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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

218 artigos

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Transição e dissipação de capital político

Fornazieri diz que o governo eleito 'queimou' capital político por "declarações desnecessárias, falta de sinalizações e ausência de interlocutores autorizados"

Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom / Agência Brasil)
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O conceito de capital político carece ainda de uma maior precisão na teoria social, particularmente na teoria política. Por aproximação, ele pode ser definido como o capital simbólico de um sujeito político (líder, partido etc.) em termos de sua reputação e do reconhecimento de sua legitimidade, capacidade e efetividade para encaminhar escolhas, articular alianças, definir processos decisórios e efetivar soluções no âmbito de sua esfera a ação. Nestes termos, o capital político pode ser entendido como um meio disposicional de poder, este sempre entendido enquanto relações entre sujeitos. A ampliação ou redução de capital político de um sujeito ativo depende de vários fatores, que não vem ao caso aqui especificar.

A transição do governo Lula viveu, nesse pós-eleições, dois momentos paradoxais. No plano internacional, a ida de Lula e de outros integrantes de sua aliança à COP27 no Egito representou uma significativa ampliação de capital político no plano internacional. Lula e o futuro governo foram reconhecidos como sujeitos muito reputados e de larga legitimidade para encaminhar negociações e soluções no âmbito da crise ambiental global e na sua tradução particular concernente à preservação da Amazônia. A ampliação de capital político pode ser entendia como um aumento de espaço de manobra, de barganha, de negociação e de ação política.

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No plano interno, ocorreu o contrário: houve uma queima de capital político auferido nas eleições. Os motivos: declarações desnecessárias, encaminhamentos confusos, falta de sinalizações, assembleísmo representativo, ausência de interlocutores autorizados. 

Em política existem algumas virtudes cardeais. Mas na ação política vinculada à liderança e ao governo, a  virtude das virtudes é a prudência. Conceito complexo, que se vincula às escolhas, às decisões e ao agir, ele sempre se relaciona com as circunstâncias. Se é verdade que os objetivos não são definidos pelas circunstâncias, o sujeito político deve defini-los considerando as circunstâncias, o momento presente. O prudente é aquele que escolhe o fim certo no momento oportuno. Caso contrário, pode incorrer em dois erros: 1) escolher objetivos inalcançáveis, produzindo uma ação inútil; 2) escolher objetivos aquém das possibilidades e potencialidades postas pelas circunstâncias. 

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Cabe ao sujeito político escolher o momento oportuno. Este se relaciona com a produção da eficácia e a efetividade da ação e implica em o que dizer e o que fazer, no como dizer e fazer e para quem dizer e fazer. A ação política se relaciona sempre (ou deveria) com a ética da responsabilidade, com as consequências previsíveis das ações do sujeito. Se isto não for observado, muitas declarações e ações que, em princípio, parecem corretas e justas, podem produzir o dano e o dolo. A ética das convicções se presta mais à salvação das almas do que a salvação do povo. Por exemplo: criticar a “responsabilidade fiscal” porque ela proporciona o pagamento de juros absurdos ao mercado financeiro, se não se observar as regras da prudência, pode implicar justamente o aumento das taxas de juro da dívida pública. 

Além de declarações desnecessárias, ocorreram encaminhamentos confusos com a chamada PEC da transição. Durante a campanha, Lula sinalizou, corretamente, que o teto de gastos deveria acabar. Mas ao se propor que os recursos do bolsa família deveriam ficar fora do teto de gastos nos próximos quatro anos, a impressão que fica é que o teto de gastos vai continuar. 

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O fato é que durante a campanha as sinalizações acerca de como será a política econômica do governo foram escassas. Agora, já com a transição andando, as sinalizações continuam escassas e confusas. Alguns interlocutores passam a impressão de que será adotada a política econômica do governo Dilma. Esta falta de clareza provoca tensões, desconfianças, temores e alguns atores começam a apostar contra o governo. 

Em terceiro lugar, o governo de transição deveria ter alguns poucos interlocutores autorizados a negociar. Como existem muitos interlocutores, assembleias de interlocução, muitas pessoas emitindo opiniões e falando em nome da transição, acaba ninguém sabendo quem representa o que. Assim, prolifera o mercado da confusão e da especulação. Se o assembleísmo é uma boa prática democrática para determinadas coisas, não o é quando se trata de negociar decisões governamentais com atores que têm poder decisório.

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A dissipação antecipada e desnecessária de capital político causa um significativo prejuízo para o futuro do governo: fortalece Arthur Lira como forte polo político ao menos para os próximos dois anos. Seu capital político se expande em termos de poder de barganha, atratividade de aliados, capacidade de decisões, controles orçamentários (orçamento secreto) e operador político com graus aproximados de equivalência com o Palácio do Planalto. 

O governo vai criando assim uma Liradependência prematura. Se isto se configurar de fato, significa que o governo e a centro-esquerda como um todo, terão baixa capacidade de estabelecer uma disputa de equivalência hegemônica com a centro-direita, intra e extracongressual. Disputar, negociar e compor apenas no terreno das diferenças significa submeter-se à lógica hegemônica existente que é de centro-direita. É preciso considerar também que a dominação hegemônica existente, astutamente, dilui até mesmo a lógica da diferença entre os grupos que disputam a hegemonia assumindo pautas e agendas democráticas e populares, a exemplo do bolsa família e de outras políticas de mitigação da fome e da pobreza. As esquerdas precisam definir melhor o que é efetivamente uma política econômica de esquerda.

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Este risco aumenta porque os movimentos sociais tendem a assumir uma lógica de dependência do Estado, tal como ocorreu nos governos petistas anteriores.  Ao não assumirem a lógica da sociedade civil, de relação autônoma com o Estado, enfraquece-se a capacidade da luta em termos de organização e mobilização e se reforça a lógica da política comandada pelo Congresso, hegemonizado pelas forças conservadoras. 

Em contrapartida, por fim, é preciso considerar que o bolsonarismo vem desinstitucionalizando a luta política, a oposição que fará ao governo. Essa desisntitucionalização, sem abrir mão dos espaços institucionais que dispõe, sinaliza uma política de confronto, de violência. Excetuando-se as reações dos tribunais superiores, nada mais foi feito. A política da “pacificação”, do “amor”, não pode ignorar essa situação, imaginando que tudo irá refluir com o novo normal. O risco é o do governo ficar ensanduichado: de um lado, as forças da radicalização do bolsonarismo; de outro, a Liradependência. A transição precisa de um freio de arrumação.

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