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Marissom Ricardo Roso

Advogado previdenciarista. Membro da Comissão Especial de Seguridade Social - CESS da OAB Subsecção de São Borja. Vice Presidente da Subsecção no Exercício 2013/2015. Cronista Eventual no Jornal Folha de São Borja. Tradutor da obra “Layla e Majnun”

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Sensibilidade para os cegos

A mais triste das ignorâncias é aquela que, nascida do orgulho e da arrogância, é alimentada pela falta de memória e incapacidade de perceber a própria responsabilidade por suas dores

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Por Marissom Ricardo Roso

"Ninguém, talvez, a não ser o sacerdote, conheça melhor do que o advogado a vida humana, sob seus aspectos mais variados, mais dramáticos, mais dolorosos, por vezes os mais defeituosos, mas não raro, também os melhores”. (Papa Paulo IV, em pronunciamento aos membros do Conselho da Union Internacionalle des Avocatis).

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As prisões nos grandes centros urbanos de nosso país se tornaram, ao longo de sua existência, um verdadeiro horror, expressão esta usada pelo personagem de Marlon Brando, em Apocalypse Now, para definir o que foi aquela guerra no Vietnã. Assim como na guerra, nossos presídios deslocam os limites entre a civilização e a barbárie na mais pura degradação e corrupção da alma. 

Toda pessoa condenada a permanecer confinada nestas prisões por um certo período, vê desaparecer rapidamente dentro de si o que lhe restava de dignidade humana. Até mesmo os que têm breve passagem pelo cárcere, não escapam da terrível sentença. Nossos presídios são uma versão moderna da era medieval. 

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Somente os insensíveis não sabem que a prisão, da forma que a conhecemos, é uma instituição falida em seus mais de 150 anos de existência, que nunca recuperou criminosos e acabou se tornando uma escola de crimes. Michel Foucault, pensador e epistemólogo francês contemporâneo, dissecou este problema em sua obra “Vigiar e Punir - O Nascimento da Prisão”: "Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E, entretanto, não 'vemos' o que pôr no seu lugar. Ela é a detestável solução de que não se pode abrir mão”.

O sistema prisional não funciona e as reformas necessárias não são implementadas. O caráter pedagógico da Lei fica sem sentido quando se envia delinquentes para tão desumanas prisões. A Lei passa a ser uma odiosa vingança da sociedade. Mas o fato mais grave que incentiva a delinquência é a impunidade para quem tem poder neste país. O colarinho branco se protege com a legislação e o crime organizado compra sua liberdade com a corrupção.

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São inúmeras as causas da violência, mas qualquer pessoa medianamente esclarecida sabe que a exclusão social é a maior causa disto que vivemos hoje. Toda essa discussão em torno da escalada e banalização da violência está com seu norte distorcido. Mesmo assim, os verdugos de plantão, apoiados pelo sensacionalismo de alguns “comunicadores baratos”, aproveitando o atual momento de fragilidade da sociedade civil brasileira, pregam mais endurecimento e violência e aplaudem o fantasma do fascismo. 

Querem mais letalidade policial, equiparando os policiais a bandiso, mais penas e mais presídios, imaginando que violência policial aliada à severidade judicial resolverá a situação caótica em que nos encontramos. Pegando carona nesta ignorância, o governo federal se aproveita da situação, tentando canalizá-la no sentido de obter mais poder sobre o cidadão, e, por conseguinte, sobre os direitos individuais, criando um estado policial, onde qualquer “autoridade fardada” poderá cometer equívocos e abusos, pressionado por uma opinião pública equivocada. Daí, para a tortura e o assassinato oficial (chacina) será um passo.

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O problema é falta de vontade política. Os políticos legislam em causa própria. Acontece que neste país há incontáveis bandidos “trabalhando na legalidade”, que sempre escapam da mão da justiça. Seria porque dão sustentação a certos grupos de poder que acabaram se tornando mais fortes que o próprio poder de Estado? Diante desta impunidade dos poderosos e acossada pela violência banal das ruas, em que a vida humana não vale nada, cada vez mais se levantam vozes iradas que querem colocar a “escória” da sociedade em masmorras desumanas ou sob lápides de cemitérios, tudo isso, é claro, feito pelo policial, eleito para fazer o trabalho sujo. Matar em nome da sociedade.

Mas não basta apenas querer a volta de uma polícia repressiva e assassina; também não resolve atacar ideias contrárias à ideologia dominante, que crescem justamente devido essa falta de perspectivas positivas, desse quadro de desesperança que tomou conta do Brasil. Não é postulando a volta aos tempos dos suplícios que vamos resolver o problema. 

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A situação de insegurança se agrava e é preciso que os representantes das instituições do Estado Democrático de Direito assumam suas responsabilidades e encontrem maneiras de suprir estas deficiências. Cada vez mais, são necessárias atitudes corajosas e inovadoras por parte daqueles que tem a nobre missão de promover e dar a justiça, no sentido de buscar um equilíbrio social aos cidadãos. 

Diante deste quadro lamentável de desesperança, intolerância e ódio, com ameaças veladas ao Estado de Direito e a nossa tenra democracia, especialmente por aqueles que têm o dever guarnece-los, é necessário resistir como sempre o fizemos em momentos decisivos de nossa história, sob pena de capitularmos todos, abrindo espaço para que se levantem os moralistas de plantão para dar o golpe final na democracia com a velha desculpa de moralizar o pais.  

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 Paulo Francis em seu livro 'Cabeça de Negro' fez um comentário a respeito do que seria quando “o morro descesse para a avenida”. Parece que este momento se aproxima e o ajuste de contas terá um preço muito alto se continuarmos sem debater propostas sérias a respeito deste crescimento dos excluídos. A sociedade civil precisa assumir o seu papel na construção da cidadania.

Muitos estigmatizam os advogados, especialmente os que atuam na área do direito criminal como desajustados sociais. Porém, assim como os poetas, eles possuem sensibilidade para compreender a natureza humana. Talvez seja o momento de convocarmos então, os poetas. A sensibilidade que falta ao legislador, estes possuem em abundância.

Pascal, mais que Hume, é frequentemente cínico. Mas não transige quanto ao essencial: “A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica”. Não são os justos que prevalecem; são os mais fortes, sempre. Mas isso, que proíbe sonhar, não proíbe combater. Pela justiça? Por que não, se nós a amamos? A impotência é fatal; a tirania é odiosa. Portanto, é necessário “pôr a justiça e a força juntas”; é para isso que a política serve e é isso que a torna necessária (André Comte-Esponville – Pequeno Tratado das Grandes Virtudes).

Na política é a mesma coisa. Direito e política estão juntos, caminham de mãos dadas. No simples ato de falar, já estamos fazendo política. Reflitamos as contradições sociais. Esta história de "o mundo sou eu e minhas circunstâncias" já não serve mais, pois a verdade absoluta é o fundamento do fascismo.  Não estamos aqui para participar de um pacto de mediocridade. Nós podemos mudar as coisas, sim, pois a lei a qual ambicionamos deve eliminar o sofrimento e concretizar a esperança. Acreditamos que a justiça é a virtude que respeita a igualdade dos direitos, dando a cada um o que lhe é devido.

No entanto, a voracidade deste modelo econômico liberal criou um ambiente que acentua o trágico panorama social, que aliado à ineficiência do Estado, alimenta cada vez mais o confronto entre os interesses coletivos e difusos e os interesses meramente individuais. Entendo que, numa época em que os conflitos sociais se acentuam, mais do nunca é preciso abandonar a interpretação procustiana de códigos esclerosados, que se tornaram verdadeiras instituições jurássicas, cheias de excrescências, como sendo obras onipotentes capazes de resolver todos os problemas, sem atender a esta complexidade social rica em novos direitos, novos temas, novos problemas.

A mais triste das ignorâncias é aquela que, nascida do orgulho e da arrogância, é alimentada pela falta de memória e incapacidade de perceber a própria responsabilidade por suas dores.

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