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Dennis de Oliveira

É professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP

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Sergio Fernando Moro

"Assim como o gerente de RH que demitiu um monte de colegas a mando do dono da empresa e depois também é dispensado, Sérgio Moro já cumpriu sua função, agora é descartado", escreve o professor da Escola de Comunicações e Artes da USP Dennis de Oliveira

Sérgio Moro (Foto: Divulgação)
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Por Dennis de Oliveira 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Sergio Moro é como aqueles gerentes de recursos humanos que acham que detém o poder de demitir pessoas a mando do dono da empresa. Não tem a capacidade de entender que apenas gerenciam as máquinas administrativas do grande capital. Os reais detentores do poder – os donos do capital – não querem sujar as mãos neste serviço. Por isto, contratam estas figuras. E o pior é que muitos delas acreditam que tem o mesmo poder dos capitalistas. São também “assalariados”, embora possam até ganhar mais.

A ditadura militar 1964/85 teve o papel de intensificar a modernização da economia do país por meio da integração via mercado de consumo. As classes médias urbanas formadas nos anos 1970, particularmente nos idos do “milagre econômico” passaram a exercer sua consciência-cidadã frequentando o comercio e tendo acesso a bens de consumo que, tempos atrás, era privativo somente da alta burguesia: carros do ano, eletrodomésticos, equipamento eletrônicos.

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Paralelamente a isto, a despolitização do ambiente universitário, com a brutal repressão aos movimentos estudantil e docente, a interdição do debate intelectual mais qualificado, a expansão desenfreada e desprovida de qualidade do ensino particular, contribuiu para formar uma burocracia administrativa privada e pública adequada a esta sociabilidade do consumo.

Outro aspecto é que esta sociedade “moderna urbana” formada na ditadura militar foi integrada nacionalmente pelo discurso midiático, particularmente o televisivo.[1] A formação do mercado cultural de massas ocorreu em um contexto de brutal repressão política, razão pela qual o que se passou nas bandas de cá é muito distinto do que Paul Lazarsfeld e Robert Merton chama de uma disfunção narcotizante. No texto “Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada”, eles apontaram que o excesso de informações gera uma sensação de impotência, que “narcotiza os indivíduos” e isto geraria pessoas apáticas, algo disfuncional para uma sociedade democrática.[2] Ainda que se possa questionar até que ponto esta ação é disfuncional para a democracia burguesa, em uma ditadura militar no qual todos os direitos de cidadania estão interditados, esta narcotização é mais que funcional.

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O resultado disto é uma geração de burocratas técnicos, sem qualquer noção de subjetividade política e/ou democrática, fruidora da cultura midiática e cuja única forma de expressão social é a distinção pelo consumo. Com isto, a burguesia no Brasil conta com um estoque de pessoas capazes de exercer o papel de “classes reinantes” sem qualquer risco de serem inadequadas ao sistema.[3] Mais que isto, classes reinantes que assumem o papel de protagonistas na execução plena do projeto de capitalismo dependente no país.

Os dados mostram o papel que a Operação Lava Jato teve na destruição dos principais pilares de desenvolvimento econômico nacional – desde as grandes empreiteiras de obras públicas que acumularam uma tecnologia sofisticada na execução de grandes obras em países tropicais até a Petrobrás que estava se consolidando como empresa estatal indutora de uma cadeia produtiva nacional importante na estratégia área da energia petrolífera.

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O resultado disto estamos sentindo no bolso agora: transformada meramente em uma empresa extratora de petróleo submetida a cadeia produtiva transnacional e voltada apenas ao atendimento dos acionistas estrangeiros, o preço dos derivados foi dolarizado e os preços de gasolina, gás de cozinha, diesel sobe quase que semanalmente. Sem contar o desemprego.

Todo este processo de destruição deste projeto neodesenvolvimentista nacional teve no golpe contra a presidenta Dilma Roussef de 2016 e a eleição do Bolsonaro, em 2018, os momentos de consolidação. Daí então, o “gerente de RH” já não é mais necessário e é rifado. Assim como parcelas da classe média urbana – esta mesma que se considera classe dominante, mas são meros capatazes – que também é rifada com a crise econômica, descontrole cambial que aumentou os custos de produtos importados e viagens ao exterior e, agora, a disseminação do coronavírus.

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Atordoada com estas várias bordoadas, como um adolescente rebelde, tenta culpar todo mundo pelos problemas causados pela sua própria incapacidade de pensar para além do umbigo. Fala mal dos “políticos” esquecendo que muitos dos políticos corruptos foram eleitos com o seu voto. Fala que o Brasil não funciona, mas são os que desrespeitam leis de trânsito, sonegam imposto de renda, tentam corromper agentes públicos para tirar vantagens, jogam lixo na rua, entre outros. E culpam seus comportamentos porque os “políticos também fazem isso…”

Sergio Moro é a expressão deste segmento social. A sua posição política conservadora não se trata de mera opção ideológica e sim produto de uma forma de inserção nesta sociabilidade. A sua limitação intelectual – que também está presente em boa parte dos seus ainda “apoiadores” – o impede de ver que, ao contrário do que pensa, não só não tem poder mas é descartável. Assim como o gerente de RH que demitiu um monte de colegas a mando do dono da empresa e depois também é dispensado. Já cumpriu sua função, agora é descartado.

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Notas

[1] Sobre a formação do mercado de bens simbólicos nos anos 1970, ver ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988.

[2] LAZARSFELD, P; MERTON, R. “Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada”. In: COHN, G. (org). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Editora Nacional, 1978.

[3] O conceito de “classes reinantes” é proposto por POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.

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