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Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

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Um País, Duas Sessões, Tantos Alvos

O novo Plano Quinquenal da China visa uma reforma econômica de "alta qualidade", um salto tecnológico e uma nova era de prosperidade comum, analisa o jornalista Pepe Escobar

Xi Jinping (Foto: Xinhua)
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Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução de Patricia Zimbres, para o 247

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É tempo de  Lianghui ("Duas Sessões") – o rito anual da liderança política, em Pequim. As estrelas do show são o principal órgão de consultoria política, a Conferência Política Consultiva Popular Chinesa, e a tradicional apresentação de um relatório de trabalho pelo primeiro-ministro ao primeiro escalão da legislatura, o Congresso Nacional do Povo (NPC).

A análise do projeto preliminar do 14º Plano Quinquenal da China se prolongará até 15 de março. Mas, nas atuais circunstâncias, não se trata apenas de 2025 (lembrem-se do Made in China 2025, que permanece em vigor). O planejamento é de longo prazo e mira alvos do projeto Vision 2035  (alcançar a "modernização socialista básica"), e até mesmo além de 2049, o 100º aniversário da República Popular da China.

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O premier Li Keqiang, apresentando o relatório de trabalho governamental para 2021, ressaltou que a meta de crescimento do PIB é de "mais de 6%" (o FMI, anteriormente, havia projetado 8,1%). Incluída aí está a criação de pelo menos 11 milhões de empregos urbanos.

Quanto à política externa, o contraste traçado por Li entre a China e o Hegêmona não poderia ser mais nítido: "A China seguirá uma política externa independente e pacífica" e promoverá a construção de um novo tipo de relações internacionais". 

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Isso é linguagem-código significando que Pequim irá trabalhar com Washington em questões específicas mas, acima de tudo, enfocará o fortalecimento das relações de comércio/investimentos/finanças com a União Europeia, a ASEAN, o Japão e o Sul Global. 

As linhas gerais do 14º Plano Quinquenal (2021-2025) para a economia chinesa já haviam sido traçadas em outubro último, na reunião plenária do Partido Comunista Chinês. O Congresso Nacional do Povo irá agora ratificá-lo. O foco principal é a política de "dupla circulação", cuja melhor definição, traduzida do mandarim, é uma "dinâmica de duplo desenvolvimento ".

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Isso significa um esforço coordenado para consolidar e expandir o mercado interno e, ao mesmo tempo, continuar a fomentar o comércio e os investimentos externos – como ocorre nos inúmeros projetos da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR). Em termos conceituais, isso representa um equilíbrio yin-yang muito sofisticado, muito taoísta.    

Em inícios de 2021, o presidente Xi Jinping, ao louvar a "convicção e resiliência chinesas, bem como nossa determinação e confiança", fez questão de ressaltar que a nação enfrenta "desafios e oportunidades sem precedentes". Ele afirmou ao Politburo que "condições sociais favoráveis" têm que ser criadas por todos os meios disponíveis até 2025, 2035 e 2049.
O que nos leva ao próximo estágio do desenvolvimento chinês.

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O alvo principal a observar é a "prosperidade em comum" (ou, melhor ainda, a prosperidade compartilhada), a ser implementada concomitantemente com inovações tecnológicas, respeito ao meio ambiente e enfrentamento pleno da "questão rural". 

Xi tem sido contundente: há desigualdade excessiva na China - regional, urbano-rural e disparidades de renda. 

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É como se, em uma leitura fria do motor dialético do materialismo histórico na China, chegássemos ao seguinte modelo. Tese: as dinastias imperiais. Antítese: Mao Tsetung. Síntese: Deng Xiaoping, seguido por algumas derivações (em especial Jiang Zemin) até chegarmos à verdadeira síntese: Xi. 

Sobre a "ameaça" chinesa

Li ressaltou o sucesso chinês na contenção interna do covid-19, na qual o país gastou pelo menos 62 bilhões de dólares. Isso deve ser visto como uma mensagem sutil, dirigida principalmente ao Sul Global, sobre a eficácia do sistema de governança da China para projetar e executar não apenas planos de  desenvolvimento complexos, mas também lidar com emergências graves. 

O que, em última análise, está em questão na comparação entre as cambaleantes democracias (neo)liberais do Ocidente e o "socialismo com características chinesas" (copyright Deng Xiaoping) é a capacidade de gerir e melhorar a vida das pessoas. Os acadêmicos chineses têm grande orgulho do ethos de seu plano de desenvolvimento nacional, definido como SMART (sigla em inglês para específico, mensurável, alcançável, relevante e com prazo determinado).

Um excelente exemplo é o de como a China, em menos de duas décadas, conseguiu retirar 800 milhões de pessoas da pobreza: uma experiência absolutamente única na história. 

Tudo o que foi dito acima raramente é mencionado, uma vez que os círculos atlanticistas vivem atolados em uma histeria de incessante demonização da China. Wang Huiyao, diretor do Centro para a China e a  Globalização, sediado em Pequim, ao menos teve o mérito de trazer para a discussão o sinólogo Kerry Brown, do King’s College, de Londres.

Baseando-se em comparações entre Leibniz - próximo a estudiosos jesuítas interessados no confucionismo - e Montesquieu – que só via um sistema despótico, autocrático e imperial – Brown reexamina 250 anos de posições extremadas sobre a China no Ocidente, observando que hoje "é mais difícil que nunca" manter um debate racional.

Ele identifica três grandes problemas.

1. Ao longo de toda a história moderna, o Ocidente jamais reconheceu a China como uma nação forte e poderosa, e tampouco admitiu a restauração de sua importância histórica. A mentalidade ocidental não está preparada para lidar com isso. 

2. O Ocidente moderno nunca pensou na China como uma potência global, no máximo como uma potência territorial. A China nunca foi vista como uma potência marítima, capaz de exercer poder fora de suas fronteiras. 

3. Propelido por uma férrea certeza quanto a seus valores, entra em cena o tão aviltado conceito de "verdadeira democracia" - o Ocidente Atlanticista não faz a mínima ideia sobre  os valores chineses. Em última análise, o Ocidente não tem o menor interesse em compreender a China. O que prevalece é a confirmação de preconceitos, reafirmando que a China representa uma "ameaça" ao Ocidente. 

Brown aponta o principal problema que atormenta qualquer acadêmico ou analista político que tente explicar a China: como comunicar sua extremamente complexa visão de mundo e como resumir a história da China em poucas palavras. Clipes de podcasts não vêm ao caso. 

Exemplos: explicar como, na China, um estarrecedor contingente de 1,3 bilhões de pessoas consegue ter acesso a algum tipo de segurança de saúde, e como 1 bilhão delas se beneficia de alguma espécie de seguridade social. Ou, também, explicar os intrincados detalhes das políticas étnicas chinesas. 

O premier Li, ao apresentar seu relatório, prometeu "forjar um forte senso de comunidade em meio ao povo chinês e incentivar todos os grupos étnicos da China a trabalharem conjuntamente para a prosperidade e o desenvolvimento coletivos". Ele não mencionou especificamente Xinjiang ou o Tibé. É uma tarefa ingrata explicar as enormes dificuldades de integrar minorias étnicas em  um projeto nacional em meio a constante histeria existente em Xinjiang, Taiwan, no Mar do Sul da China e em Hong Kong. 

Venham participar da festa 

Sejam quais forem os caprichos do Ocidente Atlanticista, o que é importante para as massas chinesas é como o novo Plano Quinquenal irá fornecer, na prática, aquilo que Xi já havia descrito como uma reforma econômica de "alta-qualidade". 

As perspectivas parecem ser muito boas para as potências econômicas de Xangai e Guangdong – que já tinham como alvo um crescimento de 6%. Hubei – onde surgiram os primeiros casos de covid-19 - já vem trabalhando com uma meta de 10%. 

Baseando-se em uma frenética atividade das mídias sociais, a confiança da opinião pública permanece sólida, levando em conta uma série de fatores. A China ganhou a "guerra sanitária" contra a covid-19 em tempo recorde; o crescimento econômico voltou; a pobreza absoluta foi erradicada, cumprindo os prazos originalmente previstos; o estado-civilização está firmemente estabelecido como uma "sociedade moderadamente próspera" 100 anos após a fundação do Partido Comunista. 

Desde o início do milênio, o PIB da China cresceu em onze vezes. Nos últimos dez anos, o PIB mais que dobrou, de 6 a 15 trilhões de dólares. Nada menos que 99 milhões de camponeses, em 832 municípios e 128 mil aldeias rurais, são os que mais recentemente foram  resgatados da pobreza absoluta.

Essa complexa economia híbrida agora se dedica a montar uma armadilha "suave" para as empresas ocidentais. Sanções? Não sejam tolos, venham para cá fazer bons negócios em um mercado de pelo menos 700 milhões de consumidores. 

Como observei no ano passado, o processo sistêmico em operação é como uma  sofisticada mistura de internacionalismo marxista e confucionismo (privilegiando a harmonia e abominando o conflito): o arcabouço de uma "comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade". Um país - aliás, um estado-civilização, focado em sua renovada missão histórica de reemergir como uma superpotência. Duas sessões. E tantos alvos - e todos eles alcançáveis. 

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