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Sebastião Costa

Médico pneumologista

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Raízes do racismo

O que mudou da abolição do século XIX à democracia do século XXI?

Raízes do racismo (Foto: Tania Rego/Agência Brasil)

Um mundo sociologicamente dividido pela teoria “culturalista”,  consolidada no pós-segunda guerra pela supremacia americana, com o protestantismo individualista emitindo as linhas para a construção de uma sociedade rica, democrática. 

Essa teoria põe de um lado os países ricos, desenvolvidos, superiores e lá embaixo da linha do Equador nações pobres, subdesenvolvidas, inferiores. 

Esta dicotomia, fale-se a pura verdade, já foi bem mais perversa. 

Superiores eram os brancos que colonizavam e escravizavam os negros. A cor da pele era o único pré-requisito a definir os padrões de superioridade entre as nações. 

Teoria conhecida nas ciências sociais como “racista” e que predominou até a década de 1920.

Uma breve visita ao século XIX e entendemos melhor essa perversidade: 

Arrancados  do aconchego da família, da convivência social, de sua interação religiosa e jogados nos porões infectos dos navios. 

Dos que sobreviviam à fome, ao açoite, à humilhação, eram atirados às roças dos senhores, ao chicote dos feitores. 

Na fuga, em busca de liberdade, se deparavam com o mosquetão do capitão  do mato, com o tronco da senzala. 

Quando abolidos, os últimos a serem abolidos, foram jogados nas sarjetas da rua. Seus donos, recompensados  com o dinheiro público.

Aos pretos, a senzala, o tronco, o açoite; aos brancos italianos que aqui chegaram para compensar o vazio da mão-de-obra, casa, salário, escola. 

Bilac, 'poetizando' seus sentimentos de uma era que ele viu, viveu  e sofreu: 

“Virgens violadas em pranto, homens assados lentamente em fornos de cal, mulheres nuas recebendo na sua mísera nudez desvalida, o duplo ultraje das chicotadas e dos olhares do feitor bestial”.

No ocaso daquele século, a abolição da escravatura, as ebulições econômico-sociais, produziram profundas transformações no país.   

O Brasil em pleno processo de urbanização e os ex-escravos, analfabetos, restritos à sua prática rural, sem condições de competir com os milhões de imigrantes brancos que invadiram o sul/sudeste.  

Junte-se aí o estigma, o violento preconceito de uma sociedade de mentalidade profundamente escravocrata, e os ‘libertos'  forçados a se acomodarem como párias dentro da nova estruturação social do país, forjados a se amontoarem em guetos periféricos.

Para o sociólogo Jessé Souza, a 'ralé brasileira', uma classe ‘eternamente' condenada a ser a "escória proletária, ao ócio dissimulado, a criminalidade fortuita ou permanente...” 

E o que mudou da abolição do século XIX à democracia do século XXI? 

Um olhar mais sensível no Brasil atual e vai-se enxergar muitos discursos, muitas leis e muitos atos, sem desatar o nó do racismo, entranhado nas escolas, nas instituições, nas ruas. 

E os descendentes daqueles que foram chicoteados no tronco, habitando morros e favelas, superlotando presídios, perfurados por balas do poder público. 

Enquanto isso, a insensibilidade social, o analfabetismo sociológico em conluio com a miopia histórica, querendo forjar a ideia de que vivemos numa democracia racial.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.