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Carlos Castelo

Jornalista, sócio-fundador do grupo Língua de Trapo, um estilo sem escritor

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Trilhos urbanos

(Foto: Ricardo Botelho/Minfra)
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Cataplá-cataplé! Onde eu moro passa trem. É prata e vermelho, vai serpenteando por uma linha entre prédios e o horizonte cinza. De tempos em tempos, a composição toca em meus ouvidos o seu som de engrenagens que não sei o nome. Barulhinho bom que me faz recordar outros trens da playlist craniana:  linhas citadinas e suburbanas de São Paulo, viagens na juventude para festivais de música em Marília, o trem-foguete que liga Lisboa a Coimbra, até o meu trenzinho elétrico com carros de carga e passageiros.

A mais antiga lembrança é a do trem de Quitaúna, onde vivia a tia Ana, esposa do tenente Salim, almoxarife do 4º Batalhão de Infantaria Leve. Diferente da minha existência na Vila Romana, a vida dos quitaunenses girava em torno do transporte ferroviário. Os carros, que também passavam diante da casa dos tios, os levavam para o centro de Osasco, ao interior, e transportavam os consanguíneos à sua vida de caserna.

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Em plena ditadura militar, os extremosos parentes, me levavam para brincar dentro de tanques de guerra que haviam sido destinados a morrer, como os presos políticos, nas dependências da vila militar. Numa manhã dessas, numa cela de teto baixo, vi o homem preso. O trem passava ao fundo com o mesmo cataplá-cataplé, a velha onomatopeia de toda crônica sobre trens, quando o esfarrapado me pediu um cigarro. Como, se eu só “fumava” cigarrinhos de chocolate Pan? Talvez por isso não voltamos mais ao quartel, nem aos tanques moribundos. Mas voltei a andar nos vagões que iam da Lapa de Baixo à avenida dos Autonomistas. Num deles entendi o que era ser mulher naquela época (e agora), mesmo sendo um pirralho.

O homem alto, aproveitando a aglomeração, se encaixou nas nádegas de minha tia. Não sabia o quanto era colérica aquela mulher franzina. Dona Ana destacou um alfinete do Rotary Club que trazia na gola do paletozinho e, num movimento ágil, o espetou nos fundos do devasso. Mais expedito ainda foi o salto que o manganão deu, escapulindo, aos gritos, na estação Presidente Altino.

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Da varanda do apartamento, vendo o trem se deslocar, me ocorrem tais imagens na janela da reminiscência. Andar de metrô não é igual a se locomover numa composição de superfície. A vista não é para uma galeria subterrânea, mas para uma exposição de presépios urbanos. E eu aqui, voyeur ferroviário, acompanho seu ir e vir indo junto. Cataplá-cataplé! Como é bom ouvir um instrumento de percussão bem executado.

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