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Weiller Diniz

Jornalista especializado em cobertura política, ganhador do prêmio Esso de informação Econômica (2004) com passagens pelas redações de Isto É, Jornal do Brasil, TV Manchete, SBT. Também foi diretor de Comunicação do Senado Federal e vice-presidente da Radiobrás, atual EBC.

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Os funerais de um pigmeu

"Sérgio Moro tem a índole dolosa dos verdugos e vem desencarnando há tempos. Seu funeral é seriado. Morre um pouco a cada dia e está exangue", diz Weiller Diniz

Luís Felipe Cunha e Sergio Moro (Foto: Sérgio Duarte/Podemos)
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Por Weiller Diniz 

No funeral de Júlio César, Marco Antônio agigantou-se como orador nas escadarias do Senado romano. Cirúrgico, seccionou com uma retórica aguda o espectro da traição, da conspiração e da morte, encarnado pelo nanico Marco Júnio Bruto, Brutus. Um tribuno modesto da Roma antiga, surpreendeu com um afiado libelo acusatório acerca da destruição premeditada de lideranças populares movidas por ambições ilimitadas e oportunismos liliputianos. No fórum romano a cobiça engatilhou o assassinato do imperador Júlio César.

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Não raras vezes na história, a ganância arma as estocadas responsáveis por cicatrizes institucionais permanentes, hemorragias democráticas, sangramentos civilizatórios e feridas em nações por várias gerações. “Vim para enterrar César, não para louvá-lo. O mal que os homens fazem, a eles sobrevivem”, disse Marco Antônio escorrendo, pela primeira vez, a lâmina fina da ironia sobre as veias trêmulas do orador que o antecedera, Brutus, alegoria ancestral da perfídia e da pequenez. O “filho” alegava ter matado César com base na lei, na justiça, para eliminar um ditador: “mas porque ele foi ambicioso, eu o matei.”

A dramaticidade da versão teatral de William Shakespeare nas elegias a Cesar é afiada por sutilezas, sarcasmos, sentenças éticas e lições cortantes. A dialética fúnebre de Marco Antônio, precursora do “Eu Acuso” de Emile Zola, serviu para expor habilmente os criminosos, revelar os reais inimigos do povo romano e, sobretudo, reabilitar o imperador, vítima da emboscada, que voltou a ser venerado após a oratória de Marco Antônio. Todos os envolvidos na conspiração eram “homens honrados”. Brutus, o apunhalador, adorado como filho por César, “é um homem honrado”, escarneceu Marco Antônio. “Ó Justiça! Fostes morar com os animais selvagens, pois os homens perderam o raciocínio!”, cravou o general, revertendo o vozerio popular, comumente condenatório, justiceiro e precipitado. As 23 facadas de senadores para silenciar Júlio César foram “nos idos de março”, narra Shakespeare. O mesmo março contemporaneamente fúnebre, dolorosamente repetitivo para os brasileiros.

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Dois mil anos depois, uma vergonhosa conspirata brasileira esfaqueou outros gigantes, o Brasil e o Estado Democrático de Direito. Os vilões, que se apresentavam como paladinos, travestidos da falsa honra, camuflados em togas impuras, maquinaram a morte política de um dos maiores líderes populares nacionais e que liderava todas as intenções de votos presidenciais em 2018. Os estiletes responsáveis pelos ferimentos são os mesmos: fraudes, manipulações, conluios, armadilhas e mentiras. A tocaia por aqui também foi adornada pelas adagas, punhais e facadas, reais ou metafóricas.

Assim como em Roma, a urdidura tupiniquim foi capitaneada por muitos homens honrados do Judiciário, do Ministério Público e consentida pelos outros Poderes. Na Justiça, lacerando as leis, escoriando os códigos e rasgando o sagrado direito de defesa, Sérgio Moro reencarnou Brutus e sacou da toga a adaga contra um inocente. No MP, Deltan Dallagnol, como o cúmplice Caio Cássio, desossava a instituição e operava outros conspiradores para caçar Lula, com incisões de “power points” cegos e outras perfídias pontiagudas.

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A punhalada inaugural, pressagiando a tragédia que se avizinhava, foi desferida em 4 de março de 2016. Nesse dia o ex-juiz Sérgio Moro determinou à PF que arrastasse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de uma condução coercitiva, para depor. O ex-presidente não havia recebido nenhum convite ou intimação anterior. Lula sofreu, naquele dia nefasto de março, o primeiro de muitos talhos desleais. Às seis da manhã de uma sexta-feira, a polícia chegou à sua casa em São Bernardo do Campo, revistou a residência e levou Lula para depor por suspeita de corrupção. Era a imagem que faltava para massificar o marketing da publicidade opressiva contra Lula, na busca do consentimento social para esfaqueá-lo até a morte política. Ela foi inaugurada nos idos de março e arrematada, com o auxílio do “establishment”, meses depois.

Ainda no fatídico março, no dia 9, caracterizando a orquestração conspiratória, o Ministério Público de São Paulo denunciou o ex-presidente por lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. O MP-SP acusava Lula e sua esposa, Marisa Letícia, falecida em 2017, de ocultar a propriedade de um apartamento de luxo no Guarujá, litoral paulista. Em 16 de março, a então presidente Dilma Roussef nomeou Lula como ministro-chefe da Casa Civil, um posto que permitiria atalhar a ação persecutória e estancar a hemorragia do impeachment da ex-presidente, tramada no Congresso pelo prisioneiro Eduardo Cunha, outro homem “muito honrado”, mais “honrado” que os facínoras romanos.

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Lula tomou posse no dia 17 março e, no dia seguinte, o ministro Gilmar Mendes retalhou a nomeação. Era março e Moro vazou – ilegal e dolosamente – o áudio da ex-presidente Dilma Roussef com Lula, com o ânimo de insuflar as instituições contra a prerrogativa presidencial de escolher, nomear e demitir seus ministros. Ainda assim Moro se dizia um “homem honrado” e que a transgressão foi por amor ao Brasil. Brutus justificou o assassinato de César com a mesma forja da calhordice: “não foi por amar menos a César, mas por amar Roma ainda mais”.

Em 12 de julho de 2017 o então Sérgio Moro condenou Lula, sem um fio de prova, a nove anos de prisão pelo tríplex que pertencia formalmente e de direito a empreiteira OAS. Nos fóruns jurídicos seguintes todos os recursos tombaram, um a um. Até que, em 4 de abril de 2018, o Plenário do STF negou o habeas corpus ao ex-presidente Lula. No dia seguinte, depois de 18 horas do final do julgamento no STF, o Sérgio Moro decretou a prisão do ex-presidente Lula. No dia 7, após um segundo recurso negado no STJ, Lula e diversos apoiadores se reuniram em manifestações junto ao prédio do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo.

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O ex-presidente anunciou que iria se entregar. Deixou o local, seguiu até a sede da Polícia Federal em São Paulo e foi levado para Curitiba. Desembarcou na capital paranaense junto com o crepúsculo democrático. Padeceu por 580 dias na cela da Federal. Março tinha se ido e Moro era anunciado ao povo como um “homem honrado”. Mas outros marços viriam e a farsa revelaria os verdadeiros ambiciosos.

Em meados de 2019 explodiram centenas de provas da tocaia tramada por Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e seus asseclas para condenar ilegalmente o ex-presidente. Não se tratava, definitivamente, de homens honrados, nem de conversas honrosas. As conspirações mostram diálogos repugnantes com um propósito político nítido: condenar Lula, escudar aliados e tomar o poder de assalto. Ao sentenciar Lula, Moro navalhou a democracia e concedeu o salvo-conduto para os fascistas. Premiado com o Ministério da Justiça foi, por 14 meses, um desonrado bajulador do capitão e fez vistas grossas para muitos delitos, de ministros, do próprio Bolsonaro e da família do chefe. Por ambição política, vendeu a alma ao diabo, se tornou um delator insidioso e, posteriormente, orixá dos corruptores. As digitais indisfarçáveis, exibidas pela Vaza Jato e a operação “Spoofing” impuseram uma revisão institucional para reparar, parcial e tardiamente, a infâmia. Era, novamente, nos idos de março.

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O Brasil já estava destruído e fustigado por quarteladas dos “homens honrados”, entronizados por Sérgio Moro, o honrado original. O ministro Luiz Edson Fachin, lavajatista impenitente, decidiu no dia 8 de março de 2021 que a 13ª Vara Federal de Curitiba, que teve o ex-juiz Sérgio Moro como titular, era incompetente para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, e em duas ações envolvendo o Instituto Lula.

Fachin tentou, em vão, evitar a vergonhosa declaração da parcialidade de Moro, confirmada dias depois pela Segunda Turma da Suprema Corte. Com essa primeira decisão, as condenações do petista foram anuladas e ele recuperou todos os direitos políticos. O plenário confirmou a decisão. A Segunda Turma do STF, também nos idos de março, confirmou que Sérgio Moro foi faccioso ao julgar Lula. A decisão foi ratificada no plenário posteriormente. A anulação das ações foi o reconhecimento de que Moro e a Lava Jato perseguiram Lula e nunca permitiram um julgamento justo. Lula não teve juiz, foi julgado e condenado por um acusador travestido de magistrado. Com as duas decisões do STF “nos idos de março”, os homens honrados estavam, juridicamente, desonrados, mas o Brasil estripado.

Sérgio Moro tem a índole dolosa dos verdugos e vem desencarnando há tempos. Seu funeral é seriado. Morre um pouco a cada dia e está exangue. A publicidade dos diálogos produziu mais de 50 derrotas da Lava Jato nas três esferas do Poder. No Judiciário, a cutelaria da Lava Jato amargou derrotas emblemáticas após as conversas se tornarem públicas. Caiu a prisão após a condenação em 2 instância e o ministro Alexandre de Moraes sangrou o acordo pelo qual a Lava Jato pretendia por as mãos sujas em R$ 2,5 bi dos recursos recuperados da Petrobras.

A condenação do ex-presidente da estatal, Aldemir Bendine, foi reformada por erro processual e alcançou outras 32 sentenças. A Segunda Turma do STF também excluiu a delação fajuta de Antônio Palocci contra o ex-presidente Lula, divulgada às vésperas da eleição presidencial. Em 2020, Sérgio Moro já havia sido declarado parcial no julgamento do doleiro Paulo Roberto Krug, no escândalo do Banestado. No TSE, a senadora Selma Arruda, a “Moro de saias” foi cassada por 6×1 e o STJ também abriu investigações sobre possíveis ilegalidades da Lava Jato contra ministros daquela Corte.

No Executivo, as giletes da Lava Jato foram oxidadas e, depois, Moro e caterva foram repelidos pelos infames que elegeram e protegeram. No primeiro corte, Moro perdeu o COAF. Também começou a sangrar após escapar o controle da Polícia Federal com mexidas nas superintendências, iniciadas no Rio de Janeiro. O comando da Federal foi o motivo do expurgo definitivo do governo. No estratégico cargo de Procurador-Geral da República, Moro queria um açougueiro da sua “equipe no MP”.

Nem ao menos foi consultado na escolha de Augusto Aras, pinçado fora da lista tríplice para engavetar. O CNMP puniu os excessos de Deltan Dallagnol por 2 vezes. Deltan também foi condenado a pagar uma indenização de R$ 40 mil a uma de suas vítimas. A Lava Jato de São Paulo se dissolveu. O chefete Dallagnol saiu com o rabo entre as pernas da gerência da operação de Curitiba no final de 2020. A operação também perdeu o fio no Rio de janeiro após as denúncias contra outro atirador de facas, Marcelo Bretas. Formalmente, após fazer o serviço sujo, a operação foi dilacerada por Augusto Aras e Bolsonaro.

No Congresso Nacional os reveses dos conspiradores se acumularam. No Senado, Sérgio Moro conspirava com o grupo autointitulado “Muda Senado”. Através dele, Moro tentou enquadrar o funcionamento do STF em uma PEC e, por 3 vezes, fracassou na tentativa de instalar a CPI da toga para constranger ministros do Supremo. Também não emplacaram 2 nomes ligados a Dallagnol para o CNMP.

A Lei de Abuso de Autoridade prosperou, inclusive com a derrubada de 18 vetos presidenciais. Moro e a Lava Jato boicotaram sistematicamente a proposta. O que Sérgio Moro batizou de “pacote anticrime” foi fatiado na Câmara dos Deputados, onde mantras fascistas foram cortados, como o excludente de ilicitude, a chamada licença para matar.

A cova sob os pés de Moro começou a ser aberta há tempos. O lavajatismo cegou e não viu. O sepultamento virá com a repulsa do eleitor, que vem atirando terra no ataúde presidencial, soterrando o nome de Moro sob sete palmos. Outros nomes testados na terceira via, que participaram do cortejo fúnebre coletivo, já foram enterrados: Luciano Huck, João Amoedo, Luiz Henrique Mandetta, Alessandro Vieira e Rodrigo Pacheco. Outros entoarão o mesmo réquiem.

A soma dos votos da chamada terceira via nunca ultrapassou o segundo colocado nas pesquisas. O melhor momento foi em outubro de 2021, onde todos os candidatos desse espectro totalizaram 23% dos votos, contra 29% de Bolsonaro e 40% das intenções em Lula. Moro é um dos últimos insepultos, um morto-vivo que pressente a marcha fúnebre se avizinhando junto com seu epitáfio.

A conduta de Sérgio Moro como magistrado, a exemplo dos tribunais do Santo Ofício, confundiu deliberadamente as figuras do acusador, investigador e do julgador, corrompendo a todos. Como político, tornou-se alvo do bote da serpente que ajudou a chocar: a tirania obscurantista do bolsonarismo. Candidato, tentou trapacear no papel de iluminista, mas o legado dele, além da hipocrisia análoga à de Brutus, remete ao terror francês, onde processos precários e genéricos levaram à degolas. Iniciado com a realeza absolutista – o rei Luiz XVI e a rainha Maria Antonieta -, a guilhotina terminou no pescoço do seu correspondente, ex-ministro da Justiça, George-Jacques Danton e Maximilien de Robespierre, intitulado incorruptível, líder dos Jacobinos e ideólogo do terrorismo de Estado. A farsa do homem honrado dessa vez não colou e o aço que ensanguentou a toga de César conspurcou as togas jurídicas indistintamente na emboscada a Lula que, agora em março, disse temer um novo atentado.

Remanesce a eterna reflexão sobre a natureza dos algozes. Os carrascos e conspiradores têm a existência atormentada pelo sangue esguichado de suas guilhotinas ou das adagas traiçoeiras. O que passa em suas cabeças quando os processos se invertem e eles caminham em direção ao patíbulo para o próprio sacrifício: orgulho da vida de impiedades; escusas àqueles anônimos e eventuais inocentes que imolou; indulgência aos poderosos, que agora querem decapitá-los; apelo a um processo isonômico; o suicídio como fez Brutus ou apenas a morte silenciosa e resignada como arremate de uma vida inumana e injusta? O último capítulo do funeral de Moro guarda uma afiação profética com a fala de Brutus nas exéquias de Júlio César: “guardo a mesma adaga para mim mesmo, quando a pátria decidir que deseja minha morte”. As pesquisas parecem aguçar esse desenlace.

Na história há vencidos que se eternizaram como heróis. Há também vencedores desonrados pelo impiedoso julgamento histórico. A humanidade registra triunfos com a acidez das derrotas, quando a conquista a um custo muito elevado não vale a pena. Entre as glórias vãs, a vitória de Pirro é a mais citada. Qual o destino do marechal Phillipe Pétain, oficial francês que aderiu aos nazistas nos 4 anos de ocupação da França? A vergonha, infâmia e a condenação à morte. Qual Joaquim a história reverencia? Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, redentor e libertário, ou o homônimo Joaquim Silvério dos Reis, um coronel de cavalaria, mais um dos reles delatores, pigmeus sacralizados pelos Torquemadas da Lava Jato? A operação também experimentou um triunfo efêmero e ácido, obtido através da usurpação, ilicitudes e transgressões.

É insano achar que repetindo os mesmos erros haveria resultados diferentes. A repulsa dos eleitores é uma punição branda. “Não venho contrariar o que ele (Brutus) disse. Só vim dizer o que eu conheço e sei”, acutilou Marco Antônio, esquartejando, com a navalha da ironia, os “homens honrados” e reabilitando Cesar naqueles ambiciosos idos de março.

(Publicado no site Os Divergentes)

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