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Pedro Fassoni Arruda

Cientista político e professor da PUC-SP

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Sobre o liberalismo - Parte 1

De acordo com o colunista, Pedro Fassoni Arruda, "tá rolando uma confusão gigantesca em torno do conceito de liberalismo" e, portanto, é preciso "colocar alguns pingos nos 'is'". Entenda

Ministério da Economia (Foto: REUTERS/Adriano Machado)
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Tá rolando uma confusão gigantesca em torno do conceito de liberalismo. Me permitam tentar colocar alguns pingos nos is. Comecemos pelo liberalismo político (trataremos do liberalismo econômico depois).

1. O liberalismo político tem sua matriz no pensamento de autores como John Locke, Os Federalistas, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill, entre outros.

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2. Essa doutrina propõe a limitação do poderes do Estado e a defesa dos direitos individuais. Resulta das lutas da burguesia contra o Estado absolutista, numa época em que a burguesia poderia ser considerada uma classe revolucionária.

3. Mas como limitar os poderes do Estado? Dividindo-o em diferentes ramos: Executivo (administração pública), Legislativo (promulgação de novas leis ou revogação das existentes) e Judiciário (aplicação das leis aos casos concretos). Este é o beabá e todo mundo deve saber, assim penso...

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4. As revoluções burguesas ditas "clássicas" podem ser consideradas episódios dessa luta: a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688-89), A Revolução Americana (Guerra de Independência entre 1776 e 1783) e a grande Revolução Francesa de 1789.

5. Vamos pegar como exemplo a Revolução Americana (ou estadunidense, como eu prefiro). O resultado da Independência foi o surgimento de um Estado liberal, cujos traços gerais foram delineados na Constituição aprovada na Convenção da Filadélfia, em 1787. A Constituição é todinha liberal: Tem a separação do poder nos três ramos: Presidente da República, Congresso bicameral e Suprema Corte de Justiça (além dos Executivos e Legislativos estaduais e dos tribunais inferiores)..

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6. No liberalismo político político estadunidense, os presidentes são eleitos a cada quatro anos, em eleições "idôneas", e existe a possibilidade de alternância no governo entre partidos rivais. Os representantes do povo no Congresso fiscalizam os atos do presidente da República, fazem as leis etc. A Suprema Corte é a "guardiã" da Constituição, e exerce algum tipo de controle e fiscalização dos demais poderes. Nesse sistema, onde teoricamente nenhum poder está acima dos demais, existe uma interpenetração que faz com que "o poder se torne um antídoto contra o próprio poder", como dizia Alexander Hamilton.

7. Então ali estão consagrados os direitos individuais, como a vida, a liberdade e a segurança. O povo ou seus representantes podem remover o presidente, não o reelegendo ou aprovando o impeachment. O calendário eleitoral é sempre respeitado, existe alternância no governo, o princípio da representação assegura um certo equilíbrio entre governo e sociedade etc.

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8. Tudo isso serve para caracterizar o liberalismo político como um regime democrático, certo? ERRADO! O problema é confundir liberalismo político com democracia, algo que nem mesmo um liberal como Norberto Bobbio fez. Na sua gênese, o liberalismo era tudo, menos democrático. John Locke, Thomas Jefferson e muitos outros eram defensores da escravidão e proprietários de escravos. Quando eles diziam "povo", estavam se referindo UNICAMENTE aos proprietários de terras, homens brancos e livres. Não incluíram as mulheres, os negros, os brancos "livres" que eram pobres e não tinham propriedades. Todos eles eram contra o voto universal, desconfiavam profundamente do povo.

9. "Estado de direito" e "liberalismo político" não são necessariamente democráticos. Mesmo um autor insuspeito, como o cientista político estadunidense Robert Dahl, mostrou que mesmo na segunda metade do século XX o sistema político do seu país não poderia ser considerado democrático. Leiam seu livro "How democratic is American Constitution?".

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10. O Estado liberal estadunidense é a maior máquina de guerra da história. Em nome da liberdade individual, seus líderes "carregam a democracia" em drones, mísseis, caças supersônicos e gigantescos porta-aviões. Na Grã-Bretanha, o liberal Winston Churchill foi o responsável pelos maiores genocídios do seu império, entre a primeira e a segunda guerra mundial. Hannah Arendt era racista e defendeu o regime de segregação racial nos EUA em pleno século XX. Eu poderia pincelar centenas e milhares de exemplos na história de como os defensores do liberalismo usaram essa ideologia para oprimir e subjugar outros povos e grupos sociais.

11. Marx tava certo quando explicou as revoluções burguesas da época moderna: a burguesia emancipou apenas a si mesma. Lutou contra os privilégios de outros grupos mas não abriu mão dos seus próprios privilégios. Usou a violência para conquistar (e se manter) no poder e agora acusa os oprimidos de serem violentos. Foi revolucionária, mas tornou-se conservadora assim que conquistou o monopólio do poder. A democracia é apenas uma contingência, não uma necessidade estrutural para o funcionamento desse sistema capitalista.

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