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Países europeus podem realmente importar menos soja brasileira?

Apesar da crítica do presidente Emmanuel Macron, a substituição do produto brasileiro é mais difícil que parece. A soja brasileira é responsável por atender à demanda anual de 13 milhões de toneladas, das quais quase 90% se destinam à alimentação animal

(Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Lúcia Müzell, da RFI - Nos últimos anos, os países da União Europeia com forte representação política ecologista têm reforçado as pressões contra a importação da soja brasileira, acusada de contribuir para o desmatamento ilegal. O bloco é o segundo maior comprador da commodity, atrás da China. Porém, a substituição do produto brasileiro é mais difícil que parece.

A primeira alternativa imediata seria aumentar a compra de soja dos Estados Unidos, que divide com o Brasil a liderança na produção mundial. Entretanto, mesmo assim, os europeus continuariam obrigados a contar com a soja brasileira para atender à demanda anual de 13 milhões de toneladas, das quais quase 90% se destinam à alimentação animal.

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Por trás dessa dependência está um acerto feito há mais de 50 anos, no âmbito do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), o embrião da OMC (Organização Mundial do Comércio). O acordo estabelece que o continente americano exportaria livremente proteínas vegetais para a Europa em troca de os europeus adotarem, pela primeira vez, uma política agrícola comum, com subsídios para o amido (trigo, cereais).

"Na época, os Estados Unidos acionaram o GATT contra a comunidade europeia e ganharam. Desde o nascimento do bloco europeu, eles tinham aceitado importar a soja americana sem proteção, em troca de poder continuar protegendo os seus cereais”, recorda o agroeconomista Jacques Berthelot, uma referência em política agrícola internacional. "Depois, nos anos 1970, os países que hoje integram o Mercosul questionaram a quebra da cláusula em favor das nações menos desenvolvidas e conseguiram que os países da América Latina também se beneficiassem desse acordo com a Europa."

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O acordo comercial entre o bloco e o Mercosul, assinado em 2019 mas inda não ratificado, mantém as exportações da soja brasileira e argentina para a Europa sem tarifas alfandegárias. Há anos, entretanto, organizações, parlamentares e, cada vez mais, consumidores europeus, denunciam o “desmatamento importado”, através da compra de produtos que geram a devastação das florestas em outros países – uma pressão que tem se acentuado.

"A União Europeia pode contestar a validade do acordo de Dillon Round, sobretudo depois de ter se comprometido com o Acordo de Paris sobre o Clima. Em 2015, ela assumiu compromissos políticos e estratégicos a longo prazo em relação ao clima, muito mais importantes”, destaca o agroeconomista.

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Programa de incentivos

O governo francês, terceiro maior importador dentro da UE, quer zerar esse dano ambiental indireto até 2030. Para atingir essa meta, no último mês, o país lançou um ambicioso projeto para aumentar em 40% a área plantada de leguminosas ricas em proteínas, chegando a 2 milhões de hectares no fim da década. Em jogo, estão não apenas uma produção mais sustentável, como a soberania agroalimentar – hoje, 45% da demanda francesa é atendida pelas importações, das quais 80% vêm do Brasil.

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"A vontade do continente europeu e especialmente da França é reduzir a dependência da soja, não apenas a brasileira mas de todo o continente americano, e desenvolver a capacidade de produzir as proteínas aqui na Europa”, destaca Arnaud Rousseau, presidente da Federação Francesa de Produtores de Oleaginosas e Proteaginosas.

"Queremos fazer isso de diversas formas, como pela pesquisa e inovação em sementes, que nos permitem ter uma variedade de soja com uma tipicidade europeia que responde melhor aos desafios climáticos daqui”, explica.

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O programa francês, de € 100 milhões, vai incitar os produtores de cereais a aumentarem a plantação de proteínas vegetais, em especial a soja. Atualmente, o país produz apenas 2,5 milhões de toneladas das cerca de 6 milhões de toneladas que consome.

"Continuar a depender da soja brasileira seria o mesmo que apoiar o desmatamento da Amazônia", declarou o presidente francês Emmanuel Macron nas redes sociais esta semana. "Somos coerentes com nossas ambições ecológicas, estamos lutando para produzir soja na Europa", completou o chefe de Estado.

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Mais controle das importações

Os ecologistas sonham que os franceses podem até se tornar autossustentáveis graças à diminuição do consumo de carne nas próximas décadas. Porém, os representantes do setor e os ligados à alimentação animal na França reconhecem que esse objetivo não é realista. A União Europeia não dispõe mais de imensas áreas de plantio, como exige a soja. Para dar uma ideia das dimensões, no Brasil a superfície ocupada pela cultura chega a 36 milhões de hectares – quase duas vezes a área total da França.

O meta, portanto, é diminuir 10% da dependência externa até 2028, com explica Valérie Bris, diretora-adjunta da Cooperativa Agrícola Nutrition Animale e associada da Duralim, uma plataforma que promove a alimentação animal sustentável no país.

"A demanda por garantias ambientais é cada vez mais forte na sociedade. Os consumidores querem que as matérias-primas destinadas à alimentação dos animais que eles irão consumir sejam sustentáveis”, frisa Bris. "Os nossos parceiros adotaram um compromisso forte de zerar o desmatamento importado até 2025. Agora, estamos numa reflexão sobre como operacionalizar esse objetivo e termos garantias de que a importação da nossa soja não causará desmatamento, no caso específico do Brasil."

Resta saber até que ponto os consumidores estarão dispostos a pagar mais por essa carne, já que a queda das importações deve ter impacto nos preços.

“Precisaremos que o produtor seja pago corretamente e que o consumidor aceite pagar o valor desse produto. Hoje, ele diz que sim, está pronto para isso”, observa Rousseau.

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