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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Padre Paulo Ricardo, o feminismo satânico e o evangelho que demoniza seres humanos

Não vou entrar na questão do feminismo como ideologia, porque esse não é o meu lugar de fala. Porém, como homem casado e pai de uma filha, posso ajudar a corrigir, de alguma forma, os conceitos equivocados acerca das mulheres, que o machismo estrutural nos fez absorver durante muito temp

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Não vou entrar na questão do feminismo como ideologia, porque esse não é o meu lugar de fala. Porém, como homem casado e pai de uma filha, posso ajudar a corrigir, de alguma forma, os conceitos equivocados acerca das mulheres, que o machismo estrutural nos fez absorver durante muito tempo. Em vídeo publicado no youtube neste domingo (27/06), o sacerdote católico Paulo Ricardo explica aos fiéis o porquê de o feminismo ser algo satânico.

Antes, porém, convém informar que o padre é bolsonarista e já comparou o atual presidente ao profeta João Batista, por, segundo ele, dizer a verdade. Ele também associou o suposto atentado contra Bolsonaro, a uma tentativa de silenciar essa verdade. Com esse prefácio, não é muito difícil imaginar a distopia que permeia o discurso do referido padre. Mas vamos ao foco da questão. Reproduzir e legitimar preconceitos em nome de Deus, sempre fez parte das doutrinas cristãs. Os pretos africanos foram umas das primeiras vítimas desse processo de canonização reversa.

Por séculos, a igreja católica permitiu e ajudou a propagar a ideia de que os negros não tinham alma, o que justificaria escraviza-los e impor sobre eles as mais terríveis dores. Como não eram considerados seres humanos à época, nem pelos representantes de Deus na terra, sua escravidão nunca causou nenhum tipo de constrangimento aos sacerdotes católicos e nunca motivou pregações inflamadas e cheias de unção do espírito santo, condenando um possível viés satânico na ideologia do colonizador. Até porque, a igreja também se beneficiava daquele processo escravagista. Nesse caso, o satanismo era do bem.

Vale lembrar ainda que, os seres humanos escravizados que se rebelavam contra a condição que lhes era imposta, também eram demonizados e suas reações vistas como rebeldia maligna. Afinal, era Deus, através da autoridade dada aos colonizadores e a igreja, que havia estabelecido que eles deveriam assim ser tratados. Quando o padre em questão diz que o feminismo é satânico, na verdade, ele está incomodado com a liberdade que as mulheres conquistaram ao longo dos tempos. Assim como os pretos escravizados incomodaram quando não estavam mais submetidos aos grilhões do opressor.

As falas do padre são cheias de afirmações preconceituosas e distorcidas. Algumas até hilárias, quando ele diz que mulheres que não querem ter filhos, não podem ser consideradas mulheres de verdade, e aquelas que queiram ser tão independentes quanto um homem, e que ele as definiu como: “um grande e decidido macho empresarial”, não passam de uma caricatura feminina. Considerando o feminismo como uma batalha contra o cristianismo, ele deu o seu veredicto a respeito do movimento. É satânico.

A igreja, historicamente, sempre foi uma máquina de demonizar seres humanos. A sua fogueira inquisitória sempre era mantida em brasa fumegante, à espera do próximo herege questionador. Não por coincidência, as mulheres eram os alvos preferenciais dos incendiários medievais da fé. Quem não conhece a história de Joana D’arc? Um dia queimada como bruxa e tempos depois canonizada como santa pela mesma igreja que a assassinou. Uma prova de que o “Deus” que muitos sacerdotes e líderes religiosos representam, é a imagem e semelhança da justiça brasileira. Só condena com rigor as minorias.

O mais importante a se destacar nesse “evangelho” do padre Paulo Ricardo, é o caráter nocivo transmitido através de sua mensagem.  É por causa de pregações fundamentalistas e irresponsáveis como esta, que nada têm de unção ou de verdade cristã, e que apenas demonizam e satanizam seres humanos que pensam de forma diferente ou querem desfrutar do mesmo respeito que todos os demais, é que o ódio e a intolerância se dissemina na nossa sociedade. Não é uma questão religiosa. É ausência de senso de humanidade, impor sobre os outros uma marca de perdição. É agir como um juiz do tribunal supremo de Deus.

Como sacerdote cristão, o senhor deveria ter mais luz e sabedoria do que acredita possuir e perceber que o seu discurso extremista e pouco inteligente, já foi e continua sendo responsável pelo assassinato, seja físico ou existencial, de muitas pessoas. Outro dia, um jovem homossexual foi assassinado com 3 tiros na cabeça dentro de um salão de beleza. O motivo? A intolerância e o ódio que líderes religiosos como o senhor, que exercem representatividade e influência na sociedade, estimulam, naturalizam e legitimam através de suas pregações.

Ao demonizar alguém, seja em função de ideologia, etnia, gênero, orientação sexual ou condição social, o senhor está entregando essas pessoas nas mãos dos fanáticos intolerantes que andam a solta por aí. O espírito santo que o senhor diz lhe inspirar nunca lhe advertiu quanto a isso? Qual o critério que o senhor utiliza para enviar as pessoas para o inferno? Será que o sujeito que o senhor comparou ao profeta João Batista (santa estupidez), não estaria mais credenciado ao fogo eterno do que as feministas e outros grupos que defendem o seu direito à existência? Se não, é caso de o senhor precisa rever as normas do seu direito penal divino particular.

É por essas e outras, que a minha formação e prática católica cada vez mais vem sendo substituída pela espiritualidade. Deus é um espírito de amor infinito. Não esse ser raivoso e humanizado à vontade daqueles que se julgam os doutores da sua lei na terra. É por essas e outras, que muitos seres humanos se afogam em depressão e outros transtornos emocionais, até chegando a cometerem suicídio, por terem sido satanizados e relegados a condição de “filhos do diabo” apenas por serem como são. Tem certeza que é Deus a lhe inspirar esse tipo pregação, Padre? Sei não...

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