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Economia

Michael Hudson: a economia rentista é um almoço grátis

Leia transcrição de entrevista com Michael Hudson, professor de economia na Missouri University, consultor político, comentador, autor e que foi analista econômico em Wall Street

Dólar (Foto: REUTERS/Lee Jae-Won)
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Transcrição da entrevista ao vivo de Luke Parcher no website The Real Progressives com Michael Hudson sobre o seu livro ‘The Destiny of Civilization’ [O Destino da Civilização]. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz para o Brasil 247.

Link da entrevista (70min, em inglês): 

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Luke Parcher: Tudo bem. Para aqueles que possam não me conhecer, eu sou Luke Parcher, um estudante e ativista. Eu trabalho como voluntário para o ‘Real Progressives’. Faço parte da equipe de liderança e também faço um show nos domingos, cobrindo a política e eventos atuais; e eu faço algumas entrevistas durante a semana e algumas coisas que vocês podem encontrar no ‘Real Progress in Action’.

Quero falar rapidamente sobre o ‘Real Progressives’. Se você estiver interessado a aprender mais sobre nós, você pode visitar o website www.realprogressives.org . Nós temos artigos, conteúdos, podcasts e todo tipo de coisas. E se você estiver interessado em nos ajudar, nós somos uma organização sem fins lucrativos. Você pode ir ao realprogressives.org/donate. Eu também conectar com os shows do nosso fundador e CEO, Steve Grumbine. Ele faz o papel de ‘Rogue Scholar’ [Estudioso Malandro] no YouTube no show ‘Real Progress in Action’ [Progresso Real em Ação]. Ele também faz o podcast ‘Macro N Cheese’ [Macro e Queijo], onde se pode encontrar o nosso visitante de hoje, Michael Hudson, como uma das muitas visitas fantásticas daquele podcast.

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Então, sem maiores delongas, eu gostaria de apresentar o nosso visitante de hoje. Michael é um economista, professor de economia na Universidade de Missouri, em Kansas City. Ele também é um pesquisador no Instituto Levy do Bard College. Ele foi um analista econômico em Wall Street, um consultor político, comentador e autor. Michael, muito obrigado por nos oferecer o seu tempo.

Michael Hudson: Obrigado por me convidar.

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Luke Parcher: Eu quero começar com a primeira pergunta. O título do seu livro é ‘The Destiny of Civilization: Finance Capitalism, Industrial Capitalism, or Socialism’ [O Destino da Civilização: Capitalismo Financeiro, Capitalismo Industrial, ou Socalismo].

Você pode explicar por que você inventou um título tão abrangente?

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Michael Hudson: A economia do mundo agora está se fraturando entre duas partes, os EUA e a Europa são a parte dolarizada. E esta unidade neoliberal ocidental está conduzindo a Europa e a maior parte do Sul Global a um grupo separado. Na realidade, o conflito é entre o capitalismo financeiro nos EUA e na Europa contra outros países – China, Rússia, Irã, India – que estão seguindo a éyica e a estratégia mais tradicionais do capitalismo industrial. 

A questão é: como os países se tornarão economicamente planejados? Porque todas as economias são planejadas por alguém. Nos EUA, o planejamento central foi tirado das mãos do governo e colocado em Wall Street. Na ‘City’ de Londres. Uma filosofia muito de direita. Em outros países, há uma economia mista – na China e no resto da Eurásia – e o objetivo de planejamento, criação de dinheiro e crédito deles é criar capital industrial para criar meios de produção.

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Obviamente, agora também há a limpeza ambiental, não meramente os meios de produção, mas um sistema econômico abrangente; não simplesmente criar capital fictício, capital financeiro, sem qualquer referência à base de capital industrial, juntamente os ganhos dos trabalhadores e da indústria.

Portanto, há duas filosofias econômicas e eu comecei o livro contrastando as dinâmicas do capitalismo industrial com as do capitalismo financeiro. Um objetivo do capitalismo industrial nos EUA, na Alemanha, na Inglaterra e em todos os países onde este avançou, era promover o investimento público nos monopólios de infraestrutura básica nos transportes, na educação e nos serviços de saúde.

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A ideia pe que o governo proveria estes serviços básicos e os direitos humanos básicos a taxas subsidiadas – ou gratuitamente, como no caso da educação e dos serviços de saúde – e modo que os empregadores não tivessem que pagar salários suficientemente altos aos trabalhadores, para fazer os trabalhadores pagarem pelos serviços de saúde – como nos EUA, onde 18% do PIB vai para os serviços de saúde – ou para a educação, incluindo os US$ 1,7 trilhões que vão para as dívidas de estudantes nos EUA, sem mencionar a educação que não é financiada por empréstimos.

Basicamente, o capitalismo financeiro procurou desmantelar toda a infraestrutura pública. A maior parte das fortunas financeiras da história foram acumuladas exatamente da maneira que Emile Zola descreveu – através de roubos discretos do domínio público.

Mas o capitalismo financeiro não o diz... Você não precisa roubar; você, na verdade, faz disso a sua política, doando o domínio financeiro da maneira como o presidente Yeltsin doou todos os recursos naturais, os serviços públicos, as empresas de eletricidade e tudo que gerasse renda econômica na Rússia – aquilo que gerava renda fácil, sem investimento. E você o financia.

Na verdade, desde os anos de 1980 - porém mesmo antes da Primeira Guerra Mundial – houve este movimento para evitar que as economias industriais tivessem custos baixos. Mas, ao contrário do que dizem os livros-textos, o objetivo do capitalismo financeiro é gerar economias de alto custo, aumentando o seu custo a cada ano.

Efetivamente, esta é a política explícita do Federal Reserve [“fake” banco central, na verdade é um banco privado] nos EUA. Entregue o planejamento central ao sistema bancário para, essencialmente, inflar o preço das habitações, sem hipotecas garantidas pelo governo, até o ponto no qual comprar uma casa é garantido até 43% pelo governo federal com a renda do tomador do empréstimo.

Você pega aqueles 43%, pega a parte do salário que cobre a seguridade social e os serviços de saúde, e pega os impostos; o mercado doméstico encolhe cada vez mais. E a estratégia do capital financeiro é exatamente a que existe hoje nos EUA e na Europa. Transfira todo o dinheiro dos lucros do capital industrial que são reinvestidos para criar novos meios de produção. Para expandir o capital numa economia que encolhe, na qual o setor financeiro invade cada vez mais a economia de produção e consumo, encolhendo a economia.

O resto do livro delineia como ocorreu esta transformação do capitalismo industrial em capital financeiro e como, na verdade, a luta entre os EUA e a Rússia, a China, o Iraque, o Irã e a Índia é um conflito entre sistemas econômicos. Não existe uma rivalidade, porque eles não estão tentando fazer a mesma coisa. Os objetivos dos EUA e da Europa sõa completamente diferentes dos objetivos econômicos da Eurásia. Esta é uma guerra entre sistemas econômicos. E é por isso que os EUA estão tentando evitar que outros países sigam pelo mesmo caminho para a prosperidade industrial que fez dos EUA, da Alemanha e outros países ficarem originalmente ricos.

Assim, de um lado você tem uma alta produtividade, uma economia com alto padrão de vida que existia no Ocidente e que agora está na Eurásia, em oposição a uma economia de austeridade planejada pelo FMI e os bancos centrais – como se vê na Europa. 

Luke Parcher: Fantástico. Grato por isso. Primeiro, temos aqui Virginia Cotts – uma das pessoas que estão nos ajudando nos bastidores – que tem uma pergunta, se Virginia quiser aparecer na tela e perguntar.

Virginia Cotts: Michael, eu não sou economista. Você pode explicar a deflação de dívidas – mas, também, como as dívidas sugam o dinheiro da economia real?

Uma vez, eu ouvi você dizer que o setor financeiro é a despesa operacional da economia real. Penso que estas são perguntas correlatas? Você poderia explicar isso?

Michael Hudson: A discussão clássica da deflação de dívidas estava no Volume 3 do O Capital de Marx. E Marx disse que as dívidas tendem a crescer através dos juros compostos.

Ele citou todo o mundo, de Martin Luther em diante, sobre como qualquer taxa de juros é tempo dobrado; ela dobra em alguns anos. E ela cresce exponencialmente uma curva ascendente – como X é igual ao dobro de Y. Mas a economia cresce na forma de uma curva de S; ela se afunila.

E uma das razões pela qual ela se afunila no ciclo de negócios é que o ciclo ganha impulso, as pessoas contraem cada vez mais dívidas. E, se você deve pagar uma dívida a um banqueiro, se você deve repagar um empréstimo estudantil, se você deve pagar uma dívida de cartão de crédito, se você deve pagar hipotecas ou preços crescentes por moradias, então o dinheiro que você paga ao banqueiro não fica disponível para ser gasto com bens e serviços.

Então, como você tem a razão do débito crescendo em cada economia, isso lhe tira a capacidade de gastar o seu dinheiro em bens e serviços. Neste momento, então, muitos estudantes de mestrado – você se forma na universidade e tem uma dívida estudantil, e tem de viver na casa dos seus pais porque não consegue uma hipoteca para comprar uma casa, porque os bancos lhe dizem: “Bem, você jé está pagando tanto da sua renda para a dívida estudantil e não sobra dinheiro para fazer uma hipoteca imobiliária, então você não pode fazer  uma hipoteca”.

Neste momento, você tem uma economia estadunidense sendo espremida por dívidas. Cada vez mais dinheiro é pago não só para quitar dívidas, mas também para outros custos operacionais – como cuidados de saúde e vários serviços monopolizados - que não há dinheiro  disponível para comprar bens e serviços.

A deflação de dívidas ocorre quando o crescimento da dívida excede a taxa de crescimento da economia. E isto é verdade para qualquer economia. Os modelos matemáticos mais sofisticados que eu já vi são os que eram ensinados a todos os estudantes na Babilônia, em 1750 AC.

Nós temos os modelos que contaram a eles. Eles dizem, quão rápido uma dívida se duplica com as atuais taxas de juros a 20%? Bem, isto ocorre em cinco anos. Quanto tempo leva uma dívida para se duplicar novamente? Bem, é 10 anos. Quanto tempo ela leva para se quadruplicar? Bem, 15 anos. Você vê como isto é rápido? Eles também tinham estudantes que calculavam para eles o crescimento de um rebanho de ovelhas, por exemplo, e tudo se estabilizava. E quando os estudiosos da Assíria começaram a traduzir as tabuinhas cuneiformes, eles pensaram que estas eram um relatório verdadeiro de como o rebanho crescia na realidade.

Porém, então eles descobriram que os sumérios, já no terceiro milênio, já tinham equações quadráticas e uma matemática muito sofisticada. A matemática que eles usaram há 5.000 anos estava muito mais avançada do que aquela usada pelo Bureau Nacional de Pesquisas Econômicas dos USA.

O Bureau Nacional está oficialmente encarregado de explicar quando há uma recessão, quando há uma explosão, e de explicar o ciclo de negócios. A teoria básica foi delineada e rastreada por Joseph Schumpeter. Isto é uma curva senoidal que sobe e desce regularmente, para cima e para baixo. E toda a filosofia do Bureau Nacional é uma filosofia antigovernamental de direita que a economia tem estabilizadores automáticos.

Isto não pode jamais estar fora de equilíbrio, porque o mercado livre sempre impedirá qualquer tipo de desaceleração crônica. Se você tiver uma explosão, os preços subirão e isto diminuirá os lucros e desacelerará os investimentos. E isto significa que os salários diminuirão até que seja mais lucrativo empregar trabalhadores outra vez. E você terá uma recuperação e as coisas sempre irão adiante, como numa curva senoidal, numa certa frequência, para sempre.

O que isto deixa deliberadamente fora da conta, deliberadamente expurga, é o fato que todas as recuperações nos EUA e em todos as outras economias ocidentais desde 1945, ocorreram com níveis crescentes de dívida. À medida que a dívida cresce a cada vez, cada recuperação tem sido mais lenta. E a razão pela qual esta é mais lenta se deve, à medida que o volume de dívida aumenta, isto deixa cada vez menos renda disponível para gastar com bens e serviços. Assim, então, a chamada recuperação se enfraquece, até que finalmente se paralisa.

David Ricardo antecipou alguma coisa parecida com isso em 1817, no seu livro ‘On the Principles of Political Economy’ [‘Princípios de Economia Política’]. Ele disse: Veja o que ocorrerá com as rendas agrárias. Se não evitarmos que os latifundiários sejam os planejadores da economia, então, quanto mais aumenta a população, o preço da comida aumentará, os lucros dos latifundiários crescerão cada vez mais, até que todo o superavit econômico seja pago para alugueis e não haverá oportunidade alguma disponível para os empregadores industriais. E Marx disse que isso foi o Armageddon do capitalismo.

Na época de Ricardo, as pessoas não pegavam empréstimos para comprar casas. Ainda era o tempo dos senhorios hereditários. Se os seus ancestrais conquistaram a Inglaterra e mataram um número suficiente de ingleses para se tornarem aristocratas, você herdava a terra e não tinha que pedir emprestado. Porém, agora que o setor imobiliário foi democratizado nos EUA, na Inglaterra e na Europa, você tem que contrair dívidas a fim de comprar uma casa.

E o maior valor das dívidas em todas as economias é no setor imobiliário, que responde por 80% dos empréstimos bancários nos EUA e na Inglaterra. Essencialmente, se você quiser comprar uma casa, você vai a um banco para eles calcularem – eis o valor do aluguel daquela casa. Se você estiver tentando fazer uma oferta para uma casa ou um apartamento contra outra pessoa, o ganhador é o comprador que prometa pagar a maior quantia pela propriedade, tomando um empréstimo que absorva a maior parte do aluguel como juros. Hoje em dia, o aluguel que Ricardo disse que iria levar o capitalismo a parar, é transformado em juros. Então, o aumento dos juros é o Armageddon do capitalismo industrial que faz a economia parar.

Eu mapeio a maioria destes no meu livro ‘Killing the Host’ [Matando o Hospedeiro, ainda não traduzido ao português], no qual eu faço uma história dos juros compostos. Basicamente, atualmente todas as economias ocidentais estão sujeitas à deflação das dívidas.

E é por isto que elas estão encolhendo. E os padrões de vida aqui não estão aumentando e a economia não está crescendo – em contraste com a China, a Rússia, o Irã, a Índia e outros países que não têm este tipo de setor financeiro fazendo o seu planejamento.

Luke Parcher: Eu tinha a esperança que você poderia expandir um ponto que você mencionou logo antes de entrarmos no ar, diferenciando entre diversos tipos de dívidas e quais tipos de dívidas são parasitárias e precisam ser eliminadas e quais não o são. Você poderia distingui rapidamente entre os diversos tipos de dívidas?

Michael Hudson: Nos livros-texto que os estudantes leem, as corporações tomarão empréstimos de um banco e usarão estes empréstimos para construir uma fábrica, para comprar maquinaria e para produzir alguma coisa.

E os lucros serão pagos – compartilhados meio-a-meio – com o credor. Assim, uma dívida produtiva, efetivamente, é uma dívida que capacita o tomador de pagar o empréstimo com os juros e, ainda assim, guardar algo para si mesmo. Os bancos não emprestam dinheiro para construir fábricas. Quem faz isso é o mercado de ações. O dinheiro que os bancos emprestam constituem dívidas improdutivas.

Uma dívida improdutiva é quando a dívida não o capacita a ganhar mais dinheiro para pagar o credor. Numa dívida improdutiva, você tem que ganhar dinheiro em outro lugar e pegar o dinheiro que você pode ganhar com salários ou lucros e pagar ao banco. E a perda é sua. Este é um jogo de soma zero, não é um jogo de soma positiva. 

Esta distinção entre dívida produtiva e improdutiva foi inscrita nas leis sumérias e babilônicas. Sob o ano de Jubileu que os governantes anunciaram, apenas as dívidas improdutivas eram canceladas. A palavra deles era ‘anduraram’ e o seu cognato em hebraico era ‘deror’ – e esta era a palavra usada para o ano de Jubileu.

Isto se referia às dívidas rurais –quando havia um fracasso na colheita e o tomador de empréstimo não conseguia pagar o adiantamento do aluguel da terra e outros meios de produção. Obviamente, se o mutuário não podia pagar devido a um fracasso na colheita, ou da seca, ou uma doença, ou um enchente, aí então as dívidas eram canceladas, porque aquela dívida não capacitava ninguém a repagar.

Se a dívida não fosse cancelada, o pobre cultivador seria forçado a contrair uma servidão ao credor devido à dívida. E, se ele fizesse isso, então o seu trabalho pertenceria ao credor e ele não poderia servir no exército. Ele não podia trabalhar na construção de infraestruturas públicas. As dívidas de negócio eram mantidas. As dívidas denominadas em prata eram mantidas e não eram canceladas. As dívidas denominadas em grãos eram canceladas.

Nos séculos XII e XIII os cruzados inundaram a Europa com dinheiro. A Igreja Cristã viu o comércio reviver. O crédito era necessário. Os teóricos a igreja diziam que esta era uma dívida produtiva. Se concediam empréstimos aos mercadores para fazer comércio. Eles tinham dinheiro para repagar, isto era produtivo. Porém, uma dívida para um consumidor que não podia pagar era considerada como usura. Assim, as línguas antigas não tinham palavras diferentes para distinguir juros de usura.

Mas os homens da igreja diziam que a usura era uma dívida improdutiva e que os juros eram dívidas produtivas. Segundo o seu significado original, estas duas palavras distinguiam entre juros e usura. Hoje em dia isto foi erradicado, tudo é considerado produtivo e parte de um mercado livre. Se isso enriquece a classe bilionária, então é produtivo. Esta é a coisa básica atualmente.

As únicas dívidas que se supõe que devam ser canceladas são as dívidas contraídas pelo setor financeiro. Os bancos não têm que pagar aos bilionários. Somente pessoas que têm menos de um bilhão de dólares têm que pagar dívidas. Quanto mais pobre você é, mais dívidas você terá que pagar. Eles inverteram todos os últimos milhares de anos de moralidade cristã, à medida que a igreja foi privatizada e financeirizada.

Luke Parcher: Fantástico. Temos uma pergunta aqui no chat. Esta é de L. Lewis e diz que a China optou pela industrialização e a classe corporativa estadunidense não fez isso. Por eu os EUA são tão beligerantes se não querem sequer ter um sistema industrial?

Michael Hudson: Porque eles não querem que qualquer outro país tenha um sistema industrial. Exatamente como o Ocidente lutou contra o comunismo ameaçando um novo sistema social depois da revolução de 1917, os EUA ficam aterrorizados se a China tiver sucesso ao segui exatamente a mesma política pela qual os EUA ficaram ricos no final do século XIX, então eles podem tentar tornar os EUA ricos. E, oh, meu Deus, se isso ocorrer, então não haverá mais almoço grátis para os bilionários.

Esta [e uma questão de vida ou morte para os bilionários, Eles ganham o seu dinheiro explorando a economia sem produzir coisa alguma. Os bilionários chineses ganham o seu dinheiro produzindo e explorando a economia, mas eles também produzem muito – e, então, eles têm que abrir mão de muito daquilo que exploram. Então, os EUA não querem que qualquer país tenha sucesso em alcançar a prosperidade de maneira alguma que não sugue toda a renda para os 1%.

Luke Parcher: Temos uma pergunta de Andy Kennedy.

Andy Kennedy: Michael, eu creio que você cunhou a expressão ‘hegemonia monetária’. Creio que foi no seu livro ‘Super Imperialismo’, um livro que você escreveu já a algum tempo. Mas eu penso que isto é algo que muitas pessoas realmente têm dificuldades de compreender sequer o que isso significa. Você pode falar um pouco sobre como a hegemonia do dólar estadunidense tem sido uma parte significativa da razão pela qual os EUA se desindustrializaram?

Michael Hudson: É disso que trata o meu livro ‘Super Imperialismo’, que eu publiquei em 1972. Na verdade, a hegemonia do dólar começou em 1972. ‘Hegemonia’ é uma palavra que eu jamais consigo inserir muito facilmente em uma conversação. Efetivamente, foi Henry Liu que enfatizou este termo. Ele é um amigo meu e fomos colegas durante muitos anos. A hegemonia do dólar significa que os EUA podem emitir bônus em dólar, tipo notas promissórias [IOU – “eu lhe devo”] e jamais têm que repagá-las. Se nós temos um déficit na balança de pagamentos nos EUA, os dólares acabam indo para bancos centrais estrangeiros. A maior parte dos déficits na balança de pagamentos [dos EUA] desde a guerra na Coreia têm sido para cobrir gastos militares.

Enquanto os EUA gastam dinheiro para criar bases militares em todo o mundo, estes países acabaram recebendo os dólares que nós gastamos para construir estas bases e para comprar as oligarquias-clientes. E estes dólares são repassados ao banco central local em troca da moeda nacional deles. E o banco central daquele país dirá: “O que faremos com os dólares?” Eles tenderão a manter os dólares na forma de aquisições de bônus do tesouro dos EUA, porque se supõe que estes bancos centrais não possam correr riscos.

Assim, essencialmente, eles comprarão os bônus do tesouro estadunidense e os EUA não têm intenção alguma de algum dia repagar aqueles bônus. Como ele pagará? Até 1971, ele pagava em ouro. Então, quando os EUA gastavam dinheiro no Vietname, os dólares gastos no Sudeste Asiático, no Japão  em outros países, eram enviados do Vietname para o seu escritório central em Paris.

E o General de Gaulle dizia: “Bem, aqui estão estes dólares, Agora, paguem-nos em ouro”. E o estoque de ouro dos EUA ia diminuindo cada vez mais. Os estrategistas estadunidenses ficaram preocupados de que isto fosse realmente causar danos à capacidade do país de dominar o mundo. Então, quando eles abandonaram o ouro em 1971, todos pensaram que isso acabaria com a liderança financeira dos EUA.

Ao invés disso, houve um grande aumento. Isso criou a hegemonia do dólar, porque não havia coisa alguma que os bancos centrais estrangeiros podiam fazer para manter as suas reservas, exceto em bônus do Tesouro dos EUA. Em outras palavras, eram notas promissórias (IOUs). Assim, quanto mais dinheiro os EUA gastavam no estrangeiro numa balança de pagamentos, este dinheiro acabava sendo reciclado para os EUA na forma de papéis do Tesouro estadunidense. Assim, na verdade eram os déficits de balança de pagamentos ocasionados por gastos militares que ajudaram a financiar os déficits no orçamento doméstico dos EUA. Na verdade, os outros países não tinham uma alternativa. Então, quando os EUA assumiram a liderança na criação da Eurozona, eles se asseguraram que a Eurozona jamais tornaria o Euro em uma moeda alternativa ao dólar dos EUA, porque este limitava a capacidade da Eurozona de manter o seu déficit orçamentário abaixo de 3% do PIB.

Isto significa que, quando a Europa entra em recessão e precisa aumentar os gastos governamentais – como os EUA fazem quando estão em uma recessão, ou como os EUA estão fazendo hoje em dia, com um déficit orçamentário acima de 3% do PIB – a Europa não pode fazê-lo. Assim, jamais há suficientes bônus em Euro para que o banco central europeu possa se tornar um rival do dólar estadunidense. 

Tudo isso agora está sendo mudado pela Rússia e pela China, como eles têm discutido nos últimos anos. “A fim de evitar a hegemonia dos EUA, nós devemos evitar de financiar o nosso próprio cerco militar ao emprestarmos ao Tesouro dos EUA, o qual o usa para financiar o complexo militar-industrial e o Pentágono para construir as suas bases aqui. Assim, teremos que criar uma alternativa ao dólar dos EUA”.

Na verdade, a Rússia, a China e outros países falaram sobre isso durante cinco anos. E, surpreendentemente, o fim da hegemonia do dólar estadunidense ocorreu no ano passado, quando os próprios EUA disseram que qualquer país que siga uma política da qual nós não gostamos, nós podemos confiscar todas as reservas em dólar que eles têm nos EUA. 

Nós podemos confiscar todos os bônus do Tesouro dos EUA que eles tenham. Nós simplesmente podemos tomá-los. Nós podemos tomar todos os depósitos bancários que eles possuem. Primeiro, eles tomaram os da Venezuela. Depois, tomaram os do Irã. Depois, tomaram os do Afeganistão. E depois, tomaram os US$ 300 bilhões da Rússia. Então, agora os EUA disseram a todos os países: se vocês fizerem qualquer coisa que nós não gostamos, se vocês não permitirem que as nossas empresas comprem o controle da sua economia, ou se vocês tentarem abrir processos judiciais contra uma das nossas companhias petrolíferas que poluem a sua terra, nós confiscaremos todo o seu dinheiro e você ficarão isolados.

Isto acaba com a capacidade de outros países de seguirem financiando o império estadunidense. Os outros países estão aterrorizados agora. Se todos eles disserem: “Vamos deixar de denominar o nosso comércio em dólares. Não vamos mais usar dólares. Vamos usar as nossas próprias moedas. Nós financiaremos os tesouros de outros países”.

E estes tesouros que eles estão financiando – entre a China, a Rússia, o Irã, a Índia e seus países vizinhos – são empréstimos para ajudar os seus tesouros nacionais a construir infraestruturas e fazer melhorias internas, aumentando assim o crescimento das suas economias. Foram os próprios EUA que acabaram fazendo isso ocorrer com todas as sanções que estão impondo. Este é um exemplo do caráter autodestrutivo dos estrategistas estadunidenses.

Felizmente, nenhum destes estrategistas entendem como uma economia funciona, nem tampouco como a estratégia militar funciona na verdade. Então, essencialmente eles deixam amadores em poltronas acabarem com todo um sistema que estava provendo almoços grátis para os EUA nos últimos 50 anos. 

Luke Parcher: Temos uma pergunta de Jordan Soreff no chat. Ele pergunta; Como você vê a interação entre os maiores detentores de ações de grandes instituições financeiras e os acionistas majoritários de empresas industriais? Você vê muitas propriedades comuns entre estes tipos de instituições? Caso seja assim, eles não colaborariam a fim de evitar a inanição das empresas industriais de acesso ao crédito e para garantir alguma forma básica de crescimento – não só para as instituições financeiras, mas também para as empresas industriais?

Michael Hudson: Nada disso. Eles estão colaborando na destruição do setor industrial. Eles colaboram para transformar as corporações industriais em firmas financeiras, E quando se tira dos engenheiros o gerenciamento de uma corporação e se entrega ao diretor financeiro, o diretor financeiro diz: “Nosso trabalho não é aumentar aa nossa produção industrial. Nosso trabalho é aumentar o preço das ações. E, ao invés de gastar com pesquisa e desenvolvimento que leva anos para se amortizar, nós podemos maximizar o preço da ação ao recomprarmos as ações.

92% dos lucros das empresas listadas na revista Fortune 500 são gastos com recompras de ações e pagamento de dividendos, não em novos investimentos. Uma vez que você financeiriza uma corporação industrial, você está tentando ganhar dinheiro com engenharia financeira. Essencialmente, você faz isso usando a sua renda para comprar as ações, provocando uma alta do preço delas. Isto é algo de curto prazo – e as finanças vivem do curto prazo. A razão pela qual as finanças não se interessam em construir o poder industrial é que isso leva muitos anos para se planejar uma fábrica, planejar a produção. Você tem que desenvolver todo um sistema de marketing.

Como nós iremos vender o produto quando o produzirmos? Como vamos distribuí-lo? Isso exige muito planejamento. Isto vai além da capacidade dos financistas. Não é necessário ter cérebro para ser um financista. Tudo o que você precisa é ganância, E você realmente não precisa de uma escola de negócios. Só precisa de ganância.

E a ganância é algo de curto prazo. Eu quero isso agora. Ganância não é planejamento de longo prazo. Assim, você tem uma mentalidade completamente diferente, aquela de um líder corporativo financeiro, em oposição a um líder industrial. Digamos, alguém como Henry Ford, ou como o velho tipo de líderes industriais que tentariam aumentar cada vez mais os lucros abrangentes. Hoje em dia, o objetivo é encolher cada vez mais a produção.

Luke Parcher: Nós temos uma pergunta de Jonathan.

Jonathan Kadmon: Há um conceito que você menciona no livro que está muito próximo ao meu coração. A comoditização dos bens e serviços essenciais e os incentivos extorsionistas que ocorrem quando você ... 

Michael Hudson: É este o título do livro?

Jonathan Kadmon: Não, mas definitivamente é um tema que você toca muitas vezes no seu livro.

Michael Hudson: Ah, okay. 

Jonathan Kadmon: Eu tinha a esperança que você pudesse falar um pouco sobre como a situação de reféns criada pela comoditização de coisas como habitação, saúde, alimentos, transportes, combustíveis, coisas deste tipo – coisas que as pessoas necessitam, ao invés daquilo que elas querem – que são usadas para extrair renda e sugar a riqueza da economia produtiva para servir a demanda de riqueza do setor FIRE (Finance, Insurance, Real Estate) [Finanças, Seguros, Negócios Imobiliários].

Michael Hudson: A ideologia do livre comércio que apoia monopólios diz que todos os mercados são uma função de escolhas. Porém, a maneira de controlar um mercado não é deixar a escolha aos consumidores. E quando você diz ‘refém’, o que isto significa é que as pessoas não têm uma escolha entre comer ou pagar a um banco.

Se eles tiverem que comprar comida, ou pagarem por cuidados de saúde, eles têm que pagar seja lá qual for o preço pedido. Anatole France disse que a pessoa rica é tão livre quanto a pessoa pobre para dormir debaixo de uma ponte, quando não tiverem uma casa. Então, essencialmente, o objetivo da busca de aluguel é criar uma situação na qual as pessoas não tenham outra alternativa a não ser comprar o serviço ou o bem que você produz.

Caso eles não tenham alternativa, eles podem cobrar o que quiserem. Este é o caso com a maior parte da infraestrutura. Se você quiser enviar uma carta, você tem que pagar seja lá o que a postagem ou o serviço de parcelas custem. É por isso que durante cerca de mil anos, até o final do século XX, todos os governos mantiveram os serviços básicos no domínio público – o correio, a educação, os serviços de saúde. Você não quer privatizá-los e deixá-los à mercê do mercado, porque, se deixá-los ao mercado, então não se trata mais uma questão de escolha, na verdade.

Esta é uma questão de deixar um monopolista pegar algo que todos necessitam, não importando o seu preço, e cobrar o máximo que o mercado tolerar. E este é um monopólio que visa o lucro. Basicamente, esta é a filosofia que Margaret Thatcher, Ronald Reagan e os marketeiros-livres desenvolveram desde os anos de 1980 – quando ocorreu a privatização das necessidades básicas, especialmente no setor da habitação. Obviamente, o serviço público mais importante que foi privatizado foi a criação do dinheiro e do crédito – o sistema bancário. O que permitiu que a China evitasse a financeirização que ocorreu nos EUA foi porque o Banco Central da China é operado pelo governo, não por uma oligarquia financeira de banqueiros eu se juntam para operar o sistema de crédito para o seu próprio benefício. Porém, se o governo trata o dinheiro como um serviço público, todos precisam de dinheiro, todos precisam de crédito e o governo proverá o crédito necessário para a economia crescer.

E se a economia se desacelera, ou se uma empresa tem problemas financeiros, o governo, enquanto credor, pode cancelar a dívida. Nos EUA, se você der um empréstimo para uma companhia como a General Electric e, de repente, ela não pode pagar, ou a empresa vai à falência, ou ela começa a vender os seus ativos um por um para outras pessoas; é assim que a indústria está sendo transformada em habitações gentrificadas de luxo.

A mesma coisa ocorre com os serviços de saúde. Se você privatiza os serviços de saúde, todos precisam ir ao hospital. Todos precisam dos cuidados de um médico. Se você privatiza isso, nos EUA 18% do PIB é gasto com cuidados de saúde. O objetivo é tornar os serviços de saúde mais ineficientes e mais baratos possíveis, a fim de maximizar os lucros das empresas de seguros e saúde. E quanto mais doente você estiver, mais dinheiro eles ganham.

Também, diga-se de passagem, quando mais doente você estiver, mais o PIB cresce. O PIB cresce porque você tem que gastar mais dinheiro para se curar. Esta é uma parte crescente do PIB dos EUA – juntamente com os aluguéis, o serviço da dívida e os juros. Se você mantém os cuidados de saúde no setor público, este, efetivamente, tentará manter as pessoas saudáveis, ao invés de adoecerem. E eles estão tentando minimizar os gastos para se adoecer, de modo que você deixa mais dinheiro nas mãos das famílias para a economia real de produção e consumo, não para dar dinheiro aos monopólios. 

Mas, nos EUA o governo é o principal serviço público além do dinheiro que foi privatizado. Segundo a legislação ‘Citizens United’ [Cidadãos Unidos], agora o governo realmente está à venda, a ser leiloado para os lances mais altos dos contribuintes para campanhas eleitorais. Por exemplo, no Partido Democrata, cada representante federal [deputado] tem que conseguir levantar uma certa quantia de dinheiro dos contribuintes para a campanha para dar ao Comitê Nacional do Partido Democrata.

Então, aqueles que conseguem levantar as maiores quantias de dinheiro passam a ser os chefes de comitês. Assim, a indústria farmacêutica dá muito dinheiro à algum representante que eles querem que seja o chefe do comitê de saúde. Os banqueiros dão dinheiro para quem eles querem que seja o chefe do comitê bancário, e assim por diante. Então, a função do próprio governo, uma vez que este é privatizado, é fazer dinheiro para a classe de doadores – os quais, basicamente, são a classe financeira e a classe monopolista que as finanças criam. Os bancos sempre têm sido as mães dos monopólios e os maiores negócios do mercado financeiro constituem na criação de monopólios. Assim, basicamente, você tem a privatização dos monopólios. 

E os lucros monopolistas destes monopólios são usados para pagar juros aos bancos que financiam os invasores corporativos, ou seja lá quem for que queira se apropriar e comprar estes privilégios monopolistas.

Luke Parcher: Temos aqui uma pergunta de Paul Birtwell. Adiante, Paul.

Paul Birtwell: Olá, Dr. Hudson. O senhor poderia falar brevemente sobre o conceito de lucro econômico e renda não-ganha, bem como o ‘establishment’ se estabeleceu ao conquistar a Europa, privatizando as terras comunitárias até chegar ao colonialismo, e como eles usam todos estes pequenos privilégios através de direitos autorais, patentes – que não são através de esforços ou inovações, mas através de apropriações.

Eu me lembro do senhor numa entrevista dizendo algo como – eu parafraseio: Para o crime de ser conquistado, os 99% e todos os descendentes são obrigados a cuidar perpetuamente dos 1% e de todos os seus descendentes. 

Seria ótimo se o senhor pudesse falar sobre estes elementos históricos, porque a maioria das pessoas pensam assim: “Ei, estas pessoas que são ricas de verdade são mais espertas, elas trabalharam mais duro”. E como nós sabemos, isto não é baseado em esforços ou em contribuições individuais; ao invés disso, isso foi feito ordenhando a sociedade.

Michael Hudson: É muito difícil responder esta pergunta muito rapidamente, numa sessão de perguntas e respostas. Eu escrevi dois capítulos no livro ‘Destino da Civilização’ que descrevem exatamente aquilo que você perguntou: a renda econômica. Toda a economia clássica – de Adam Smith até Ricardo, John Stuart Mill, Marx, Alfred Marshall – tratava da teoria do preço e do valor, a fim de segregar quanto do preço não é refletido por um custo real de produção. Lucro econômico é renda não-necessária.

O lucro econômico é aquilo que você consegue cobrar a mais do que apenas o custo de produzir bens e serviços com lucro. Será “O que é um almoço grátis”? E os livres-marketeiros dizem: “Não existe uma coisa como um almoço grátis”. Isso foi o que Milton Friedman disse. Mas uma economia rentista trata-se de almoços grátis. O conceito de rentismo econômico no século XIX mirava os senhorios, porque eles herdavam a terra. A terra não tem um custo de produção. Mesmo assim, se você um direito de propriedade à terra, o privilégio de uma propriedade legal da terra, você tem uma extensão legal de terra e você pode cobrar aluguel sem qualquer esforço da sua parte.

John Stuart Mill disse que o lucro econômico é aquilo que os senhorios fazem durante o seu sono. Eles não têm que fazer um esforço produtivo. Na verdade, a teoria do aluguel vem dos homens da igreja no século XIII, quando descreviam o que é um retorno justo para os banqueiros. A economia precisa de crédito, todas as economias funcionam com crédito, os mercadores precisam de crédito. Eles precisam das trocas monetárias de uma moeda para outra. O valor dos serviços bancários é o custo de vida, o custo de fazer negócios, o custo de um certo estilo de vida que é apropriado a um banqueiro.

Porém, tudo aquilo que vai além e acima da prosperidade e custos de uma vida normal é chamado de usura. Este não e um custo válido. Então, isto era considerado ilegal já no século XIII. No século XIX, Ricardo usou os senhorios como os principais recipientes dos alugueis da aristocracia latifundiária hereditária. Aluguel é o que um senhorio recebia pelo privilégio da propriedade de ter uma terra. Por exemplo, em cidade de New York, há alguns anos, eles estenderam e construíram o metro da Segunda Avenida que ia para o norte, ao longo da Segunda Avenida. Os preços das propriedades imobiliárias na Segunda Avenida aumentaram muito. Isto foi um almoço grátis. 

Os senhorios não fizeram coisa alguma para aumentar os alugueis que cobravam pelos imóveis. Os alugueis aumentaram. Se você morasse na Segunda Avenida, ou na Primeira Avenida, ao até na Terceira Avenida, você teria que pagar um aluguel muito mais alto, porque você não teria mais que andar uma meia milha para chegar até o metrô da rua Lexington – que estava sempre superlotado. Você poderia pegar o agradável e não-superlotado metrô na Segunda Avenida.

E, no entanto, este aluguel não aumentou pelo gasto de custo algum. Foi um aluguel sem valor. Foi o preço das habitações sem um valor de custo. Portanto, o aluguel é o elemento desnecessário do preço além e acima daquilo que efetivamente custou para produzir algo. E a renda rentaria é a renda que é desnecessária.

Para efetivamente pagar um industrialista para construir uma fábrica... os industrialistas ficariam felizes de ganhar a taxa normal de lucro. Mas, se você tem um monopólio tecnológico especial como o das indústrias farmacêuticas, então você pode ganhar superlucros. Assim, os alugueis, basicamente, são superlucros. Esta é a diferença. Seja como for, isto é, sobre a sua pergunta.

Luke Percher: Certo. Temos uma pergunta da Roxanne Devereaux. Caso você já tenha respondido sobre isso, talvez possa apenas elaborar a sua resposta: Num mundo perfeito no qual o governo efetivamente servisse o povo, com o que um jubileu de dívidas se pareceria e como isso poderia reverberar na sociedade? A maior parte dos exemplos que eu conheço ocorreram antes da revolução industrial.

Michael Hudson: O melhor exemplo é o milagre financeiro alemão de 1947-1948, a reforma monetária aliada. Todas as dívidas internas foram canceladas, exceto para as contas bancárias das pessoas, até um certo valor e exceto para o dinheiro que os empregadores deviam aos seus empregados.

E a razão disso é que a maior parte da riqueza, a maior parte dos depósitos bancários, a maior parte das reclamações dos credores, foram feitas pelos nazistas. E a ocupação estadunidense disse: nós não queremos que os nazistas fiquem ricos. Então, a coisa boa sobre o cancelamento das dívidas é que você cancela as economias dos caras maus. Em 1947, foram os nazistas; hoje em dia, é o 1%.

Se você cancela as dívidas que eu disse que deveriam ser canceladas – o tipo de dívidas ruins que não são necessariamente de produção – então você cancela esta vasta acumulação de poupanças dos 1%. Por exemplo, se você cancela dívidas de estudantes, isso liberaria rendas para gastar com a democracia.

Se você cancela todas as dívidas que os bancos estadunidenses devem aos centros bancários de ‘offshore’ no Caribe, no Panamá, na Libéria. Todo este capital fugido. Este capital é criminoso. Cancele todas as dívidas do capital criminoso e fraudulento. Quando a Grécia estava passando pela sai crise financeira há sete anos, a Grécia devis 50 bilhões de euros em dívida e estava tentando liquidá-la.

E o FMI produziu uma lista chamada de A Lista Lagarde [então presidenta do FMI] que tinha depósitos de US$ bilhões de bandidos e evasores de impostos na Suíça. Aqueles 50 bilhões de dólares poderiam ter sido desaparecidos. Um dos primeiros cancelamentos de dívidas que deu errado ocorreu em Sparta, no século III AC, sob os reinos de Agis e Cleomenes. Quando eles cancelaram as dívidas, as pessoas que queriam cancelar dívidas eram aquelas que compraram terras à credito e queriam eliminar as suas dívidas.

Elas queriam cancelar as hipotecas e ter a propriedade desimpedida e livre da terra. Então, há algumas dívidas que você não quer eliminar. Se você eliminar as dívidas com hipotecas, Donald Trump e os especuladores imobiliários seriam as pessoas mais ricas do país. Então, você não quer eliminar as dívidas deles.

As dívidas deles permanecerão nos livros [contábeis]. Mas, se elas forem eliminadas, em primeiro lugar as dívidas delas são ativos dos sistemas bancários. Assim, o Citibank ficaria ainda mais insolvente do que já é e os bancos entrariam em falência. Eles seriam encampados pelo setor público, porque, se você tem uma hipoteca cancelada, ainda assim haverá renda econômica. Já que as pessoas estão dispostas a pagar mais dinheiro por propriedades bem localizadas, em lugar dos bancos receberem o valor de aluguel como dívida de hipoteca, o governo receberia o mesmo valor de aluguel na forma de imposto territorial [predial]. É disso que tratava a economia clássica. Isso foi Adam Smith. Isso foi John Stuart Mill. Isto foi todo o movimento reformista do final do século XIX. Então, você quer cancelar as dívidas ruins, mas você não quer enriquecer os credores que são apenas especuladores neste processo.

Você quer ter certeza que está cancelando apenas as dívidas ruins e não está criando uma nova classe de rentistas. A ideia é que olhar para a economia como um sistema e ver o que o governo deveria receber como aluguel econômico. E ele pode decidir o que irá ganhar pelos serviços de saúde. O governo... se o governo encampasse a indústria de serviços de saúde, ele provavelmente não cobraria os preços que os serviços de saúde cobram atualmente. Ele cobraria menos. A mesma coisa vale para a habitação. Se o setor de habitação fosse operado como a Inglaterra operou o seu conselho de habitações antes de Margaret Thatcher, [o preço] seria muito baixo. Na Alemanha se gasta apenas 10% da renda média familiar com aluguel – não os 30% ou 49%, como no caso dos EUA.

Até o mês passado, era isso que tornava a Alemanha uma economia tão competitiva. Então, você reestruturaria a economia de modo que teria dívidas somente onde for socialmente necessário para manter a economia em operação. As dívidas começarão a crescer de novo.

As dívidas sempre começarão a crescer de novo. Se você não banir os juros, você permite que as dívidas cresçam, porém quando estas se tornam tão problemáticas a ponto de ameaçar o crescimento econômico, então você tem que eliminá-las a um nível que não evite mais que o crescimento econômico ocorra, como estão fazendo-o atualmente.

Luke Parcher: Temos aqui uma pergunta de Doug Greer. Ele diz que muitas pessoas parecem confundir as lições da Teoria Monetária Moderna com o super-imperialismo do dólar estadunidense sendo a moeda de reserva do mundo. Será que a capacidade de criar dólares para financiar as necessidades financeiras domésticas dos EUA – como os serviços de saúde e de infraestrutura – dependam do dólar dos EUA ser a moeda de reserva? Você pode esclarecer isto?

Michael Hudson: Eles são completamente separados. Qualquer país pode usar esta criação de crédito, seja através do banco central ou dos bancos comerciais. Isto não tem que ser ligado ao balanço de pagamentos, exceto se um país tiver um déficit na sua balança de pagamentos, a sua moeda se desvalorizará – a não ser que consiga equilibrar de alguma maneira os pagamentos. Portanto, estas são questões diferentes.

Luke Parcher: Temos uma pergunta de Fabiano B. Sendo que os políticos – e, portanto, o governo – estão no bolso da classe rentaria, como você pensa que nos poderíamos nos livrar desta influência rentaria a fim de implementar políticas socialmente orientadas?

Michael Hudson: Isto jamais ocorreu sem uma revolução. Este é o problema. Como você pode se livrar deles? Eu não vejo maneira alguma para os EUA se livrarem deles. Na China foi necessária uma revolução para fazê-lo. Foi necessária uma revolução na Rússia. Este é precisamente o problema.

Houve o início de uma revolução pacífica na Inglaterra no século XIX e, levando a uma crise constitucional em 1909 e 1910, quando a Casa dos Comuns [House of Commons] efetivamente aprovou o imposto territorial e a Casa dos Lordes [House of Lords], sendo a aristocracia latifundiária, o cancelou. Isso causou uma crise.

Mas o desfecho foi que a Casa dos Lordes jamais pode negar novamente um ato de renda passado pela Casa dos Comuns. Assim, na verdade esta foi uma resolução pacífica para uma crise constitucional. Depois veio a Primeira Guerra Mundial e mudou tudo. Porém, hoje eu não vejo aquele tipo de resolução pacífica acontecendo nos EUA.

Eles não revogarão o ato ‘Citizens United’ e me parece que a economia ficará cada vez mais espremida e mais polarizada entre o 1% e os 99%. Eu diria que é uma guerra de classes, exceto que as finanças na verdade não são uma classe, porque todos são credores e devedores de alguma maneira ou outra. Assim, esta é verdadeiramente uma dinâmica financeira contra o resto da economia. Um dos pontos que Marx assinala no Volume 3 do Capital é que a finança cresce por si própria segundo leis puramente matemáticas, não tendo relação alguma com o crescimento da economia. Ela é um sistema econômico autônomo.

Eu penso que este sistema econômico autônomo é independente do governo e, no entanto, a não ser que você tenha um estudo da economia enquanto um sistema econômico – compreendendo o que causa a polarização e a pobreza nos EUA -, você não será capaz de ter um movimento de reforma para mudar o sistema.

O papel dos departamentos de economia é estúpido em compreende a economia. Você não terá qualquer tipo pacífico de movimento de reforma aqui.

Luke Parcher: Temos aqui uma pergunta da Cristina: Quais são os passos que podemos fazer para consertar a crise da habitação? É uma questão abrangente, mas se você tiver quaisquer prescrições de políticas para isso, será ótimo.

Michael Hudson: Há muito pouco que os indivíduos possam fazer. O século XIX lidou crescentemente com esta questão. E a solução deles foi: se você tem um cálculo do aluguel da terra, em oposição a quanto custa para fazer uma construção – todos nós sabemos que se você fizer uma construção, o empreiteiro e o construtor devem ter algum lucro; porém, se o governo aplicar o imposto sobre o aluguel da terra, então esta não ficará disponível para que os bancos cobrem juros por ela.

Assim, se você aplica um imposto sobre o aluguel da terra, este não será capitalizado na forma de um empréstimo bancário e os preços das habitações será mantido baixo, ao nível do verdadeiro custo de construção mais os lucros normais. À medida que as habitações se tornam mais desejáveis, ou à medida que a economia se torna mais lucrativa, ou que as cidades construam mais metrôs na Segunda Avenida e o valor dos alugueis suba, os impostos também aumentarão. Faz falta um sistema de impostos que se aplique à renda econômica, de maneira que a habitação não reflita a especulação e a renda econômica causada pela privatização que está ocorrendo. Especialmente desde 2008.

Luke Parcher: Esta pergunta vem do Tim. Ele diz que um argumento contra a desdolarização é a liquidez e a estabilidade do dólar estadunidense. Por exemplo: o preço do petróleo baseia-se no dólar e muitos países da OPEC têm as suas moedas atreladas ao dólar, de modo que eles se beneficiam de um dólar forte. Nesta época, a transição para o comércio em moeda local compete contra estas vantagens do dólar como moeda de reserva.

Michael Hudson: É exatamente disso que trataram as reuniões da cooperação de Shanghai da semana passada. Qualquer país que mantenha as reservas do seu banco central em dólares tem um interesse nisso e em não querer perder o seu dinheiro. A China tem o maior ativo em dólares de qualquer governo e a sua moeda está se desvalorizando cada vez mais.

A China está disposta a assumir uma perda com isso, ao sair do sistema em dólar. Como tanto o Presidente Xi quanto o Presidente Putin assinalaram, vamos nos mover do sistema em dólares, de modo a não termos uma participação no dólar. Ele pode subir ou baixar, isso não nos importunará. Eles não estão mais comprando nem vendendo mais para nós. 

De qualquer maneira, eles estão nos aplicando sanções. Então, vamos concordar com o que o Presidente Biden quer. Ele diz: vocês vão pelo caminho que querem e nós vamos pelo nosso caminho; usaremos as moedas uns dos outros e, desta maneira, não fará diferença alguma. Então, não fará diferença para eles, se a saída do sistema do dólar significa que haverá menos demanda por dólares e este diminui de valor, o que eles ganharão será liberdade.

Assim, este é o preço da liberdade econômica deles com relação à diplomacia do dólar.

Luke Parcher: Temos uma outra pergunta aqui da Virginia Cotts.

Virginia Cotts: Michael, eu sinto como nós temos ... algumas pessoas têm muita nostalgia das democracias sociais da Europa pós-Segunda Guerra Mundial. Eu não consigo lembrar se foi no seu livro, ou em uma entrevista, que você descreveu o processo de privatização de Thatcher na Inglaterra. Você poderia falar sobre isso? Porque eu não conheço muito disso. 

Michael Hudson: Margaret Thatcher disse que a sua maior contribuição foi Tony Blair. E Tony Blair foi um oportunista que conseguiu apoio suficiente dos EUA para levar o Partido Trabalhista britânico à direita do Partido Conservador e para fazer o que Margaret Thatcher jamais conseguiria fazer. Ao privatizar as ferrovias e ser mais cruelmente contra os trabalhadores, os partidos social-democratas de todos os países foram tão empurrados pelo que a CIA chamou de “o poderoso Wurlitzer [órgão elétrico] da opinião pública” – referindo-se às propinas dadas aos políticos – que eles financiaram as campanhas eleitorais dos neoliberais para fazer de conta que eram à favor dos trabalhadores, para fazer de conta que eram socialistas, enquanto, na verdade, eles são a extrema direita do espectro político. Eu não os chamarei de fascistas. Porém, digamos apenas que nada há que os fascistas não gostariam mais nos partidos social-democratas. Então, aqui você tem que os partidos mais de extrema direita da Europa são os partidos social-democratas. A extrema direita.

Eu suponho que o partido neofascista mais de extrema direita, obviamente, sejam os Verdes. na Alemanha – que são o partido pró-guerra. E contra os trabalhadores. Basicamente, não existe mais um verdadeiro partido trabalhista que represente os interesses dos trabalhadores. Todos eles foram cooptados pelos demagogos. De certo modo, os partidos social-democratas têm sido coo os partidos pela paz.

A primeira coisa que todos os partidos pela paz fazem quando há uma guerra é que eles lideram a parada patriótica pró-guerra. Foi isso que Trotsky observou sobre a Primeira Guerra Mundial. Os partidos da paz pularam no vagão da guerra na Alemanha, na Áustria, na Inglaterra e nos EUA. Os partidos social-democratas têm feito a mesma coisa quando há uma financeirização corporativa neoliberal de direita. Eles foram persuadidos a fazê-lo.

O equivalente foi como o que os Clintons fizeram nos EUA desde os anos de 1990. Nos EUA, o Partido Democrata agora é opartido da extrema direita. E eu suponho que, quando eu respondi à pergunta sobre o que os estadunidenses podem fazer para ajudar na crise habitacional ... Você não pode resolver a crise habitacional até que você acabe com o Partido Democrata. Você não pode resolver o problema trabalhista sem acabar com o Partido Democrata. Porque ele é o partido e Wall Street. Este é o partido do 1%. A sua função é de assegurar que não haja qualquer oposição de esquerda para bloquear o programa do Partido Republicano.

O que Bill Clinton fez, os Republicanos jamais conseguiriam fazer. Apoiando Alan Greenspan e os direitistas a se livrarem dos atos que impediam os bancos de serem proprietários das companhias de seguro e das corretoras de seguro. Livrando-se do ato Glass Steagall. Nenhum Republicano conseguiria fazer qualquer coisa mais cruelmente antinegros e anti-hispânicos quando o presidente Obama – cujas políticas são basicamente iguais àquelas do Ku Klux Klan.

O papel do Obama, essencialmente, foi de anular as tentativas dos negros e dos hispânicos de se tornarem donos de imóveis. O objetivo dele era substituir a propriedade imobiliária dos negros e hispânicos pela apropriação das empresas privadas de capital. O papel dele em 2009 foi de resgatar os bancos – os bancos fraudulentos que emitiram hipotecas-lixo – e manter ativas as hipotecas-lixo para despejar quase 10 milhões de famílias estadunidenses. E de não multar os bancos, de não jogar um único banqueiro trapaceiro na cadeia. Isto acabou com as esperanças dos estadunidenses de baixa renda – especialmente as minorias – de ter casas.

Se você perguntar: O quê podemos fazer sobre as habitações? Se você é negro ou hispânico, você deve evitar o Partido Democrata como a praga. E você deve aceitar o fato que foi Obama que foi o presidente mais antinegros do século XX – exceto, obviamente, Woodrow Wilson. O dano que ele causou não foi amplamente reconhecido aqui [nos EUA].

E ele colocou uma liderança no Partido Democrata que é anti-trabalhadores, tão racista e tão pró-Wall Street que eu não penso que seja reformável.

Luke Parcher: Para elaborar sobre o que você acaba de falar, Michael, eu fico meio atordoado pela extensão que as pessoas compram a falsa dicotomia partidária [Republicanos x Democratas] neste país e parecem pensar que existem diferenças massivas entre os partidos.

Obviamente, esta é uma coisa de tratar uma questão por vez, mas eu estou curioso para saber de onde vem esta aceitação e como nós poderíamos rompê-la. Eu penso que a propaganda do medo sobre Trump exagera as diferenças entre Trump e Biden sobre estas questões. Você pode falar um pouco sobre isso?

Michael Hudson: Sim. O papel do Partido Republicano é dizer à Wall Street: “Sim, por favor”. E a política do Partido Democrata é de di\er: “Sim, muito obrigado”. Basicamente, é isto. Você notará, como em Ohio, que o Comitê Nacional dos Democratas está apoiando um direitista que desempenhará o papel do senador Manchin, da Virginia, ou a senadora Sinema, do Arizona [democratas que bloqueiam o governo democrata no senado federal]. Os Democratas querem ter assegurar-se de ter um número suficiente de Republicanos fazendo campanhas eleitorais como Democratas – de modo que, se houver um perigo de promover um projeto de lei que é bom para a classe trabalhadora ou para as minorias raciais ou étnicas, que você tenha os Republicanos concorrendo como Democratas para cancelá-los, para desempenhar o seu papel. 

Sempre haverá muitos senadores apoiando Manchin e Sinema nos bastidores, a fim de evitar que os Democratas façam alguma coisa que não serve os interesses imediatos de curto-prazo dos seus banqueiros de Wall Street... Apoiadores.

Luke Parcher: O vilão rotatório é um conceito muito real, com certeza. Nós temos aqui uma pergunta de Bruce Wall, que pergunta: Quais são os movimentos pela reforma do sistema bancário e monetário público que você apoia, se é que apoia algum? Tenho em mente o Public Banking Institute [Instituto de Bancos Públicos], o American Monetary Institute [Instituto Monetário Americano, a Alliance of Just Money [Aliança de É Só Dinheiro] de Christine Desan. O que dizer sobre figuras como Robert Hockett? 

Michael Hudson: Eu faço parte do conselho de diretores do Public Banking Institute. Steve Zarienga era um bom amigo meu. Eu estive em todas as suas primeiras conferências. Ambos tinham ideias muito boas. Não me lembro do nome. Quem é o chefe do banco público?

Virginia Cotts: Não é Ellen Brown? 

Michael Hudson: Sim. Ellen Brown. Ellen seria completamente a favor de muitas das cosas sobre as quais eu falei, mas ela não pensa que o cancelamento de dívidas seja politicamente factível neste momento. Obviamente, ela tem razão. Ela disse que os bancos públicos podem prover o modeli para oq eu poderia ser feito. O resultado do que ocorreria se Obama tivesse deixado o Citibank ir à falência.

O chefe Republicano do FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation / Corporação Federal de Seguros de Depósitos] instou que o Citibank, sendo dirigido por trapaceiros ... mas, Obama colocou um trapaceiro maior ainda na direção. Geithner, que estava trabalhando para o seu banqueiro Robert Rubin, basicamente não deixou o Citibank ir à falência porque aquilo aniquilaria os detentores de ações.

Como disse Sheila Bair, a chefe do FDIC, tratava-se dos detentores de títulos financeiros. E Sheila disse que, se o Citibank entrasse em colapso, isto significaria que o governo teria que assumir o maior banco do país e que poderia operar um banco comercial, concedendo empréstimos bons, ao invés de dar empréstimos para assaltantes corporativos. Ao invés de dar empréstimos desonestos de hipotecas e falsos empréstimos, ele poderia efetivamente dar empréstimos para ajudar a economia a crescer. Ela tem toda a razão. Isto teria sido uma boa ideia.

Então, ela se concentrou nos bancos públicos pelo que estes podem fazer. E ela disse que, pelo menos tendo um banco público, você manteria os depósitos do setor público – o governo, as agências estatais e, se esperava, as agências locais das cidades – no domínio público, fora das mãos dos banqueiros comerciais e de Wall Street, de modo a poder usar o dinheiro para bons propósitos.

Então, eu sou totalmente à favor do que ela está fazendo. Steve Zarlenga, do American Monetary Institute, era à favor do plano de 100% de reservas que foi proposto nos anos de 1930. Isso quer dizer que, na verdade, os bancos comerciais seriam reduzidos ao status de bancos de poupança.

Cem porcento de reservas. Não se poderia criar créditos. Eles só poderiam conceder empréstimos à partir de depósitos. Obviamente, se eles fizessem um empréstimo produtivo, o governo, o Tesouro, agiria como depositário – simplesmente aumentando os depósitos no banco para capacitá-lo a fazer empréstimos produtivos.

Em princípio, esta também é uma ideia muito boa. Foi por isso que eu a apoiei. E, obviamente, este foi o programa que foi apresentado por Dennis Kusinich na sua candidatura presidencial. Eu era o conselheiro econômico de Kusinich. Estes eram os dois grupos com os quais eu tenho familiaridade e sou mais a favor deles.

Luke Parcher: Temos uma pergunta de Rasha. Qual é o papel que desempenha a definição do dinheiro na modelagem da economia? Como você define o dinheiro? Ele é um registro de valor transferido entre atores econômicos, ou é uma commodity? Se você concorda que o dinheiro é um registro de valor transferido entre dois ou mais atores econômicos, não será possível criar dinheiro por demanda entre dois ou mais atores econômicos de uma maneira decentralizada – em oposição a ter bancos centrais privados provendo-o? Há uma fórmula científica pela qual os valores de bens e serviços são designados?

Michael Hudson: Oh, meu Deus! Eu mal consigo começar a responder isso. O jargão é tão enganoso. Dinheiro nada tem a ver com valor. Dinheiro é dívida. Isso é o oposto de valor. Ele é uma transferência de dívida entre pessoas, não é uma transferência de valor. Muito francamente, você está usando uma terminologia econômica fascista muito de direita, talvez sem ter a intenção de fazê-lo. Mas não é valor, dinheiro é crédito criado de puro ar. É crédito.

Quando você entra num banco e pega um empréstimo, o banco não diz “deixe-me ver quanto dinheiro em tenho em depósitos o=para lhe emprestar”. Eles simplesmente lhe dão um empréstimo. Eles criarão um depósito bancário e, em troca, lhe darão uma nota promissória [IOU - I Owe You]. Isto é uma dívida; empréstimos que criam depósitos, não o inverso. Qualquer um que fale sobre dinheiro e valor, você deve parar de falar com ele imediatamente. Porque você sabe que isto será apenas conversa fiada de propaganda.

Luke Parcher: Temos uma pergunta de Tom. Ele pergunta: Todos os preços de todas as coisas à venda não estão aumentando. Por isso, o termo ‘inflação’ não é o que estamos vivenciando. Por exemplo, o mercado está trabalhando. O dinheiro se move daqueles que não têm petróleo para os que têm petróleo.

Por que nenhum economista treinado compreende e rotula isso como um período de redistribuição normal de mercado, ou algum termo listado nos livros-texto de referência? E por que o conceito chamado de ‘inflação’ – que assusta os economistas desavisados e os consumidores atuais que sofrem desnecessariamente de fome de dinheiro – é ensinado de maneira tão pobre e é tão pobremente compreendido?

Michael Hudson: A pergunta é tão bizarra que eu sequer consigo responde-la. Como é que você ... Como você responde a um pântano e esclarece o que ele está dizendo, ou lhe dá uma resposta? Isso é um pântano. Não consigo responder isso.

Luke Parcher: Eu suponho que, em geral, ao que você atribuiria os aumentos de preço que estamos vendo atualmente?

Michal Hudson: Posições monopolistas muito grandes; A razão pela qual os preços do petróleo estão aumentando não se deve a uma escassez de petróleo. Isto ocorre porque as empresas petrolíferas encontram uma desculpa para usar as reportagens de jornal que dizem que haverá uma escassez de petróleo em algum momento para aumentar os preços neste momento. Adam Tooze escreveu um bom artigo há alguns dias, comparando a inflação na Europa com a inflação nos EUA. Na Europa, a inflação de preços ocorre quase exclusivamente para a energia e por derivados de petróleo e gás. Nos EUA, a inflação é muito mais ampla – ela ocorre em tudo.

De novo, você deve ver a economia como um sistema. Você não quer reduzir tudo a uma situação unidimensional de “eis aqui o nível de preço”. Você quer ver uma economia de muitas camadas. Quais são os preços de custo? Quais são os lucros econômicos? Quais são os preços dos monopólios? Qual é o sistema de impostos? Você deve ver a economia como um sistema, não de uma maneira unidimensional. Por isso, eu não consigo desemaranhar toda esta confusão muito mais claramente do que isso.

Luke Parcher: Temos aqui mais uma outra pergunta de Paul Birtwell: O Dr. Hudson poderia comentar e reconhecer a validade da Teoria Monetária Moderna (MMT)? O que o senhor pensa ser a importância da MMT e como ela se aplica a esta discussão?

Michael Hudson: Durante muitos anos, eu fui um docente na Universidade de Missouri-Kansas, que é um centro de MMT. Eu sou muito a favor da MMT. O ponto da MMT é que, assim como os bancos criam créditos endógenos nos seus computadores, o governo também pode criar créditos. O governo não precisa pegar dinheiro emprestado do 1%, nem dos detentores de títulos, a fim de gastá-lo; o governo pode simplesmente imprimir dinheiro, como fez durante a produção de ‘greenbacks’ [papel moeda] no século XIX.

O governo pode criar o seu próprio crédito. E nada há de errado com se ter um déficit orçamentário, porque um déficit de orçamento não tem que ser pago pelos pagadores de impostos. Um déficit governamental pode ser financiado simplesmente ao criar dinheiro no seu próprio computador – não através de impostos. Este é o ponto que Stephanie Kelton tem feito repetidamente naquilo que ela escreve.

E esta é efetivamente a essência da MMT. Obviamente, o principal expoente da MMT foi Donald Trump, quando ele disse que os déficits não têm importância, que nós podemos criar qualquer coisa que quisermos. E eu penso que o vice-presidente Cheney também disse que podemos gastar quanto quisermos. Não importa. Você sabe que George Bush disse que tudo é fictício, de qualquer maneira; nós podemos fazê-lo.

A diferença entre Donald Trump, os Republicanos e os defensores da MMT é que nós queremos que o governo tenha déficits para efetivamente gastá-lo na economia. Nós não que os déficits cheguem a US$ 9 trilhões para subsidiar a facilitação quantitativa do 1% para promover os preços imobiliários e os preços de ações e títulos financeiros.

Na verdade, nós queremos que eles empreguem trabalhadores e promovam o pleno emprego. Então, a diferença é que os defensores da MMT são basicamente à favor do crescimento econômico tangível, sem criar dinheiro ruim da MMT no estilo de Cheney e Donald Trump.  

Luke Parcher: Você pode falar um pouco sobre como o FMI e a financeirização contribuíram para o que está ocorrendo agora na Ucrânia? Eu sei que isto é um pouco amplo, mas se você puder amarrar o que nós estivemos falando aqui à situação na Ucrânia.

Michael Hudson: O trabalho do FMI é de assegurar que a economia seja empobrecida e que todo este dinheiro que ele dá é para sustentar a moeda – para capacitar os cleptocratas, Kolomoyskyl e outros, a pegar a moeda ucraniana que eles têm e transferi-la para dólares e libras esterlinas a uma taxa de câmbio alta.

Então, eles emprestarão os dólares à Ucrânia – essencialmente, para apoiar o hryvnia, seja lá como for que se pronuncia esta moeda – e capacitar os cleptocratas a ganhar dinheiro e, depois, puxar o tapete de baixo dos seus pés caso qualquer alternativa aos nazistas tome o poder. Eles querem assegurar-se que, uma vez que os cleptocratas tenham esvaziado a economia, eles podem deixar a economia colapsar.

Obviamente, eles estão apoiando a nova lei trabalhista que o presidente Zelensky empurrou, abolindo os sindicatos, abolindo os direitos de negociação dos trabalhadores e instaurando basicamente a lei trabalhista mais fascista da história de qualquer país. Então, o papel do FMI é de apoiar a oligarquia-cliente, de tirar o dinheiro deles do país antes de haver uma possibilidade de um governo de esquerda assumir e, depois, de negar todos os créditos e organizar um assalto à moeda durante o governo esquerdista, para dizer: “Vejam, o socialismo não funciona”.

O FMI é uma das instituições que é um braço da hegemonia estadunidense, evitando que o crescimento econômico ocorra fora dos EUA. Essencialmente, o FMI é um ... é um pequeno escritório localizado no porão do Pentágono, operado pelos neocons, para ter certeza que outros países não possam ter qualquer política que não permita às firmas estadunidenses de entrar e comprar as suas matérias-primas e os seus recursos naturais e os seus monopólios.

Então, pense no FMI como uma ferramenta dos militares, mas muito mais direitista do que qualquer general ousaria ser.

Luke Parcher: Muito obrigado, Michael. Nós realmente apreciamos que você tenha nos cedido o seu tempo hoje.

Mais uma vez, também quero lembrar às pessoas que, por favor, entrem no website realprogressive.org para saber mais sobre nós, ou para encontrar os seus podcasts e artigos, incluindo de novo Michael em Macro N Cheese. Com isso, nós iremos adiante e encerraremos a discussão aqui. Virginia, há alguma coisa que você queira adicionar?

Virginia Cotts: Sim. Eu quero perguntar ao Michael onde se pode encontrar o trabalho dele.

Michael Hudson: Suponho que a Amazon seja o lugar mais fácil para encontrar – está tudo disponível lá.

No meu website, www.michael-hudson.com . E você pode entrar lá e me acompanhar no Patreon. Eu tenho um grupo no Patreon e, se você for um contribuinte em um certo nível, você poderá falar diretamente comigo a cada tantos meses.

Virginia Cotts: Todos nós podemos fazer uso de apoio. O Real Progressives também tem um Patreon – então, nos apoie.

Michael, eu só quero dizer que você escreveu um artigo com o melhor título que eu jamais ví, que era algo como ‘EUA derrota a Alemanha pela Terceira Vez em um Século’. Eu pensei que aquele foi um título perfeito. Penso que você o escreveu logo quando a guerra na Ucrânia estava começando.

Michael Hudson: Correto. Era aparente desde o começo o que iria acontecer. E eu fico espantado que mais ninguém estava escrevendo sobre isso. Eu não sou muito bom em análises militares. Eu consigo seguir o que diz o Andrei Raevsky do Saker, e o Moon do Alabama e o Andrei Martyanov. Uma coisa que eu posso lhe dizer sobre operações militares é sobre os aspectos da balança de pagamentos e como tudo isso é decifrado.

Virginia Cotts: Bem ... e você falou sobre como os três setores principais se beneficiaram.

Michael Hudson: Sim. O petróleo é a chave da diplomacia estadunidense. E eu suponho que, se estivermos falando sobre a hegemonia dos EUA, ela deriva do controle dos EUA sobre o comércio de petróleo. Esta foi uma das razões pelas quais os EUA quiseram solar primeiro a Venezuela e depois a Rússia, porque se as únicas fontes de petróleo são empresas controladas pela principais petroleiras estadunidenses, então ... 

Cada economia precisa de energia para crescer. E em cada economia, desde o começo da revolução industrial, há uma conexão entre o crescimento do PIB e o uso de energia per capita. Então, eu falo sobre o lucro do monopólio e a economia-vítima. Se você puder controlar o petróleo, então, basicamente, você pode controlar a economia mundial.

Esta tem sido a chave da política dos EUA. Os estadunidenses se deram conta que, se a Europa não consegue mais comprar petróleo russo, ou petróleo venezuelano, então ela terá que gastar 10 vezes mais para comprar gás liquefeito de petróleo dos EUA. Isto significa que as sanções contra a Rússia acabaram com a supremacia industrial alemã. Isto acabou com a indústria de aço da Alemanha. Isto acabou com a indústria pesada alemã.

Agora eles dependerão dos EUA para tudo. E o euro se tornará uma fraca moeda-satélite do dólar estadunidense, como resultado do extermínio da liderança econômica e industrial da Alemanha, juntamente com a Itália e a França.

Virginia Cotts: Muito obrigada. Eu espero que nós não tenhamos abusado da sua generosidade com o seu tempo.

Michael Hudson: Não. Se eu disse alguma coisa controversa, eu presumo que vocês o excluirão.

Virginia Cotts: Oh, não, nós gostamos disso. Na verdade, nós vamos recortá-lo e espalhá-lo por toda a inernet.

Luke Parcher: Oh ... [risos]

Virginia Cotts: Michael Hudson não é controverso, certo?

Luke Parcher: Você certamente não mede as suas palavras e nós apreciamos muito isto em você. Michael, muito obrigado, de novo, por nos dar tanto tempo hoje. Eu quero agradecer a Jonathan Kadmon, Andy Kennedy e Virginia Cotts, que estiveram ajudando nos bastidores hoje para fazer isto acontecer.

Grato a todos. Foi ótimo.

Michael Hudson: Muito obrigado por me receberem. Eu gostei da discussão.

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