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Carlos Alberto Mattos

Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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Retrato sombrio de um país

Que hoje quase 50% da população votante apoiem resolutamente o ideário bolsonarista e façam do seu líder o fenômeno que é sugere a ideia de um país suicida

Lula e Bolsonaro estão em empate técnico no Rio e SP 16/08/2022 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Seja qual for o resultado das eleições presidenciais deste domingo, continuaremos vivendo num Brasil muito feio, uma vergonha perante o mundo. Não quero dizer com isso que não haja qualquer diferença. Se Bolsonaro ganhar, estaremos apenas confirmando nossa opção pelo inferno. Uma vitória de Lula certamente trará algum conforto moral e rasgos de esperança num combate mais vantajoso contra o fascismo. De qualquer maneira, o retrato do país não vai se livrar tão cedo da fisionomia sombria que hoje ostenta.

Saímos do processo antiprogressista iniciado em 2013 com um perfil assustador. Iludidos que éramos pelos mitos do "país do futuro", do "povo alegre e gentil" e da "democracia racial", descobrimos de repente um caldo social de conservadorismo tacanho, autoritarismo congênito e ignorância vaidosa. O atual presidente catalisou e trouxe à superfície os piores instintos de um povo largamente influenciado pelo pensamento escravocrata e o anticomunismo obtuso. Que hoje quase 50% da população votante apoiem resolutamente o ideário bolsonarista e façam do seu líder o fenômeno que é sugere simplesmente a ideia de um país suicida.

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Os contingentes bolsonaristas são formados por segmentos diversos, todos muito entranhados no tecido social brasileiro. Há o novo proletariado de extrema direita, germinado em grande parte sob a saliva dos pastores neopentecostais que sugam dinheiro dos fiéis para torrar em Dubai, Cancún, etc. Uma classe média ultraconservadora e ao mesmo tempo hipócrita forma a tropa bolsonarista nas manifestações de rua e no semeio dos preconceitos contra negros, pobres, LGBTQIA+, artistas com atuação política e qualquer representante do pensamento progressista. A elite branca e endinheirada, com poucas exceções, sustenta o discurso antiesquerda na defesa de seus interesses e privilégios.    

Entre a classe média e a elite irrompem os esbirros da violência bolsonarista, outro componente novo na paisagem política brasileira. Nunca uma campanha eleitoral foi tão abalada por crimes e agressões físicas e verbais. Eis um quadro que se instalou entre nós e promete se estender para além da passagem pelas urnas.      

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No campo institucional, vimos de eleger o pior Congresso da história democrática brasileira, apinhado de "soldados" do bolsonarismo, prontos para garantir a continuidade de seus propósitos à revelia de qualquer coloração que se instale no Planalto. A mídia corporativa opõe alguma resistência à extrema direita, mas se abstém de marcar posição firme em prol do adversário que personifica a democracia. O jogo de cena de um jornal como a Folha de S. Paulo, acendendo uma vela para Deus e logo outra para o diabo, sob o pretexto abjeto de um "apartidarismo" em hora tão grave, é mais do que ridículo. É perverso. O Judiciário, por sua vez, tem sido o único baluarte institucional a conter os excessos autoritários e a canalhice bolsonarista, ainda que tardia e timidamente. 

Há quem diga que o Brasil apenas se incorpora a uma tendência autoritarista que se espalha pelo mundo. Contudo, isso não dilui nem explica o que se passa por aqui. Basta lembrar que, salvo engano, a América Latina nunca elegeu democraticamente um presidente de extrema direita, ainda mais que elogiasse abertamente os torturadores de suas ditaduras passadas. O Brasil, por não ter punido os ditadores militares como aconteceu no Chile e na Argentina (vejam o filme Argentina, 1985), deixou propagar-se a noção de que a ditadura não foi tão cruel e pode até ser objeto de nostalgia.

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Além disso, as raízes da tragédia brasileira são muito distintas e distantes do que ocorreu na Europa ou nos Estados Unidos, onde a democracia é mais forte. Quanto a isso, sugiro a leitura da entrevista com a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, para quem a identidade do bolsonarismo é excepcionalmente forte e, em suas palavras, "talvez o Brasil seja hoje o caso mais radical da extrema direita no mundo".

Um contraponto a esse panorama tem sido a conversão de lavajatistas e antipetistas à candidatura do Lula. Este é um movimento em certos casos surpreendente, mas que significa uma linha de corte clara entre quem escolhe a democracia ou a barbárie. O ex-presidente, com seu carisma e seu histórico, tem sido o anteparo mais eficaz contra o fascismo, o que se expressa nas intenções de voto desta eleição. Mas é preciso reconhecer que mesmo sua eventual vitória logo mais não esmaece a péssima imagem do país perante nós mesmos e o resto do mundo. 

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Não tenho mais ilusões quanto à civilidade e à generosidade de uma parcela imensa do povo brasileiro. Para refundar e reconstruir o Brasil ainda teremos que lutar muito contra o horror que emana não mais somente dos poderes político e econômico, mas da própria sociedade em sua pulsão de autodestruição.    

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