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Mundo

Como a privatização da água por Pinochet fez o coronavírus disparar no Chile

País modelo do bolsonarismo ocupa a posição de campeão do mundo em casos confirmados de Covid-19 por milhão de habitantes

(Foto: Rádio Universidad de Chile)
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Por Maria Christina Fragkou, na Toxic News

Tradução de Cynara Menezes, no Socialista Morena, e para o Jornalistas pela Democracia 

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O Chile é mundialmente reconhecido por sua política neoliberal, instalada durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, entre 1973 e 1990, e suas implicações na gestão da água, cristalizadas no infame Código de Água, estudado amplamente por críticos acadêmicos da política e dos mercados da água.

As principais implicações do Código são a separação dos direitos da água e dos direitos da terra, a concessão gratuita e perpétua dos primeiros e a falta de priorização para os usos da água. Estas condições principais permitiram comprar e vender água como qualquer outra mercadoria, através das transações de direitos da água, deixando aos mercados fixarem “naturalmente” a água na atividade mais rentável, ao mesmo tempo que restringiam o controle ou a intervenção do Estado.

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Reduzir os impactos da política da água chilena na escala doméstica ou pessoal revela uma realidade frustrante e precária para muitos chilenos, especialmente as mulheres nas favelas e ocupações urbanas e nas zonas rurais. A extrema precarização das condições de vida das pessoas pobres e marginalizadas está intimamente ligada a estruturas mais amplas de uma falta absoluta de políticas de bem-estar do Estado, substituídas por políticas subsidiárias parciais e de emergência. A política e os políticos chilenos criaram e perpetuaram um mapa de desigualdade e segregação sócio-espacial, tanto no Chile urbano como rural, aprofundando as diferenças de classe.

Uma convulsão social antes da pandemia, em outubro de 2019, literalmente sacudiu o país e trouxe à luz o fracasso do modelo neoliberal e extrativista do Chile, que havia prometido desenvolvimento e riqueza para todos (aqueles que tentam o suficiente). Entre as reclamações por uma melhor educação pública, saúde, aposentadorias e bem-estar social, a gestão da água como bem público foi uma das principais reivindicações dos cidadãos chilenos; afirmações que se sedimentaram em um pedido por revisão da Constituição de 1980, criada e aprovada pela junta militar, um ano antes da implementação do Código da Água.

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PROTESTOS NO CHILE EM 2019

A crise de saúde que provocou a pandemia de Covid-19 foi um capítulo irônico que demonstrou como as reivindicações sociais eram justas, urgentes e vitais para a sobrevivência das classes baixas chilenas, onde mais de 50% dos trabalhadores recebem um salário mensal inferior a 2500 reais . A provisão de água e saneamento suficientes e seguros é a principal aliada contra a propagação e a expansão da emergência de saúde global por coronavírus, enfatizada por uma série de programas das Nacões Unidas, inclusive a FAO, a UNICEF, os programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente e a Organização Internacional para as Migrações.

Em primeiro lugar, uma quantidade suficiente de água garante as boas práticas de higiene, como lavar as mãos com frequência e lavar a roupa e tomar banho após regressar do trabalho. Em segundo lugar, a boa qualidade da água e o saneamento adequado são necessários para salvaguardar a saúde pública, já que os hospitais colapsam com os casos de Covid-19 e é comum que os pacientes contraiam o vírus enquanto os visitam por outras causas.

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Finalmente, nos lares sem água corrente, as pessoas (geralmente mulheres) têm que buscar água de reservatórios em espaços públicos, infringindo as regras de quarentena e arriscando-se ao contágio. Nas favelas, geralmente são reservatórios cheios de galões de água; esta água não é considerada segura para as pessoas, que costumam fervê-la antes de seu consumo direto. Apresentamos aqui dois casos emblemáticos da falta de água corrente no Chile que comprovam como são as comunidades pobres e marginalizadas as que sofrem com a falta de água e por isso são as mais vulneráveis à pandemia.

Um dos lugares que historicamente sofrem de falta de água potável são as ocupações irregulares, geralmente desconectadas das redes formais de água e eletricidade. Em todo o Chile há ao redor de 800 “acampamentos” que abrigam mais de 47 mil famílias, a maioria deles localizados nas cercanias dos centros urbanos. A falta de água corrente é dramática sob a pandemia de Covid-19, já que as pessoas não podem seguir as práticas de higiene de lavar frequentemente as mãos para prevenir o contágio nem realizar tarefas cotidianas como lavar a roupa e limpar a casa.

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A falta de água corrente é dramática sob a pandemia de Covid-19, já que as pessoas não podem seguir as práticas de higiene de lavar frequentemente as mãos para prevenir o contágio nem realizar tarefas cotidianas como lavar a roupa e limpar a casa

Algumas comunidades estão conectadas ilegalmente à rede, enquanto outras recebem água através de carros-pipa. O preço desta água (não-potável) é várias vezes acima da distribuída pelas empresas. Além do mais, estas favelas não possuem esgoto, o que piora as condições de higiene, especialmente para as crianças e idosos.

Outro exemplo são as áreas rurais com acesso limitado ou nulo à água devido a uma variedade de razões, entre elas a falta de infraestrutura, a expansão dos mono-cultivos agrícolas e florestais intensivos e a terrível seca que está afetando o país durante a última década. Segundo dados recentes, 47% da população rural não têm acesso regular à água, e mais de 71 mil lares receberam água por caminhões-pipa em 2017. Petorca é um caso mundialmente conhecido de escassez de água atribuído à acumulação de água por parte dos agronegócios, o que resultou em privar de água as comunidades locais e os pequenos agricultores.

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Como resultado, a maior parte das cooperativas de água potável rural depende de caminhões-pipa ou tem que interromper o fornecimento durante a noite para economizar água, o que dificulta a manutenção das recomendações de higiene. A quantidade de água distribuída pelos carros-pipa foi reduzida gradualmente de 200 a 50 litros per capita diários, um terço do volume recomendado pela Organização Mundial de Saúde, causando uma série de reações na sociedade civil.

A maior parte das cooperativas de água potável rural depende de caminhões-pipa ou tem que interromper o fornecimento durante a noite para economizar água, o que dificulta a manutenção das recomendações de higiene

O INDH (Instituto Chileno de Direitos Humanos) entrou com um recurso na Justiça para que o Estado chileno garanta a segurança da água para os residentes de Petorca; uma ativista ecofeminista, Barbara Astudillo, também apresentou uma apelação junto à ONU pela mesma razão, enquanto parlamentares e organizações da sociedade civil estão exigindo a expropriação dos direitos da água para garantir o direito a ela às comunidades locais.

Estes dois casos demonstram a estreita inter-relação entre a pobreza e a falta de água, e seus impactos na saúde pública no Chile neoliberal. Há apenas 5 meses, o Senado chileno rejeitou uma moção para transformar a água num bem público. Atualmente, o Chile tem mais de 9.600 casos confirmados de Covid-19 por 1 milhão de habitantes, a taxa mais alta em todo o mundo. Nesta semana, ultrapassou a Espanha em número de casos, é o terceiro em número de contágios e o quarto em número de mortes na América Latina. O caminho até a justiça social e ambiental é longo e difícil para o Chile, mas seu povo, apesar de ser invisível para o governo, não parece se render facilmente.

P.S.: Entre as numerosas campanhas que têm como objetivo ajudar as comunidades afetadas pela pandemia, a Associação dos Geógrafos Feministas Chilenos e a Fundação Vivenda Migrante estão organizando uma campanha para arrecadar fundos em duas campanhas que não receberam apoio estatal. Mais informação no perfil no instagram da Fundação.

Maria Christina Fragkou é hidrofeminista no coletivo La Gota Negra/Departamento de Geografia, Universidade do Chile

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