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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

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Pandorgas

Imaginemos um céu azul e dezenas de coloridas pipas ao vento. Aparentemente formam um grupo de pandorgas, mas cada uma é ligada por um fio a um empinador individual. Não há um nós os empinadores de pipa, há um monte de eus, cada um com seu papagaio. Não raramente alguns, naquele grupo, usam cerol para cortar a linha dos demais

Pipas (Foto: Reprodução)
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Os aplicativos de conversa virtual durante esta pandemia estão muito ativos. Em casa, milhões de brasileiros se relacionam com mais intensidade por intermédio das redes sociais com o objetivo de diminuir a sensação de isolamento.

A ideia de que haveria milhares de comunidades virtuais oportunizando interação, contudo, não é totalmente verdadeira. Cada grupo de WhatsApp, de fato, é composto por pessoas com algumas afinidades. Mas não formam comunidades inteiramente homogêneas. Esses grupos dos quais todos participamos não se configuram em um “nós”, como já percebeu o teórico sul-coreano Byung-Chul Han. São verdadeiros amontoados de “eus”, embora compartilhem determinados sensos-comuns parcelares.

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Imaginemos um céu azul e dezenas de coloridas pipas ao vento. Aparentemente formam um grupo de pandorgas, mas cada uma é ligada por um fio a um empinador individual. Não há um nós os empinadores de pipa, há um monte de eus, cada um com seu papagaio. Não raramente alguns, naquele grupo, usam cerol para cortar a linha dos demais.

Em muitos grupos nas redes sociais as afinidades, inclusive, são em menor número que as divergências (pensemos no da família), que subsistem porque cada “eu” ali presente, mesmo sem configurar um “nós”, está ligado aos demais por alguma razão individual. Não há, verdadeiramente, uma comunidade, uma unidade comum, um viver com, uma convivência. Na maioria dos grupos indivíduos que conhecem uns aos outros superficialmente (ou nem isso) partilham entre si informações, verdadeiras e falsas, fortalecendo sensos-comuns (topoi aristotélico) confirmadores de certezas que são, por iniciativa individual de um dos “eus” do grupo, compartilhadas em outros grupos semelhantes, também integrados por “eus” individuais. Não há um “nós” partilhando com, compartilhando pontos de vista. A cada conjunto desses grupos que se alimentam uns dos outros, reproduzindo as mesmas ideias, chamamos de “bolha” na internet.

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Observe-se a quantidade de informações idênticas que são postadas em um mesmo grupo ou em vários grupos de que se participe. Não há um nós, um certo número de pessoas que pense em conjunto sobre determinado tema, construindo-se consensos. Há apenas eus. Cada eu posta o que considera importante que os demais leiam. E há poucos debates ou discordâncias. Cada um divulga o que quer, para sua onanista satisfação pessoal, individual, embora todos se sintam partícipes de um coletivo, de um nós.

Forçaram-se, nos parágrafos anteriores, as redundâncias, as reiterações, exatamente a para remarcar a ideia central: os grupos na internet não são, e jamais poderiam ser, locus para produção de debatidos consensos. Não há um “nós”, há mero somatório de “eus”, cada um com sua pandorga.

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E assim se formam as tais “bolhas” na internet, formam-se antagonismos inconciliáveis conformes e conformados. Cada bolha com suas certezas absolutas, polarizadas em relação às demais bolhas, e às ideias que nelas circulam como topoi, como senso-comum.

Avalie-se o que foi dito até agora com as polêmicas da pandemia da Covid-19. São inúmeras as clivagens possíveis, mas todos percebem a polarização fundamental. De um lado os negacionistas, anticiência, anticultura, religiosos em maioria, certos de que seria uma mera gripezinha, um resfriadinho. De outro, brandindo estatísticas e argumentos lógicos, encontram-se os convencidos da necessidade do isolamento social.

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Os eus que integram cada grupo, e o conjunto de grupos em cada bolha, não conseguem e não querem conversar com os eus que integram os grupos da outra bolha. São incompatíveis. Confrontam-se. Tudo é simbólico.

De um e de outro lado sobram certezas. Se nem em cada grupo nas redes sociais existe um “nós”, menos ainda em cada bolha. Soaria mais do que ingênuo propor abstratamente um diálogo onde todos prometessem se esforçar para desejados consensos ou compromissos. As certezas não os permitem.

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Curiosamente, entretanto, apesar de não existir um “nós” todos conseguimos sem grande esforço identificar o “eles”, a turma do lado de lá. Cada eu tem seu eles, os outros, os inimigos a serem derrotados e, se possível, aniquilados. Percebem a funcionalidade desta oposição para o ideário neoliberal? O pior é que esta oposição está do lado de lá e também do lado de cá.

Simbolisticamente, há apenas pândegos pandemônios de pandorgas em nossa rede social que a brisa do Brasil beija e balança.

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O desafio segue sendo, nos limites impostos pelo modo de produção capitalista, do lado de cá, a configuração de um “nós” em substituição aos “eus” que vaidosos se expõem nas redes sociais, principalmente durante este extraordinário período de confinamento e reflexão.

Wilson Ramos Filho (Xixo) é doutor em direito, professor da UFPR e integra o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora.

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