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Alexandre Aragão de Albuquerque

Escritor e Mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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Tenebroso inverno

A eleição de Lula é apenas o começo de um longo e tenebroso inverno a ser enfrentado por cada um de nós que almejamos um Brasil livre, solidário e feliz

Lula (Foto: Ricardo Stuckert)
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Em sua coluna na manhã de ontem, na Folha de São Paulo (01/11), Mônica Bergamo registrou um grande volume de críticas entre magistrados de tribunais superiores em Brasília diante da mudez de Bolsonaro sobre a vitória do presidente eleito Lula, visando estimular os protestos organizados por seus adeptos em todo país.  Segundo a jornalista, um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) disse-lhe “estarmos lidando com um moleque”. Outro integrante do Supremo afirmou que “a democracia pressupõe que você lide com autoridades que tenham consciência de sua responsabilidade, o que não seria o caso de Bolsonaro”. Essa mudez tem nome: autoritarismo, desprezo pelo outro e pela democracia.

Diante do acima exposto, a pergunta que emerge é saber a razão de não haver sido aberto processo de impeachment contra Bolsonaro, pois desde os primeiros dias de exercício da presidência da República, apresentou materialmente dezenas de razões (crimes de responsabilidade e falta de decoro) para ser afastado do cargo. Há, portanto, uma cumplicidade bem anterior de atores e instituições – da sociedade civil e política – com o autoritarismo implantado no Brasil pelas mãos do bolsonarismo nos últimos quatro anos.

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Voltando um pouco no tempo, mais exatamente no dia 11 de janeiro de 2019, diferentemente do conceito manifesto pelos ministros do Supremo sobre Bolsonaro, por ocasião de sua despedida do Comando do Exército, o general Eduardo Villas Bôas escancarou em seu discurso o projeto de poder em andamento, idealizado e defendido por ele e seu partido fardado. Em alto e bom som o general afirmou que “a nação brasileira festejava os sentimentos coletivos que se desencadearam a partir da eleição de Bolsonaro”. Pergunta-se: que sentimentos seriam esses? A exacerbação da violência, do ódio, da discriminação social e regional, do intolerância, do autoritarismo, da perda da credibilidade internacional do Brasil, do desmonte do patrimônio público e das políticas de seguridade social, da perda do poder de compra do salário mínimo, da propagação indiscriminada de mentira (fake news), do descaso com o aumento da fome da população empobrecida brasileira, da subserviência aos organismos de espionagem estadunidense (CIA)? Para Villas Bôas, os timoneiros do projeto autoritário, para desencadear tais sentimentos coletivos, seriam “Bolsonaro, o general Braga Netto e o (então) juiz Sérgio Moro” (vulgo Russo). Ou seja, a dimensão ideológica-fundamentalista-religiosa, a coerção militar, o aparato jurisdicional. Tudo muito bem projetado, esquematizado e posto em prática, como atesta a história recente.

Na tarde de ontem, finalmente, Bolsonaro veio a público reconhecer a derrota eleitoral, sem parabenizar o presidente eleito Lula, num pronunciamento de dois minutos, repleto de códigos semióticos para o seu gado seguidor em protesto nas ruas que se recusa a aceitar o resultado das urnas, bloqueando estradas, prejudicando a economia e a ordem social, cerceando o direito de ir e vir da população. Essa fração mais alucinada de sua base eleitoral, alimentada por ele diariamente via mídias digitais e no cercadinho, não aceita outra versão da realidade a não ser aquela interpretada pelo seu líder. Assim, a dubiedade do seu pronunciamento visou à criação de uma versão para insuflar seu gado-papagaio militante, mesmo diante da derrota consolidada, configurando tipicamente uma ação de “dog whistle”. Este fenômeno encontra uma fundamentação na ciência tipificado no conceito de Dissonância Cognitiva, para a qual existe uma incoerência entre atitudes (individuais ou coletivas) e realidade, em que os sujeitos fecham-se em si, acreditando (crença) estar certos em seus comportamentos, recusando-se a enxergar e a aceitar outros aspectos da realidade factual: a distância entre aquilo em que se acredita e a maneira pela qual se comporta.
Para o pesquisador e professor João Cezar de Castro Rocha (Uerj), o Brasil assiste à consolidação das condições para instauração de um estado totalitário fundamentalista religioso, propósito da extrema-direita, ao utilizar as plataforma de mídias digitais para a produção de dissonância cognitiva coletiva – um Brasil paralelo – que fratura a espinha dorsal dos valores verdadeiramente cristãos e democráticos ocidentais. A tática centra-se na despolitização do debate público, via midiosfera digital extremista, visando aumentar a presença nas redes sociais, com conteúdo abjeto, alcançando engajamentos em torno da desinformação.

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Diante do desconforto da incoerência entre a crença e a ação, é possível minimizar tal sofrimento por meio de alguns mecanismos: pela recusa à informação contrária a sua crença ou pela busca da informação que reforce o seu pensamento. Por exemplo: o cristianismo em sua doutrina social prega a partilha dos bens (Atos 2), mas muitos daqueles que têm posse não estão dispostos a atuar neste sentido distributivo; então vão atrás de outra doutrina dita cristã que justifique o seu acúmulo de bens, passando a demonizar como “comunismo” aquelas práticas estabelecidas por políticas públicas inclusivas e distributivas. Daqui se compreende o porquê de uma proliferação de igrejas neopentecostais da teologia da prosperidade: uma informação que justifica o acúmulo individual ilimitado como graça divina. Com o bolsonarismo (centrado em golpes de Estado e na eliminação física de adversários) cristaliza-se um cristianismo paralelo. 

A fidelização (fé, fides) se dá por meio do estabelecimento de um pacto: somente se informar na midiosfera bolsonarista (whatsapp, youtube, facebook, twitter, jovem pan) da extrema-direita, espécie de bíblia política desses fieis fundamentalistas, desqualificando todas as outras fontes de informação, convencidos por essa usina tóxica de desinformação, por meio de conteúdos coordenados, estrategicamente produzidos para desinformar e fazer circular as famosas fake news. Como afirmou Castro Rocha, “uma pessoa convicta é resistente à mudança; mostre fatos e estatísticas, e suas fontes serão questionadas por ela”. Se você acrescentar a essa certeza paranoica o caráter coletivo da midiosfera da extrema-direita, temos o caos cognitivo transformando-se em realidade. É o que se vive hoje no Brasil. Eis a razão do discurso de dois minutos de Bolsonaro: para nós não teve sentido, mas representou uma nova informação para o seu gado fiel.

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Pensemos. O que dizer de um homem que se casou três vezes, trocando as esposas mais velhas por outras mais jovens; que achou que fraquejou quando nasceu uma menina em vez de menino; que foi incapaz de visitar um único hospital quando as famílias enlutadas perderam 700 mil entes queridos; que foi incapaz de expressar solidariedade num gesto de compaixão pelos mortos, nem pelo árduo trabalho desenvolvido pelos profissionais de saúde pública; que riu e imitou de maneira satânica uma pessoa morrendo asfixiada pela Covid-19? Mas ainda assim, diante destes fatos reais, milhões dos assim chamados cristãos mantêm a fé de que esse homem protegerá a família cristã que ele mesmo não soube manter nem respeitar. Este é apenas um exemplo da dissonância cognitiva coletiva em movimento desenvolvida pela extrema-direita brasileira.

A eleição de Lula é apenas o começo de um longo e tenebroso inverno a ser enfrentado por cada um de nós que almejamos um Brasil livre, solidário e feliz.

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