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Juca Simonard

Jornalista, tradutor e professor de francês. Trabalhou como redator e editor do Diário Causa Operária entre 2018 e 2019. Auxiliar na edição de revistas, panfletos e jornais impressos do PCO, e também do jornal A Luta Contra o Golpe (tabloide unificado dos comitês pela liberdade de Lula e pelo Fora Bolsonaro).

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Luta pela independência do Quebec: movimento operário e repressão

Breve história da luta pela independência do Quebec: greves operárias, nacionalismo burguês, focos revolucionários e repressão

Manifestante preso durante a Crise de Outubro (Foto: Source Télé-Québec)
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Por Juca Simonard

Foram reveladas novas partes do dossiê de vigilância montado pela Guarda Real do Canadá (polícia federal) contra René Lévesque, um dos principais dirigentes do movimento pela independência do Québec, a parte francesa do país. Os novos fatos mostram que os federais canadenses espionaram até os hábitos mais cotidianos do político quebequense, como sua vida e seus desejos sexuais. A irmã do dirigente independentista também foi espionada.

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Uma parte do relatório da GRC foi adquirida pela imprensa canadense em 2007, mas mesmo com os extratos liberados recentemente uma boa parcela do dossiê continua escondida pelo governo do Canadá. Políticos do Parti Québécois (Partido Quebequense, PQ), fundado por Lévesque, têm denunciado um trabalho consciente do governo para esconder a história política do país.

Lévesque tornou-se uma importante liderança política quando, no início dos anos 1960, tornou-se ministro do governo Jean Lesage, que liderou um processo nacionalista burguês para desenvolver o Quebec, até então uma das regiões mais atrasadas do Canadá. O governo era do Partido Liberal (do atual primeiro-ministro Justin Trudeau, e de seu pai antes disso, Pierre Elliott Trudeau).

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Esse governo ficou conhecido por realizar a chamada “Revolução Tranquila”, um processo político de industrialização e desenvolvimento econômico do Quebec. É neste período que começa a se desenvolver o capitalismo quebequense, com o aparecimento de empresas com grande importância, como a Bombardier.

No final da década de 1960, com o aumento das mobilizações pela independência da região francófona, reivindicação histórica do povo quebequense, e portanto o acirramento da crise política, um setor da burguesia do Quebec, liderado por Lévesque, rompe com o Partido Liberal e funda o PQ com ideais independentistas. 

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Esse setor da burguesia será, porém, muito moderado e capitulador, como todo o nacionalismo das burguesias oprimidas pelo imperialismo. Enquanto o país pega fogo com a mobilização de intelectuais e operários pela independência do Quebec nas décadas de 1960, 1970 e 1980, Lévesque buscará canalizar a revolta generalizada para as instituições. 

De qualquer forma, sendo o principal líder do movimento, apesar de não ser radical, o dossiê montado contra ele mostra que era visto como um perigo para as classes dominantes, revelando que nem mesmo os setores mais moderados são aceitos no momento da política de rapina do imperialismo. A preocupação era natural.

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Batalha de Saint Eustache
Batalha de Saint-Eustache(Photo: Domínio público)

A luta pela independência do Quebec

A luta pela independência do Quebec é histórica. Remonta ao início dos conflitos entre França e Inglaterra. A região foi ocupada por colonos franceses e, ao contrário de outras colônias que acabaram sendo dominadas por ingleses, como a Louisiana, manteve uma história de resistência mesmo após o fim da guerra dos sete anos, entre as potências europeias. 

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Os quebequenses participaram ativamente da tentativa de expulsão dos invasores ingleses do Leste canadense. Quem conhece essa parte da história sabe, porém, que a guerra dos sete anos foi ganha pelos ingleses, que separaram o Quebec entre Alto e Baixo Canadá no final do século XVIII. 

O primeiro representa o que hoje em dia é o Sul da província de Ontário, a mais industrializada, onde fica a cidade de Toronto, a mais rica, e a capital, Ottawa. Essa região foi totalmente ocupada pelos ingleses. Já o Baixo Canadá é a região Sul, que hoje se chama Quebec, onde ficam as cidades de Montreal, uma das mais importantes e foco cultural do país, e a capital da província e palco de diversas revoltas e guerras.

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No século XIX, o Quebec foi palco da luta pela independência diante da Inglaterra. Um setor da burguesia e das classes médias canadenses, contra a opressão exercida pelo imperialismo inglês, funda o Partido Patriota, liderado por Louis Joseph Papineau, e se insurge no ano de 1837 contra a fraude eleitoral que daria vitória aos defensores do domínio imperialista. As eleições levam a intensas revoltas populares nas principais cidades da região, que se confrontam com a repressão dos órgãos armados ingleses.

Inicia-se a Rebelião dos Patriotas, com apoio dos setores médios, de uma burguesia local, e de um pequeno setor da classe operária, visto que a região tinha um capitalismo pouco desenvolvido diante das imposições econômicas dos ingleses. A revolta, neste sentido, pode ser comparada com as revoluções burguesas do século XVII e XVIII, principalmente com a estadunidense, que também precisou se livrar dos ingleses para desenvolver seu próprio capitalismo. A diferença é que, no Quebec, os patriotas foram derrotados. Não sem antes iniciar uma intensa guerra de guerrilhas que durou até 1838. 

Vale destacar, todavia, que a revolução burguesa quebequense não era apenas uma luta dos francófonos. A esta altura, milhares de imigrantes, a maioria da Irlanda e da Escócia (dois outros locais explorados pelo imperialismo inglês), habitavam a região e se uniram à população do Baixo Canadá para derrotar o domínio da Inglaterra.

Nem mesmo a brutal repressão e o assassinato de milhares de pessoas, militantes e inocentes, pelos ingleses, suprimiu a luta pela independência. O século XIX foi marcado por intensos confrontos. Os ingleses foram obrigados a conceder a organização das colônias em confederações, que formou o Canadá, em 1867, sem, entretanto, dá-lhes a soberania. 

Assim, a luta do povo quebequense foi fundamental no processo de formação do Canadá. Por mais que, em seguida, o Canadá anglófono tenha servido como marionete dos ingleses, mantendo a parte francesa em um profundo atraso econômico, naquele momento a união das colônias foi um progresso no sentido de que facilitou a luta política unitária e abriu o caminho para uma maior independência do país.

Ascensão dos conservadores

No século XX, apesar do desenvolvimento industrial em algumas províncias inglesas, que permitiu o crescimento da classe operária e de sua organização política, o Quebec foi deixado de fora do processo. Sem uma forte classe operária, o povo quebequense, ainda dependente de sua burguesia (também pouco desenvolvida, mas mais organizada), foi liderado por setores mais conservadores, como o empresário do ramo da imprensa Henri Bourassa, que fundou a Liga Nacionalista Canadense e liderou a luta contra a participação dos quebequenses na 1ª Guerra Mundial em 1917.

Com a Revolução Russa e o surgimento de partidos comunistas no mundo inteiro, a tendência natural era que a política da IIIª Internacional influísse também no Québec. Todavia, tendo chegado primeiro no Canadá desenvolvido, que já tinha alguma tradição com os partidos socialistas, quando chegou na província francesa o movimento já estava dominado mundialmente pelo stalinismo, que se negou a realizar uma política em defesa da independência do Quebec.

Assim, com o erro do stalinismo em não apoiar uma reivindicação histórica e o acirramento da crise política na década de 1930, após a crise de 1929, que provocou os ânimos nacionalistas, quem se beneficiou da crise foi a extrema-direita de Maurice Duplessis. Político da ala direita do Partido Liberal, com a crise política do imperialismo que levou a ascensão de regimes fascistas na Europa, Duplessis rompe com seu partido e junta-se à ala direita do Partido Conservador para fundar a União Nacional, um partido fascista que se aproveitou da vontade independentista para fazer demagogia e chegar ao poder no Quebec. O governo nunca fez nada concreto no sentido de se separar do resto do país.

Seu primeiro mandato vai de 1936 até 1939, mas volta novamente em 1944, no final da Segunda Guerra Mundial, até 1959. Esse segundo período ficou conhecido como Grande Noirceur (A Grande Escuridão). Se o Quebec já era mais atrasado em relação ao resto do país, com o governo Duplessis o atraso foi ainda maior. O chefe de Estado quebequense realizou uma política de terra arrasada que desfavorecia o desenvolvimento econômico da região, que continuava fundamentalmente agrária.

Além disso, estabeleceu um regime ditatorial contra as organizações operárias, como sindicatos e movimentos sociais, e fortaleceu o papel da Igreja Católica na província, atrelando ao clero o comando da educação, da saúde pública e de outros serviços sociais.

Greve operária em Asbestos
Mineiros em greve em Asbestos(Photo: Angèle Chamberland / The Canadian Encyclopedia)

No final da década de 1940, começam a aparecer os sinais de desgaste do governo. Em 1949, ocorre a greve dos mineiros em Asbestos; em 1952, a greve dos operários têxteis em Louisville; a greve dos mineiros de Murdochville em 1957; entre outras. Todas reprimidas pelo governo. A instabilidade política reinava.

Revolução “tranquila”, René Lévesque: a burguesia e as classes médias

Já no final da década de 1950 e início da década de 1960, no final da era Duplessis, a esquerda nacionalista volta ao cenário político. Principalmente, por meio de pequenos agrupamentos pequeno-burgueses ligados a intelectuais, como o Rassemblement pour l'indépendance nationale (Reagrupamento pela independência nacional - RIN), e de um setor da burguesia. 

É justamente em 1960 que o governo Jean Lesage, do qual Lévesque foi ministro, é eleito. Com a profunda instabilidade do governo Duplessis e a influência da Revolução Cubana e dos processos revolucionários na África (Argélia, Congo…) e na Ásia (China, Vietnã…), o governo de Lesage assume um compromisso com a burguesia quebequense, promovendo uma política de desenvolvimento econômico, e faz concessões a um setor da população.

René Lévesque, líder separatista do Quebec - Canadá
René Lévesque(Photo: Richard Emblin)

Para desenvolver a economia, o ministro responsável pelos recursos naturais, Lévesque, criou a Hydro-Québec, nacionalizando as empresa elétricas, e outras empresas estatais para desenvolver a siderurgia, o setor madeireiro, a mineração e a exploração de petróleo. Além disso, foi criado um banco estatal para investir em pequenas e médias empresas; um sistema previdenciário próprio; um novo código de trabalho, favorecendo a organização em sindicatos e permitiu a realização de greves por funcionários públicos; e outras pequenas reformas.

O governo buscava agradar um setor da burguesia da região, altamente atrasada, e conter uma possível mobilização de setores da esquerda nacionalista e de grupos da classe operária, que vinham se mobilizando com o final da era Duplessis.

O imperialismo, na época, mesmo tendo permitido o governo de Lesage e Lévesque no Quebec para conter uma possível insurreição popular, critica o caráter demasiadamente conciliador do governo. O Montreal Star, um jornal inglês publicado na província francesa, escreve em 1964 que “as autoridades são demasiadamente fracas para impedir [uma rebelião armada] e, mais alarmante do que tudo, muitas pessoas no Quebec seriam simpáticas a uma rebelião deste tipo”. (Quebec Should Denounce Terror - Louis Nadeau - março de 1964)

Lesage governará até 1966, quando a União Nacional de Duplessis volta ao poder. Era impossível conter a polarização política, o centro imperialista, que o Partido Liberal representava, se esvaziava. De um lado o RIN ganhava cada vez mais adeptos e de outro, o Ralliement National (RN), independentista de direita, também. A situação se encaminha para uma crise que atingiria todo o Canadá.

O ministro Lévesque rompe com o Partido Liberal, incapaz de dar uma solução (mesmo que burguesa) ao problema do Quebec, e funda o Mouvement Souveraineté-association (Movimento soberania-associação, MSA). Depois, busca unificar os movimentos nacionalistas em torno de seu programa que buscava uma independência relativa do Quebec em relação ao Canadá. O nome soberania-associação era referência à política por um Quebec soberano, mas também pela formação de uma aliança ao estilo da União Europeia. O RIN não aceita o programa. O MSA junta-se então com o RN e forma o Partido Quebequense (PQ), isto é, com a direita e sem a esquerda, em 1968.

Frente pela Libertação do Quebec: os revolucionários

O distúrbio da década de 1960 no Quebec deve ser compreendido com a situação política mundial. Primeiro, o imperialismo enfrentava uma dura crise com a situação colonial após a segunda guerra, tendo perdido Cuba, China, Vietnã, Índia, Argélia, Congo, etc. Segundo, essa crise atingira também as colônias na América, como o Québec. Terceiro, nos próprios países imperialistas havia uma crise imensa, como nos EUA com a luta dos negros contra a segregação racial. Quarto, o governo de Lesage, conciliador, foi uma tentativa da burguesia de entregar os anéis para não perder os dedos, fazendo algumas concessões para os trabalhadores dentro do regime político e permitindo o desenvolvimento capitalista na região, colocando também um representante da burguesia regional, como Lévesque, no poder.

Naturalmente, a medida superficial da burguesia para conter a crise, somada com o desenvolvimento desta mesma a nível internacional, não conseguiu resolver a situação. Em 1963, militantes comunistas, inspirados na luta dos povos coloniais após a 2ª Guerra Mundial, fundam a Frente de Libertação do Quebec (FLQ) e denunciam o governo e a política do stalinismo, do Partido Comunista do Canadá, contra a luta pela independência da província.

Em sua Mensagem para a nação, a FLQ afirma que desde a guerra, “diversos povos oprimidos do mundo quebraram suas correntes para adquirir a liberdade”, reforçando que “a imensa maioria destes povos derrotou o opressor e, hoje, vive livre”.

“O povo quebequense não aguenta a submissão ao domínio capitalista anglo-saxon”, continua o manifesto, que critica a própria burguesia da região. “Em Quebec, como em todos os países colonizados, o opressor furiosamente nega seu imperialismo e é apoiado nisso pela nossa chamada elite nacional”.

“Somos colonizados politicamente, socialmente e economicamente. Politicamente porque não possuímos as alavancas vitais para nossa sobrevivência”, denunciando que o governo em Ottawa controla a economia, o comércio exterior, a defesa, os créditos bancários, a imigração, as leis e assim por diante.

O manifesto também denuncia o controle de 80% do Quebec por “interesses estrangeiros”. “Nós damos a mão de obra, eles embolsam os lucros”, afirma. A FLQ denuncia a opressão cultural dos quebequenses, que precisam se submeter a uma língua estrangeira (apesar de serem os principais componentes da música folclórica do país).

O manifesto termina com palavras de ordem como “não ao colonialismo, não à exploração”, “independência ou morte” e fazendo um chamado para os trabalhadores pegarem em armas.

Os felquistas também denunciam a política stalinista. “O CCP sempre evitou prestar atenção a nossa situação, sempre ignorou nossos problemas”, afirma texto de 1965, recolhido no livro “FLQ: Un Projet Révolutionnaire”. “É significativo que o CCP ainda recusa criar uma seção autônoma quebequense”, afirmam, criticando a política “oportunista e demagógica” que quer “lucrar com o despertar do povo quebequense”.

“Se algumas de suas críticas [dos stalinistas] sobre as estruturas federais e alguns de seus ataques ao poder tornarem-se corretos, não deve ser esquecido que o CCP se opõe vigorosamente à independência do Quebec”, diz o texto. “Apesar de suas frases bombásticas, o CCP não reflete os verdadeiros interesses do povo quebequense”, denuncia.

E lembra que “durante a luta argelina pela independência, o Partido Comunista Francês e o Partido Comunista da Argélia se opuseram à FLN [Frente de Libertação Nacional], criticando o ‘nacionalismo limitado’ de seus líderes. Foi só no final da batalha que os comunistas se aliaram à causa, quando tornou-se óbvio que a independência ocorreria”.

Crise de Outubro

Desta forma, a FLQ aparecia como organização revolucionária alternativa à política de capitulação ao imperialismo da burocracia soviética, que se expressava no Canadá por meio do PC. 

No período que vai do final da década de 1960 até o fim da União Soviética, o stalinismo estava profundamente desmoralizado, tendo traído os povos oprimidos em sua luta por libertação nacional, as classes operárias dos países imperialistas (como a França) no processo pré-revolucionário de maio de 1968 e até mesmo dos Estados operários - como na Tcheco-eslováquia, Hungria e assim por diante - colocando-se contra a mobilização dos trabalhadores contra setores parasitários que controlavam os aparelhos estatais - o que é natural já que estes setores eram a base do stalinismo, que era o principal parasita do Estado operário russo.

Também, diante dos crimes cometidos por Stalin na União Soviética e da ditadura profunda dos países capitalistas nos anos de 2ª Guerra Mundial, uma boa parte da vanguarda revolucionária havia perecido ou sido desarticulada.

Por isso, não só no Quebec, como no resto do mundo, os processos revolucionários foram liderados por setores confusos que, apesar de não seguir a linha política russa, também tinham uma incompreensão sobre o marxismo. Na FLQ, baseando-se em uma concepção errada do processo revolucionário na China e em Cuba, predominava a ideia foquista, de que deveriam ser organizados núcleos de guerrilha urbana para realizar “ações diretas”, como sequestros, assaltos e assim por diante. Essas táticas, porém, estavam inicialmente desvinculadas de um trabalho de organização real da classe operária. A concepção também predominava, como é conhecido, em alguns países latino-americanos.

Os militantes da FLQ, em outubro de 1970, sequestraram, no dia 5, o representante comercial do Reino Unido James Richard Cross, e no dia 10, o advogado, jornalista e ministro provincial do Trabalho, Pierre Laporte, do Partido Liberal. O ocorrido causou uma profunda crise política nacional. Um manifesto da organização foi lido no canal aberto da Radio-Canada.

Na noite entre 15 e 16 de outubro, a pedido do governo do Quebec, de Robert Bourassa (Liberal), o governo federal, dirigido por Pierre Elliott Trudeau (pai do atual primeiro-ministro), decreta as Leis sobre medidas de guerra, instaurando o estado de sítio em Montreal. No início da manhã do dia 16, policiais vão às casas de centenas de militantes políticos, intelectuais e sindicalistas, suspeitos de colaborar com a FLQ, e os encarceram. Os documentos oficiais informam que foram 457 presos, dentre eles, a cantora Pauline Julien, o poeta Gaston Miron, o sindicalista Michel Chartrand e o jornalista Nick Auf der Maur. Em retaliação, a FLQ mata o ministro sequestrado, Laporte.

Em dezembro, dezenas de militantes, como o dirigente Paul Rose, são presos e condenados em um processo fajuto e arbitrário. A maioria deles ficarão encarcerados por mais de 10 anos.

Manifestação contra a prisão de presos políticos no Quebec
Manifestação pela libertação dos presos políticos no Quebec(Photo: Le Devoir)

Instabilidade se mantém: greves operárias

Apesar da vitória parcial contra os guerrilheiros quebequenses, a crise política não diminuiu. As prisões, a repressão e a profunda arbitrariedade que foram realizadas nos processos do final de 1970, ajudaram a reforçar a solidariedade de setores do movimento operário com a luta pela a independência. As reivindicações nacionalistas contra o imperialismo já predominavam no movimento sindical.

De 28 de março a 21 de abril de 1972, a província de Quebec é tomada por greves, com reivindicações salariais, aparecendo também, a defesa dos presos políticos e da independência da região. O movimento é reprimido no final de abril e o governo Bourassa promulga uma lei arbitrária contra as greves, que não é respeitada pelos sindicatos e leva preso os dirigentes das três principais centrais - FTQ, CEQ e CSN, respectivamente Louis Laberge, Yvon Charbonneau e Marcel Pepin.

A instabilidade dura o ano todo de 1972. A população se mobiliza contra a prisão dos sindicalistas e, diante da situação crítica, o governo realiza um acordo com os sindicatos para desmobilizar as greves.

Na segunda metade da década de 1970, com as revoluções africanas e europeias e a derrota dos norte-americanos no Vietnã, a situação do imperialismo é caótica. A crise econômica de 1974 (do petróleo), junto com mobilizações e rebeliões em todo mundo, leva a um desespero dos capitalistas.

René Lévesque, fundador do Partido Quebecois
René Lévesque com bandeiras do Quebec(Photo: Reprodução)

Lévesque chega ao poder

Em 1976, René Lévesque ganha as eleições com o PQ contra os liberais e se torna primeiro-ministro do Québec - uma concessão da burguesia aos independentistas. Naturalmente, representando um setor da burguesia, as políticas nacionalistas do novo primeiro-ministro da província são moderadas. 

Neste período, é aprovada a Lei 101, conhecida como Carta da língua francesa, que estabelece o francês como idioma oficial do Quebec. Ele também faz concessões ao movimento operário, proibindo a substituição de trabalhadores por uma empresa durante uma greve “legal” - Lei anti fura greves (como ficou conhecida); dando gratuidade à saúde dentária para jovens menores de 16 anos; etc.

Seus apelos à soberania do Quebec também são moderados, buscando não mobilizar a população, mas ao contrário tentar conseguir aliados capitalistas externos para sua causa, como os EUA, que obviamente foram contra. O presidente norte-americano Jimmy Carter disse que preferia um país unido a dois diferentes em sua fronteira no Norte, justamente pelo papel que o governo central do Canadá exercia (e ainda exerce hoje) de sustentar a política imperialista dos Estados Unidos.

A situação com o governo central de Trudeau era tensa. A ideia de Ottawa de reduzir as taxas de venda das províncias é recusada pelo primeiro-ministro quebequense. Na ocasião, o Quebec foi a única província a recusar a oferta.

A mobilização sindical de 1972 havia tido altos e baixos, mas nunca havia parado completamente, apenas tinha perdido durante os anos o seu caráter geral. Para conter as mobilizações, Lévesque, que precisava do apoio popular para se manter, fazia concessões aumentando o salário de determinadas categorias.

Com a saída de Trudeau e a chegada do governo minoritário de Joe Clark (Conservador) no poder em 1979, Lévesque acreditou que seria a oportunidade para realizar um referendo pela separação da província do resto do país. Em novembro e dezembro deste ano, o primeiro-ministro quebequense leva a questão para as instituições canadenses. Os liberais, vendo a situação caótica, retornam ao poder em fevereiro de 1980, em uma gigantesca operação para ganhar as eleições federais. 

Vale ressaltar que a proposta de Lévesque não era das mais radicais, propondo a soberania do Quebec mas elaborando um sistema de associação (ao estilo da União Europeia atualmente) com o Canadá. Mesmo assim, na época, nem as sondagens da burguesia conseguiam esconder a opinião majoritária em defesa da separação.

O referendo de 20 de maio, infelizmente, foi derrotado, com mais de 59% dos votos contrários. Porém, como nas eleições burguesas tradicionais, as manobras liberais para que isso ocorresse foram gigantescas: financiaram grupos de todos os setores para fazer a agitação contra a separação, iniciaram uma campanha de terrorismo psicológico falando sobre as supostas perdas (fim da aposentadoria, aumento da gasolina e das contas de luz, etc.) que o povo iria sofrer; e assim segue. 

O mais importante de tudo, porém, é que os liberais mantiveram presos as principais lideranças independentistas até a realização do referendo. Em 1978, dois anos antes, uma comissão de investigação montada pelo próprio Lévesque havia demonstrado que alguns dos dirigentes presos, como Paulo Rose (prisão perpétua), não se encontravam no lugar do sequestro de Pierre Laporte e, portanto, eram inocentes. Rose só será liberado dois anos depois o referendo. Meses antes de ser liberto, o Reino Unido aprovou a independência definitiva do Canadá e o governo central impôs unilateralmente uma Constituição que não foi aceita pelo Quebec.

Com isso, junto com o processo de contra revolução mundial promovido pelo neoliberalismo, a luta quebequense estava derrotada.

E agora?

Um novo referendo será realizado em 1995, durante a crise dos regimes neoliberais. Desta vez, a manobra foi tão intensa quanto 15 anos antes, mas a vitória da manutenção do Quebec no Canadá se deu por menos de 60 mil votos, em um evento onde votaram mais de 5 milhões de pessoas.

Neste período, o partido fundado por Lévesque vai se tornando cada vez mais alinhado com o neoliberalismo e as políticas do governo central, abandonando a luta pela independência da região francesa. Ele não chegou a ver a degeneração completa de seu partido, pois morreu em 1987. 

Nos anos 2000, a ala esquerda do partido começa a ser marginalizada e, em 2010, a direção expulsa um dos principais representantes da política independentista dentro do PQ, a tendência Sindicalistas e Progressistas por um Quebec Livre (SPQ Libre).

Com a atual crise capitalista mundial, a tendência é a polarização política e a retomada do movimento pela independência do Quebec. A burguesia nacional, representada por Lévesque, mostrou-se incapaz de levar adiante uma política efetiva contra o imperialismo. A solução, portanto, está na formação de um partido operário e revolucionário no país.

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