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Urariano Mota

Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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Pandemia ou a objetividade obtusa de Tostão

Entendam. Para um homem que também é médico não se deve exigir dele que seja um Sócrates. Mas Tostão mal sabe, ou nem sabe, que a narração literária está acima da mais alta tecnologia ou invenção eletrônica, digital

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Tostão foi um dos nossos maiores craques. Depois, se tornou cronista esportivo e, justiça feita, para um jogador de futebol ele escreve muito bem. Mas aqui e ali o nosso craque no gramado comete, ou paga, o talento de uma formação para a bola. Na coluna publicada hoje na Folha de São Paulo, ele escreve: 

“Daqui a 100 anos, como a história contará a atual tragédia? Deduzo que, com as atuais tecnologia e informação, as narrativas estarão muito mais próximas da realidade e da verdade que no passado. Com o tempo, os fatos eram modificados pelas versões e pelos relatos pouco precisos, às vezes, literários”. l

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Entendam. Para um homem que também é médico não se deve exigir dele que seja um Sócrates. Mas Tostão mal sabe, ou nem sabe, que a narração literária está acima da mais alta tecnologia ou invenção eletrônica, digital. Isto é: a narração, por força do muito e bem observar, e melhor ainda meditar com as armas da arte e da poesia, por sensibilidade insubstituível  vê o que as imagens gravadas jamais serão capazes de mostrar.

Lembro de imediato Norman Mailer, que ao contar a luta decisiva de Muhammad Ali contra George Foreman, viu e nos mostrou:  

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“Faltando vinte segundos para o final do assalto, Ali atacou. Por sua própria avaliação, por aquela avaliação decorrente de vinte anos de boxe, com o conhecimento de tudo o que aprendera a respeito do que se pode e do que não se pode fazer em qualquer instante no ringue, escolheu aquela ocasião e, deitado nas cordas, acertou Foreman com uma esquerda e uma direita, saiu das cordas para atingi-lo com uma esquerda e com uma direita. Nesta última direita aplicou outra vez a luva e o antebraço, uma pancada estupefaciente que lançou Foreman aos tropeções para a frente. Enquanto ele passava diante de si, Ali acertou o lado de seu queixo e saltou das cordas, de modo a deixar Foreman próximo a elas. Pela primeira vez em toda a luta ele havia bloqueado o caminho de Foreman. Agora Ali alvejou-o com uma combinação de socos velozes como os do primeiro round, porém mais duros e mais consecutivos, três direitas capitais seguidas atingiram Foreman, depois uma esquerda, e por um instante surgiu no rosto de Foreman a consciência de que estava em perigo, e que deveria começar a procurar por uma última proteção. Seu oponente estava atacando, e não havia cordas por trás do oponente. Que deslocamento: os eixos de sua existência invertidos! Ele era o homem nas cordas! E então um grande projétil, do tamanho exato de um punho dentro da luva, penetrou no meio da mente de Foreman, o melhor soco daquela noite espantada, o soco que Ali guardara por uma carreira. os braços de Foreman voaram para os lados como os de alguém que salta de paraquedas de um avião e, nessa posição dobrada, tentou vaguear até o centro do ringue. Todo o tempo seus olhos ficaram voltados para Ali, e fitou Ali sem raiva, como se Ali fosse a pessoa que ele melhor conhecesse no mundo, que estaria com ele em seu leito de morte. A vertigem tomou George Foreman e o revolveu. Ainda dobrado pela cintura, naquela posição de incompreensão, os olhos o tempo todo em Muhammad Ali, começou a desmoronar e a ruir e a cair, mesmo não querendo ir ao chão. Ímãs mantinham sua mente nas alturas do campeonato e seu corpo buscava o chão. Foi ao chão como um mordomo de sessenta anos e um metro e oitenta, que acaba de ouvir uma notícia trágica, sim, caiu ao longo de dois demolidores segundos, ao solo foi gradualmente o campeão, e Ali voluteou em torno dele num círculo fechado, a mão pronta para atingi-lo mais uma vez, mas não precisou fazê-lo” 

Ou como expressou muito bem o maior cronista esportivo que já houve, mais conhecido pelo nome de Nelson Rodrigues: 

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- O tape é burro!

Ou seja, não existe imagem que melhor fale sem o poder da literatura. A imagem, a câmera que flagra, a mais alta  tecnologia, isolada, só ela, é burra. Ou digamos, para suavizar a sentença,  é obtusa. 

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