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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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Pai e filho comunistas em conflito

Marx gostava menos ainda de discutir com o pai. À sua maneira, respeitava-o. Mas o velho era “atrasado”. E com isso Marx queria dizer que era um jovem, com ideias novas, organização nova

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Agora,  estamos em Jaboatão, e Daniel conversa camarada na casa de Karl Marx. Sincero e aberto, Marx acredita como palavras de fé a conversa de Anselmo, digo, Daniel. O agente cruza as pernas, fuma e pontifica sem dar a mínima a normas de segurança: 

- Eu tenho um contato com um cara que tem muitas armas. 

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- Armas, balas, novas? – Marx pergunta encantado. 

- É claro. Arma velha, enferrujada, eu não aceito.

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- Mas qual o tipo de arma?

- Metralhadora, fuzil. E bomba de primeira também.

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- Rapaz, é um arsenal – Marx volta. Mas pergunta: - Como é que ele tem isso tudo?

- Segredo de Estado.... é uma pessoa de total confiança.

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- Eu conheço?

- Hem? E se conhecesse, eu não diria. 

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Anselmo gargalha. Marx, sem conhecer a verdadeira razão do cômico, gargalha também. Nesse momento atravessa a sala o pai de Marx, um velho comunista, que olha para Daniel. O velho, que registrou os filhos com nomes de revolucionários, escutava a conversa deitado no seu quarto. Ele dirá a Marx, quando Anselmo/Daniel for embora: 

- Eu não gosto desse cara. 

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- Lá vem o senhor... por quê?

- Eu não confio nele. Comunista de verdade é discreto.  

- Isso foi no seu tempo, pai. Daniel é um tipo novo de comunista... Muito viajado. 

- Eu sei.... Eu conheço esses viajados. 

O velho saía resmungando porque a conversa ia azedar, e logo, logo, entrariam os dois em discussão braba, com o filho apontando o caráter reformista do partidão, e o pai respondendo que no passado conhecera aventuras de armas que não deram certo. Organização de porras-loucas ele sabia como terminava. Nada se podia fazer sem o povo, sem um trabalho de massa. 

- O senhor está aposentado.  

O velho ao ouvir isso ficava engasgado, passando mal. E logo chegava a mãe, nervosa, com um copo d’água gritando: 

- Você respeite o seu pai. Ou respeita ou sai de casa. 

- E saio mesmo – Marx respondia. E deixava a sala batendo a porta, irritado com a velharia atrasada, que desconfiava da nova revolução. 

Por isso o velho resmungava, quase a implodir num infarto, porque evitava as palavras e ações mais duras, em que ele ficava a ponto de pegar uma corda e dar umas boas lambadas no filho. “Aposentado pra luta, era só o que faltava”. O pior é que lambada não resolvia. “A solução é dialética”, ele se dizia. Mas o que podia fazer a dialética com a juventude?

- A inexperiência é dialética, companheiro? – ele perguntava a um camarada, no dominó à tarde. 

- Oxe, é nada. A inexperiência é burra. 

- Também acho. Bati!

E jogava as pedras do dominó sobre o tabuleiro. E se levantava. O que fazer com menino que não ouve a gente? “Vai tomar no oiti... E eu vou também, puta que pariu”. E saía se arrastando, falando só. O quadro que o atormentava se traduzia nos resmungos: “Isso não acaba bem. O porra não vê? Não. Vai tomar. E eu vou também. Isso é certo?”. 

Marx gostava menos ainda de discutir com o pai. À sua maneira, respeitava-o. Mas o velho era “atrasado”. E com isso Marx queria dizer que era um jovem, com ideias novas, organização nova, tinha cabelos compridos feito os Beatles, gostava de música de guitarra. O que era o PCB? Jogar dominó, tomar cachaça na barraca, ver o Chacrinha. O PCB era o velho. Gostavam até de ver o anticomunista Flávio Cavalcanti na televisão. Aí estava em que caía o velho. Mas alguma coisa fazia sentido. “Ele pode ser atrasado em política, mas conhecimento da vida ele tem”. 

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