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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

203 artigos

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Os tons da guerra

Um civil treina para jogar coquetéis molotov para defender a cidade, em Zhytomyr, em 1º de março (Foto: REUTERS/Viacheslav Ratynskyi)
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Com base no que aconteceu na luta contra o nazismo, Svetlana Aleksiévitch disse que a guerra “não tem rosto de mulher”. Conta uma de suas entrevistadas: “Passei três anos na guerra... E, nesses três anos, não me senti mulher. Meu organismo perdeu a vida. Eu não menstruava, não tinha quase nenhum desejo feminino. E era bonita...” A observação parte do pressuposto de que os conflitos possuem características específicas, estilos, personalidades, traços e modos de se manifestar. Não parece improvável. Desde 1945, assistimos a vários embates de tropas, só que localizados, situações que afligiam gente longínqua, de faces obscuras. Entre as mais recentes, para não falar da Coreia ou do Vietnã, vivemos a do Iraque, do Afeganistão, da Síria, da Líbia e da Palestina, distantes, no entanto, nos ecos de sua realidade. Esta, na Ucrânia, talvez por que se passe na Europa, põe frente a frente blocos ideológicos, como se, mais uma vez, desde as Cruzadas, o Ocidente enfrentasse o Oriente, uma falácia, já que os Estados Unidos e a Rússia, no velho Atlas, se acham no mesmo pedaço do Planeta.

É verdade, seguindo a pista de Aleksiévitch, que as guerras, se não se apresentam com um rosto, apresentam-se com marcas ou tons próprios. O que era para ser localizado, uma vez que engloba apenas dois países, ultrapassa fronteiras e se internacionaliza, com as TVs e emissoras de rádio, além de jornais em uníssono, como se estivéssemos, de fato, à beira de uma catástrofe de proporções quase nucleares. O tom que emerge dos campos de batalha não condiz com o drama, nem com a comédia ou a tragédia, e sim com uma espécie de adrenalina, capaz de estragar o café da manhã nos quatro cantos do mundo. Os brasileiros, que se habituaram a conflitos armados nos seus bairros ou em embates com a polícia, sentem-se envolvidos, engajados, senão nos seus exércitos, nas opiniões que passamos a emitir e numa falta de controle fora do comum. O que ocorreu com as declarações do deputado estadual Arthur do Val, expressando-se sobre as ucranianas, soa como uma incontinência verbal a que se fez afeito dentro de um quadro político no qual chegou longe. Subiu e agora começa a cair por falta de compostura. Deve estar espantadíssimo. Mostrava-se contente, realizado, viajado, cercado de prestígio e, de uma hora para outra, fere os rigores da execração pública. Até Bolsonaro teria considerado nojentas as suas considerações - e o homem se inclina em favor dos excessos! Os episódios envolvendo Maria do Rosário, Marielle Franco e muitas jornalistas ainda estão frescos em nossa memória...

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O parlamentar se revelou pequeno, aquém do cargo que exerce e deve ser punido. Por todos, e não apenas pelas mulheres a quem, até então, julgava “fáceis”. Mas não nos espantemos. Tudo isto com certeza tem a ver com a espécie de embriaguez de uma guerra que, em princípio, não é nossa e passa a ser, diante da mobilização internacional que desencadeia nas planilhas econômicas controladas pelos nossos irmãos do norte. Que o tom dessa sinfonia desafine, transformando-se num espetáculo de dodecafonia extemporâneo, não nos choca. Nas ruas, nas escolas, nos parlamentos, nas discussões de botequins, sabe-se que desafinar faz parte do atual momento político. Para nós, que buscamos a harmonia, trata-se de uma constatação que não apazigua. E não pode apaziguar. Afinal, não é seguro que, nos silos onde se encontram, os artefatos nucleares continuem descansando. Esperamos que assim permaneçam. 

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