'Rússia reagiu contra Ucrânia com atraso de oito anos', diz Miguel Borba
Professor considera que Moscou violou direito internacional, mas em resposta à escalada militar ocidental desde o golpe de 2014
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Opera Mundi - No programa 20 MINUTOS INTERNACIONAL desta quinta-feira (03/03), o jornalista Breno Altman entrevistou Miguel Borba de Sá, professor de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra, que analisou o conflito na Ucrânia.
Segundo ele, a guerra era previsível há, pelo menos, oito anos, quando ocorreu o golpe de Estado em 2014 que depôs o então presidente Viktor Yanukovich, “porque não queriam deixar a Ucrânia fazer acordo com os dois lados [Rússia e Europa]”. Nesse sentido, “a guerra começou em 2014, só que agora a Rússia reagiu, com um atraso de oito anos, que deu um giro qualitativo no conflito”.
“Temos que entender por que a guerra começou. Em 2014, o apoio militar russo me pareceu justo, porque havia ali uma tentativa de limpeza étnica com a presença de forças externas, uma certa privatização da guerra. A situação atual, ainda não posso dizer se se trata de uma guerra justa, porque não parece ter a ver com aquele primeiro motivo. O que está acontecendo agora é uma temeridade, é de uma completa irresponsabilidade, e fruto de políticas agressivas da OTAN e dos EUA que buscam implementar uma supremacia ocidental e tomam atitudes que só levam à escalada do conflito”, ponderou o professor.
Ainda que entenda os motivos da Rússia, ele reforçou que a guerra viola o direito internacional e que, mesmo que agora esteja se verificando o uso comedido da força, pode ocorrer uma tragédia. Para ele, ainda há o risco de uma guerra nuclear ou envolvimento militar da OTAN e dos EUA — o que acaba dando mais razões a Vladimir Putin.
“Na Europa fala-se muito em paz, mas se alimenta a guerra. Temos que agir politicamente para desescalar ações militares. Me assusta que as pessoas, mesmo alguns repórteres, têm cobrado entradas frontais na guerra, contra a Rússia, ou a favor de armar ucranianos para uma guerra que ninguém tem coragem de lutar sozinho e que ninguém tem coragem de vender contra a Rússia. Isso tudo é um grande aviso para a Europa repensar suas estratégias”, defendeu Borba.
Além de condenar veementemente o envio de suposto auxílio militar à Ucrânia, ele também criticou a implementação de sanções contra a Rússia, afirmando tratar-se de uma agressão que configura uma guerra econômica e é ilegal do ponto de vista do direito internacional.
Escolhendo um lado
Crítico em relação a todos os lados do conflito, Borba alertou para a hipocrisia por trás da “escolha de um lado” ou, em concreto, das demonstrações de solidariedade à Ucrânia: “qual é a qualidade da nossa democracia no mundo ocidental? Proibir redes de televisão e agências de notícias russas como a RT e a Sputnik é censura. Há um interferência política na democracia no próprio Ocidente. E quem são os ucranianos na Europa? São os trabalhadores, reprimidos e racializados, que pegam os empregos que ninguém quer. Aqui em Portugal, um ucraniano foi espancado à morte pelas autoridades no aeroporto. Não houve nenhuma solidariedade na época”.
O professor explicou que não se pode ser ingênuo ao apoiar campanhas de solidariedade e questionou as intenções dessas campanhas, como por exemplo de crowdfundings, para enviar armas para os ucranianos “lutarem numa guerra que ninguém quer lutar”.
“A Ucrânia está sendo vítima de estratégias ocidentais que não se importam com a população. Não é discutido um cessar-fogo, por exemplo. Apela-se para o emocional das pessoas para fazer um chamamento às pessoas para lutar e vai-se prolongando essa guerra infeliz”, reforçou.
Na opinião dele, a demonização de Putin e a visão maniqueísta que está sendo estimulada sobre o conflito apenas contribui para sua despolitização, impedindo sua resolução.
Por isso, ele afirmou que não iria a uma manifestação contra Putin ou contra a guerra na Ucrânia sem refletir muito antes: “É bom saber quem está convocando a manifestação. Eu sou a favor da paz, iria em uma manifestação pela paz e ainda me perguntaria que paz é essa pela que se está protestando. Será que é uma manifestação mais interessada em provocar o adversário? Esse suposto pacifismo tem que ser visto com muita cautela”.
Borba lembrou que guerras não são raras e que esta não é a primeira ruptura da ordem. Ele denunciou, por exemplo, que o apartheid contra o povo palestino provocado por Israel não gera a mesma comoção. Chamou a atenção, também, para como muitos refugiados ucranianos estão sendo recebidos de braços abertos na Europa, o que não acontece com refugiados não brancos, e para o fato de que pessoas não brancas vivendo na Ucrânia, que não estão conseguindo sair do país, tampouco estão recebendo o mesmo apoio.
“Pessoas brancas merecem mais solidariedade? Isso revela muito. Somos mesmo solidários? Só podemos lutar por uma solução política para tudo isso e esperar que o conflito termine o mais rápido possível com o arranjo mais realista possível”, concluiu.
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