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Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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Unilateralismo Oceânico

"Os EUA não aceitam regras multilaterais marítimas, mas querem impô-las aos demais", escreve o colunista Marcelo Zero

Presidente dos EUA, Joe Biden (Foto: REUTERS/Leah Millis 16/08/2021)
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A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), conhecida como convenção de Montego Bay, é o grande instrumento internacional que regula o uso do ambiente marinho.

Embora as tentativas de elaborar tratados relativos ao Direito do Mar tenham se iniciado já em 1930, em Haia, os esforços de negociação só produziram resultados efetivos em 1958, quando foram assinadas, em Genebra, quatro convenções: mar territorial e zona contígua, plataforma continental, alto-mar e conservação dos recursos vivos.

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No entanto, os citados instrumentos não tratavam de questões cruciais, como a largura do mar territorial, por exemplo. Ademais, as convenções não levavam em consideração os anseios dos países em desenvolvimento e refletiam em demasia os interesses das grandes nações pesqueiras.

Em 1973, iniciou-se a 3ª Conferência das Nações Unidas para o Direito do Mar, que culminou com a celebração, em 1982, na cidade de Montego Bay, Jamaica, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Tal convenção inaugurou o moderno arcabouço jurídico atinente às questões marítimas.

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Tratou-se de uma clara evolução comparativamente à situação anterior.

É por meio dessa convenção que países, como o Brasil, estabelecem seus mares territoriais e a exploração econômica dos recursos dos oceanos até o limite das 200 milhas náuticas. Limite esse que pode ser estendido, em alguns casos, até 350 milhas.

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A Amazônia Azul brasileira, por exemplo, não existiria sem as regras internacionais dessa importantíssima convenção.

Por isso mesmo, a CNUDM conta com a adesão maciça de cerca de 170 países.

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Há, contudo, uma notável exceção: os EUA.

De fato, o Senado dos EUA se recusa, há décadas, a aprovar a adesão desse país à CNUDM.

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O principal argumento apresentado pelos opositores estadunidenses à CNUDM tem sido o de que, se os EUA se tornarem membros dessa convenção, esse país cederia parte da sua soberania a organizações internacionais.

Obviamente, tal aversão dos EUA ao multilateralismo e seu inflexível empenho no unilateralismo se estende a todas as áreas. O Direito do Mar e o direito marítimos não são exceções.

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O problema maior está no fato de que, assim como nas outras áreas, os EUA não aceitam regras multilaterais marítimas, mas querem impô-las aos demais. Não aceitam quaisquer ingerências em seus assuntos, mas fazem, o tempo todo, ingerências nos assuntos dos outros países.

Se autodenominam fiscais mundiais de tudo. Corrupção, direitos humanos, democracia, Direito do Mar etc. É a tal da “ordem mundial baseada em regras”. Regras por eles estabelecidas, mas que podem ser por eles mesmos violadas, de acordo com seus interesses específicos.

Um exemplo notável disso é o bloqueio dos EUA ao Órgão de Apelação da OMC, que está sem funcionar há anos porque esse país se recusa a nomear os juízes para tal instância jurídica. Como os EUA estavam perdendo muitos casos no sistema de solução de controvérsias da OMC, Washington simplesmente resolveu paralisá-lo.

Se a Transparência Internacional começar a incomodar do Departamento de Estado ou empresas dos EUA, ela seria extinta na mesma hora. Alguém duvida?

No caso específico do Direito do Mar, embora não seja parte da CNUDM, o Departamento de Estado dos EUA “estuda cuidadosamente” até que ponto a prática dos países que são membros da CNUDM é consistente com as suas obrigações ao abrigo dessa convenção.

Com efeito, o Departamento de Estado dos EUA tem todo um programa denominado Freedom of Navigation Operations (FONOPs), que se dedica julgar e policiar o cumprimento das cláusulas da CNUDM por parte, evidentemente, dos outros países.

Dessa forma, o Departamento de Estado dos EUA realizou e realiza “estudos”, no âmbito da longa série “Limites nos Mares”, sobre se as reivindicações marítimas da China no Mar da China Meridional são consistentes com a CNUDM.

Em dezembro de 2014, os EUA emitiram o “Limites nos Mares n.º 143” sobre as reivindicações marítimas da China no Mar da China Meridional. Em janeiro de 2022, os EUA emitiram o “Limites nos Mares nº 150”, de novo sobre as reivindicações marítimas da China no Mar da China Meridional.

Curiosamente, esses “estudos”, além de outros, destacam que as reivindicações da China são incompatíveis com a CNUDM. Mas as reivindicações de aliados, como Filipinas e Taiwan, seriam, é claro, compatíveis e legítimas.

Esses são apenas alguns exemplos. De fato, tais “estudos” policialescos, elaborados por um Estado que não faz parte da CNUDM, tratam de muitos outros países.

Amanhã, poderia surgir um “Limites nos Mares” afirmando que as reivindicações brasileiras sobre a extensão do uso econômico dos recursos dos mares para a plataforma estendida (350 milhas) não são compatíveis com a CNUDM. Tudo é possível, a depender dos interesses. Dos interesses dos EUA e de suas empresas.

O unilateralismo oceânico tem seus tsunamis.

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