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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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THC: Maconha!

Se você aprecia boa parte da arte produzida a partir dos anos 60, ao menos reconheça o THC, ou jogue boa parte de suas músicas e grafismos na lata do lixo

(Foto: Reuters)
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Maconha! Marijuana, Cannabis, ganja, baseado, erva, hemp. Era o ano de 1999 em Manaus, o carteiro entrega encomenda vinda de Campinas, um livro velho de capa dura. Após o folheio de primeiras páginas aparece um buraco recortado no papel, o clássico produto escamoteado em miolo de livro, cinematográfico. Muito conhecido, mesmo assim chegou sem qualquer problema. A maconha foi toda consumida recreativa, na paz total, uma república de estudantes, você nem tocou, era 1999, seu trauma de doze anos atrás, uma paranoia infernal.

Por volta de 1987. Paranoia no sentido estrito, a mania persecutória. Levou-lhe ao fundo do poço, você entrou em parafuso, largou de vez o hábito e nunca mais voltou. Não houve dependência física qualquer e por sorte a maconha não foi trampolim para drogas mais pesadas.

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THC. Ainda bem que usa-se a sigla, imaginem falarmos ácido desoxirribonucleico, o popular DNA dos exames de DNA em canais de tevê sensacionalistas com posteriores previsíveis embates entre amantes esbaforidos. THC simplifica, tetrahidrocanabinol, porção alucinógena da Cannabis. Várias outras frações, compostos com potencial medicinal. Se está no planeta Terra até hoje, passando por milhões de anos, motivos há, e muitos deles. Venenos combatem competidores, a revolucionária penicilina, fungo guerreando com bactérias.

Ler bulas é assustador, efeitos dos mais diversos, contraindicações, sintomas quase opostos dentre pacientes, um universo, assim ocorre com todas as drogas, fármacos, como queiram. Cafeína, lícita, há gente que toma para dormir, de tão dependente.

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THC no sangue, pós-inalação via combustão, mucosas altamente absortivas, céu da boca, a língua, saliva. Inspirou muita gente, muita arte produzida em decorrência, de bom gosto e reconhecimento, um pró. Se você aprecia uns 90% da arte produzida a partir dos anos 60 e até o final do século recente, ao menos reconheça, ou jogue boa parte de suas músicas e grafismos na lata do lixo. Por outro lado muitos fatores contra, a paranoia de usuário, a violência associada, a ação indutora às drogas mais pesadas.

Você sempre cozinhou ovos, às vezes reparava um leve chiado, ocorre às vezes, mas nunca se deteve a isto. Pós-THC imagina e acredita ser possível que pobres pintainhos estejam clamando agonizantes em seus momentos finais. Por que não? Por que não supor que, por engano, puseram um ovo galado no meio, que se manteve morno, e você está a sacrificar um pintainho sem sequer o caráter de um abate humanitário.

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Para ficar em ornitologia, seu apartamento, minúscula varanda, dá visão ao andar de cima onde sempre vê a cloaca, o ânus, de alguns pombos, vista debaixo, na beirada da alvenaria. Pós-THC você resolve espiar por todos os cantos, vai à varanda, mira acima, como sempre vê a parte de baixo de alguns pombos, mas vivenciado o THC, no exato momento quando mira acima testemunha a cloaca de um pombo vagarosamente se dilatar e expelir a gosma das aves que é a mistura de fezes e urina juntas, um pastoso que passa a um metro de sua cabeça precipitada para fora da varanda.

Você começa a entender um bocado de conversas e sons da rua no quarteirão do bairro, crianças em geral, o que elas dizem, seus absurdos de crianças, coisas que nunca se deteve a pensar, mas agora passa a entender tudo, o que ocorre lá distante dentre aquele grupo de crianças, também o que ocorre com sua vizinha que vive encrencando com o marido frígido e franzino.

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Você sempre reparou, olhando pela janela, que um morador do bairro, distante umas dez casas, vira-e-mexe está a consertar o telhado, mas pós-THC, pela primeira vez, supôs que ele estaria montando um búnquer particular para isolar a parte de cima de um cômodo escamoteado, pois você sempre achou o vizinho meio com cara de psicopata a sequestrar adolescentes para sevícias sexuais.

Você, ao ir ao banheiro, sempre dava uma espiadela pela pequena janela basculante, via o movimento da rua, e sempre via também alguns poucos metros das fachadas de residências defronte. Nunca antes notara, pós-THC certo dia deu espiadela e pareceu coincidir um olhar fulminante, retilíneo, cirúrgico, direto aos olhos da moradora defronte, que estaria a par de seu consumo de substâncias ilícitas e, apavorada, iria em minutos lhe denunciar à Polícia Federal por tráfico internacional de drogas pesadas.

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Sempre após almoçar sentava-se em cadeira confortável, quando em casa, aos domingos. Olhava ao teto por alguns minutos, fazendo nada, esperando a comida cair bem ao estômago. Nunca gostou de ficar muito pregado à tevê, então preferia espreguiçar-se por momentos. Nunca antes. Certo dia pós-THC reparou em mancha no reboco do teto, irregular, nunca dantes, mas pós-THC notou nitidamente o semblante em perfil de um Jesus Cristo em agonia, com coroa de espinhos, sangue escorrendo e tudo o mais. Estaria pois o filho de Deus triste por presenciar o mais recente ato pecaminoso de um cordeiro desgarrado.

Chega momento insuportável, gradativo, cada vez mais as conspirações vêm à mente. Em alguns casos extremos podem evoluir à esquizofrenia. Não é exclusividade da Cannabis, outros psicotrópicos assim se comportam, dentre os mais relatados o ácido lisérgico e afins. Varia com o que há no cérebro de cada qual a usar. Prós e contras. Há tratamentos bem-sucedidos com algo próximo ao LSD em combatentes traumáticos pós-guerras.

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Para você é horrível, não valem os prós, a acurácia sensitiva, de visão, de audição, a criatividade expandida, a visão periférica ampliada, percepção de cores, de sabores, aumento do apetite e até mesmo efeito afrodisíaco e laxante. Nada vale a pena diante da paranoia, frente a entrar em ônibus cotidiano e sentir que todos os olhos estão sobre si, que até mesmo todos leem sua mente e as suas estripulias envergonhadas lá contidas. Você comprova mesmo os olhares todos diretos à sua pessoa quando se atreve a mirá-los.

Salutar haver pesquisa, mais aprofundada, sempre. Anticonvulsivo poderoso, eficaz. Leve anestésico, e tantos outros prós. Uma planta de facílimo cultivo, hoje defenestrada, com razão, por perpetuar violência, muita. Tráfico ilegal, competitivo, armado, por criminosos homicidas, corrupção policial, um contexto bastante negativo, muito sofrimento decorrente.

THC. Nicotina. Compostos químicos a adentrar a circulação sanguínea, as vias usuais, combustão ou ingestão. Ingestão, tão comum, tal qual o etanol, os elefantes que se embriagam após o consumo de frutas naturalmente fermentadas maturadas por dias ao solo abaixo das copas de árvores em clima equatorial.

Cannabis, a erva em si, integral, seus diversos componentes químicos, tudo à corrente sanguínea do organismo usuário. Café para uns é excelente e para outros, péssimo. Também os chás, coquetéis de vitaminas, uma taça de vinho, um limão tomado em jejum, a pimenta, o alho, coentro, um copo de leite morno antes de se deitar à noite, Rivotril, Lexotan.

Você sofre a ponto do desespero ao ver sua filha em convulsão, ao ver sua mãe idosa se contorcendo em dores, seu pai em estado oncológico terminal e imerso em depressão profunda. Em paralelo assiste impotente a uma carnificina desatada, a repressão policial inútil, crianças traficantes estragando seus futuros, a criminalização, o tentar enxugar gelo que sempre derreterá, vidas destruídas após o cumprimento de penas em cadeias, gente que ousou algum dia na vida ter carregado um pacote de Cannabis.

Maconha!

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