anti-ideal, é preciso ser homofóbico. O início da subjetificação necessita da não identificação com esse anti-ideal. “Feminista, eu!? Sou feminina, meu bem” Identificação subjetiva depende de maturidade, a fim de que o ataque ao anti-ideal não seja parte essencial da identidade daquele que se ancora no ideal. 

Dito isso, fica mais fácil saber que opinião não é ilimitada. Se a sua opinião fere a liberdade já incorporada como básica pelo Estado e seu sistema jurídico ela não poderá se tornar pública, sob pena de sanções legais e a depender da qualidade da democracia em que se opera, também sociais. Muitos religiosos, como os evangélicos, supõem que outrora não foram objetos desse tipo de temor, quando a mudança da ética era ainda recente. Imaginem se no início do século XXI um jornal publicasse a foto de dois jovens, por exemplo, casando-se sobre as bênçãos de um pastor ao invés de um padre, a convulsão social que seria! “Daqui a uns dias serão os seus filhos a casarem-se em igrejas hereges!” diriam os conservadores. 

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Sociedades plurais necessitam equilíbrar as forças produtoras de cultura. Se hoje você aí evangélico; negro casado com uma branca; mulher votante; mulher que decide o que faz com os frutos do próprio trabalho; negro eleito deputado; etc, tem em si a sensação de que tais direitos são “naturais, dados por Deus”... Parte disso se deve sim ao seu cérebro tentando guardar um conceito agora já velho, estruturado, a outra parte é simplesmente ignorância, não raro arquitetada socialmente para que você se mantenha alienado e acreditando que seus direitos vieram das forças da justiça divina e não do sangue revolucionário. Opinião, meus amigos, é opinião pois não necessita de conhecimento lógico que a justifique. Não foi e nunca será só um desenho. O protesto dito conservador tem como objetivo jogar de volta às sombras a existência de um grupo. Se um grupo não existe, não lhe é destinado nada que venha da democracia. A dignidade da pessoa humana se alicerça no valor do sistema democrático e não na tradição segregadora gerada antes dele. 

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