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José Augusto Laranjeiras Sampaio

Antropólogo, conselheiro diretor da Anaí (Associação Nacional de Ação Indigenista) e professor na Universidade do Estado da Bahia - Uneb

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Povos Indígenas: Protagonismo e Sustentabilidade

Concretamente, os povos indígenas e outras comunidades tradicionais são, hoje, protagonistas do enfrentamento ao modelo predatório e concentrador dominante. Tal confronto acontece seja pelo embate territorial direto de que são capazes, bloqueando ou retardando, de fato, essa expansão predatória

(Foto: Andressa Anholete / 247)
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A importância dos povos indígenas e dos seus territórios na vida nacional tem sido subestimada em função de distorções históricas presentes na consciência dos brasileiros sobre o país e sua pluralidade étnica e cultural.

Uma dessas distorções, a "mentalidade estatística", supõe que como os indígenas seriam numericamente poucos, sua importância seria também reduzida. Outra, mais grave, a "mentalidade evolucionista", associa os indígenas ao passado e, portanto, a sua presença contemporânea como algo de importância apenas "residual".

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Apesar de serem numericamente poucos em relação às demais categorias censitárias do IBGE, os indígenas são dessas categorias, a que mais tem crescido proporcionalmente, censo a censo. É inevitável considerar, pois, que os indígenas são parte não só do passado, mas do presente e do futuro do país.

Essa dimensão de importância cresce ainda mais se considerarmos que as Terras Indígenas, demarcadas ou não - mas, em qualquer caso, garantidas pela Constituição - ocupam parcela considerável do território nacional - destacadamente na Amazônia, mas não apenas lá e inclusive em contextos urbanos - e cumprem um papel preponderante na conservação de recursos naturais e no equilíbrio, climático inclusive, do planeta.

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Desde o alinhamento de uma "nova ordem mundial" na década de 1990, e ainda mais após a crise econômica global ao final da de 2000, o Brasil é um país que se desindustrializa. Dramaticamente, o lugar reservado ao país na nova ordem econômica global é o de produtor de 'commodities' agroindustriais e minerais altamente predatórias e desgastantes de solo, de água, de eletricidade e de vidas. Soja, derivados da pecuária bovina, biocombustíveis, minério de ferro pré-processado e alumínio são todos produtos que, muito rapidamente, devoram a qualidade dos solos e consomem e poluem as águas. Em alguns casos como o da indústria de alumínio, consomem eletricidade em escala exorbitante, com altíssimo custo para o nosso patrimônio hídrico. A produção desses itens a preços confortáveis para o mercado global exige que também sejam produzidos a baixo custo, ou seja, sem investimentos em conservação dos solos e das águas. O modelo exige, pois, que se avance cada vez mais sobre áreas ainda preservadas, derrubando florestas e invadindo espaços ainda protegidos e ocupados por comunidades tradicionais, os quais, em poucos anos, estarão também degradados e improdutivos.

O modelo é também altamente concentrador de renda e de poder, como pode ser constatado no perfil dos principais grupos políticos ora dominantes: representantes do chamado agronegócio, das grandes mineradoras e do capital financeiro especulativo. Uma elite sem compromissos com a nacionalidade, mas apenas com seus próprios lucros exorbitantes, garantidos por esse esquema altamente predatório de produção de 'commodities' que o resto do mundo (América do Norte, Europa e Oriente) demanda e compra a preços vantajosos e com o ganho adicional de "terceirizarem" os altos custos ambientais e territoriais disso.

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Que forças seriam capazes de se opor a tudo isso?

Nesse cenário, intelectuais progressistas e bem-informados frequentemente nos indagam: por que esse regime "de direita" está tão empenhado em atacar os direitos constitucionais dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, pescadores e agricultores familiares etc.)? Será que o fazem apenas porque são, de fato, extremamente racistas e intolerantes?

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Evidentemente não é apenas esse o motivo. Se a nossa legislação de proteção das Terras Indígenas e de outras comunidades tradicionais fosse efetivamente cumprida e aplicada, bem como a legislação de proteção e conservação ambiental, cerca de 40% do território nacional estaria protegido em terras fora do mercado. Sim! Cada vez que se demarca uma Terra Indígena, ou quilombola, ou que se cria uma reserva extrativista, ou uma unidade de conservação, é uma fatia de território que se retira do mercado e que se preserva da sanha do capital especulativo, que alimenta e reproduz o modelo econômico altamente predatório aqui descrito.

E tal não significa que essas Terras fiquem improdutivas, muito pelo contrário. Já foi sobejamente demonstrado que a agricultura de base familiar e mesmo os modos mais tradicionais de exploração podem ser muito produtivos - e não só de alimentos - e, melhor, que podem sê-lo de modo sustentável e com mais justa distribuição da riqueza gerada.

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Evidentemente não se trata de tentar reproduzir, em alta escala, esses modelos tradicionais, inclusive porque isso não seria necessário para a produção em volume satisfatório dos principais itens básicos do nosso consumo diário.

Concretamente, os povos indígenas e outras comunidades tradicionais são, hoje, protagonistas do enfrentamento ao modelo predatório e concentrador dominante. Tal confronto acontece seja pelo embate territorial direto de que são capazes, bloqueando ou retardando, de fato, essa expansão predatória; seja pelo capital moral e simbólico que detém, acionam e inspiram nesse enfrentamento. Recentemente um conjunto de organizações indígenas sul-americanas acionou judicialmente, por perdas e danos, com grande repercussão na mídia internacional, a maior rede de supermercados da Europa ocidental, por sua cumplicidade, expressa em parcerias comerciais, com grandes empresas pecuárias responsáveis por desmatamentos na Amazônia.

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É hora de setores políticos progressistas e empenhados na construção de alternativas justas e sustentáveis de desenvolvimento para o país incorporarem de forma efetiva em suas ações a importante agenda dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais. Os setores ditos "conservadores", as elites em nada comprometidas de fato com o bem-estar dos brasileiros, claramente já se deram conta dessa importância. Com efeito, não é outra a razão pela qual, estando no controle do aparelho de Estado, investem contra esses povos e comunidades pela guerra de destituição de direitos conquistados e pelo criminoso desaparelhamento dos organismos estatais de gestão indigenista, ambiental e agrária.

Por outro lado, cumpre confiarmos na resistência histórica desses povos, que seguem na luta pelos seus modos de vida, denunciando os recorrentes genocídios e lutando com as armas e os aliados que possuem, usando as novas tecnologias da informação, o acesso à formação acadêmica e a organização política, incluindo seus jovens, mulheres e idosos.

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