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Oásis

Um arquiteto cego: Para se ver a vida de um outro jeito

Como seria uma cidade projetada para pessoas cegas? Chris Downey é um arquiteto que subitamente ficou cego em 2008. Ele compara a vida em sua querida São Francisco, antes e depois da cegueira, e mostra como os projetos urbanos bem pensados, que facilitam sua vida de cego agora, podem, na verdade, facilitar a vida de todos, sejam eles cegos ou não

Como seria uma cidade projetada para pessoas cegas? Chris Downey é um arquiteto que subitamente ficou cego em 2008. Ele compara a vida em sua querida São Francisco, antes e depois da cegueira, e mostra como os projetos urbanos bem pensados, que facilitam sua vida de cego agora, podem, na verdade, facilitar a vida de todos, sejam eles cegos ou não (Foto: Gisele Federicce)
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Vídeo: TED – Ideas Worth Spreading
Tradução: Raissa Mendes. Revisão: Frida Sterenberg

Chris Downey é arquiteto, projetista e consultor em questões urbanas. Ao trabalhar com clientes e com equipes de projetistas especializados em design urbano, Downey cria e traça projetos a partir de sua perspectiva de arquiteto maduro, porém cego. Desse modo consegue realizar ambientes que não apenas oferecem ótimas facilidades de acesso físico, mas também uma experiência de soluções arquitetônicas bonitas e agradáveis aos demais sentidos.

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Vídeo:

http://www.ted.com/talks/lang/pt-br/chris_downey_design_with_the_blind_in_mind.html

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EMBED

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Tradução integral da palestra de Chris Downey:

Então, depois de descer do ônibus, me dirigi para a esquina na direção oeste, a caminho de uma aula de braille. Era o inverno de 2009, e eu tinha ficado cego havia cerca de um ano. Estava indo tudo muito bem. Quando cheguei a salvo no outro lado, me virei para a esquerda, apertei o botão para acionar o sinal sonoro do pedestre, e esperei para atravessar. Quando ele soou, comecei a travessia e cheguei são e salvo do outro lado. Ao pisar na calçada, ouvi o som de uma cadeira de aço deslizando no passeio de concreto a minha frente. Sei que existe um café na esquina, e eles têm cadeiras do lado de fora, então eu simplesmente desviei para a esquerda para andar mais perto da rua. Assim que me desviei, a cadeira também deslizou. Eu percebi que tinha cometido um erro e voltei para a direita, e a cadeira também, em perfeita sincronia. Aí comecei a ficar um pouco ansioso.Voltei para a esquerda, e a cadeira também, bloqueando o meu caminho. Naquele altura, eu já estava oficialmente surtando. Então gritei: "Que diabos tem aqui? O que está acontecendo?"

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Aí, imediatamente, ouvi algo, um chocalho familiar. Parecia familiar, e rapidamente pensei numa outra possibilidade, e aproximei minha mão esquerda, até que meus dedos começaram a alisar uma coisa peluda, e encostei numa orelha, a orelha de um cão, talvez um golden retriever. Sua correia tinha sido presa na cadeira, enquanto o dono tinha entrado para tomar um café, e o cão foi bem persistente em seus esforços para tentar me cumprimentar e, quem sabe, conseguir um afago atrás da orelha. Quem sabe, talvez o cão estivesse se oferecendo para me ajudar. (Risos)
Mas essa história é, na verdade, sobre os medos e equívocos que acompanham a ideia de se deslocar numa cidade sem enxergar, aparentemente alheio ao ambiente e às pessoas ao redor.

Chris Downey

Então, me permitam voltar um pouco e tentar contextualizar um pouco essa questão. No dia de São Patrício, em 2008, dei entrada no hospital para uma cirurgia para remover um tumor cerebral. A cirurgia foi um sucesso. Dois dias depois, minha visão começou a falhar. No terceiro dia, tinha desaparecido completamente.

Imediatamente, fui atingido por uma incrível sensação de medo, de confusão, de vulnerabilidade, como qualquer um naquela situação se sentiria. No entanto, quando parei para pensar, comecei, na verdade, a perceber que tinha muito pelo que agradecer. Lembrei-me, especialmente, do meu pai, que morreu de complicações decorrentes de uma cirurgia no cérebro. Ele tinha 36 anos. E eu, na época, tinha 7 anos. Assim, apesar de ter todos os motivos para temer o que estava por vir, e de não ter a menor ideia do que ia acontecer, eu estava vivo. Meu filho ainda tinha um pai. E além disso, eu não era a primeira pessoa no mundo a perder a visão. Eu sabia que tinha de haver todo tipo de sistemas, e técnicas, e treinamentos para se levar uma vida significativa, plena e ativa sem visão.

Então, quando tive alta do hospital, alguns dias depois, saí com uma missão, a missão de conseguir o melhor treinamento o mais rápido possível para reconstruir a minha vida. Em 6 meses, já estava de volta ao trabalho. Meu treinamento tinha começado. Comecei até mesmo a andar de bicicleta tandem com meus antigos amigos ciclistas, e estava indo para o trabalho sozinho, andando pela cidade e pegando ônibus. Foi muito trabalho duro.

Mas o que eu não consegui prever durante aquela rápida transição foi a incrível experiência de justapor a minha experiência com visão à minha experiência de cegueira, nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas, num período de tempo tão curto.

Daí resultaram muitos insights, ou "outsights", como passei a chamá-los, coisas que aprendi desde que perdi a visão. Esses "outsights" variavam dos mais triviais aos mais profundos, do mundano ao cômico. Como arquiteto, aquela justaposição tão forte de minha experiência com visão e sem visão dos mesmos lugares e das mesmas cidades, num espaço de tempo tão curto, me deu toda sorte de "outsights" maravilhosos da cidade por si só. Um dos mais marcantes foi a percepção de que, na verdade, as cidades são lugares fantásticos para os cegos. Também fiquei bastante surpreso pela propensão da cidade para a bondade e o cuidado, em oposição à indiferença ou coisa pior. E, assim, comecei a perceber que parecia que os cegos tinham uma influência positiva na cidade em si. Isso foi uma descoberta curiosa para mim.

Deixe-me voltar um pouco e mostrar por que a cidade é tão boa para os cegos. Junto com o treinamento para recuperar-se da perda de visão, aprendemos a confiar em todos os nossos sentidos não visuais, coisas que de outro modo talvez fossem ignoradas. É como se um mundo totalmente novo de informação sensorial se abrisse para você. Eu fiquei realmente impressionado pela sinfonia de sons sutis ao meu redor na cidade, que podem ser ouvidos e usados para orientar onde você está, como se mover e aonde você precisa ir. Da mesma forma, apenas segurando firme uma bengala, você pode sentir texturas contrastantes no chão sob seus pés, e, com o passar do tempo, você constrói um padrão sobre onde você está e para onde está indo. Da mesma forma, sentir o sol aquecendo um lado do seu rosto, ou o vento no seu pescoço, lhe dá pistas sobre seu alinhamento e sua progressão através de um quarteirão e seu movimento no tempo e no espaço. Tem o olfato também. Alguns bairros e cidades têm seu próprio cheiro, assim como lugares e coisas ao seu redor, e, com sorte, você até consegue deixar seu nariz te levar até aquela padaria nova que você estava procurando.

Tudo isso realmente me surpreendeu, pois comecei a perceber que minha experiência de cegueira era muito mais multissensorial do que foi minha experiência com visão. O que me surpreendeu também foi o quanto a cidade estava mudando ao meu redor. Quando se tem visão, todo mundo fica meio que ensimesmado, cuidando da própria vida. Quando se perde a visão, aí a história muda completamente. E não sei quem está observando quem, mas desconfio de que muitas pessoas estão me observando. E não sou paranoico, mas em todos os lugares aonde vou me dão todo tipo de orientação: "Passe por aqui"; "Vai por lá"; "Cuidado com isso". Muitas das informações são boas. Algumas são úteis. Muitas são o oposto. Você tem de descobrir o que elas realmente significam. Algumas são erradas e não são úteis. Mas, de maneira geral, está tudo bem.

Mas, uma vez, eu estava em Oakland, andando na Broadway, e cheguei a uma esquina. Estava esperando pelo sinal sonoro do pedestre e, assim que ele soou, eu estava pronto para começar a atravessar a rua, quando, de repente, minha mão direita foi agarrada por esse cara, e ele puxou o meu braço, e me puxou para a faixa de pedestre e atravessou a rua me puxando, e falando em mandarim. (Risos) Bem, não houve escapatória da pegada mortal desse homem, mas ele me levou a salvo para o outro lado. O que eu podia fazer? Mas, podem acreditar, existem maneiras mais educadas de oferecer ajuda. Não sabemos que você está lá, assim, seria melhor dizer "olá" primeiro. "Você precisa de ajuda?"

Mas, em Oakland, eu realmente fiquei surpreendido por quanto a cidade tinha mudado, quando perdi minha visão. Quando eu enxergava, eu gostava dela. Era legal. Era uma ótima cidade. No entanto, quando perdi a visão, e estava andando pela Broadway, fui abençoado em cada quarteirão do caminho.

"Deus te abençoe, cara."

"Vá em frente, irmão."

"Deus te abençoe."

Não tinha nada disso quando eu enxergava. (Risos) E, mesmo cego, não me tratam assim em São Francisco. E sei que isso incomoda alguns dos meus amigos cegos, não apenas eu. Normalmente, acha-se que essa é uma emoção que vem por piedade. A minha tendência é pensar que vem da nossa humanidade compartilhada, vem da nossa união, e acho isso muito legal. Na verdade, quando me sinto para baixo, vou para a Broadway, no centro de Oakland, faço uma caminhada, e me sinto melhor rapidinho.

Mas também isso mostra como a deficiência e a cegueira meio que atravessam linhas étnicas, sociais, raciais e econômicas. A deficiência fornece uma chance de oportunidades iguais. Todos são bem vindos. De fato, ouvi na comunidade de deficientes que na verdade só existem dois tipos de pessoas: existem as portadoras de deficiência, e aquelas que ainda não descobriram a sua. É um jeito diferente de ver a questão, mas acho que é bonito, pois é certamente muito mais inclusivo do que o "nós versus eles", ou o "não-deficiente versus o deficiente", e isso é muito mais honesto e respeitoso com relação à fragilidade da vida.

Assim, minha palavra final para vocês é que não apenas a cidade é boa para o cego, mas que ela precisa da gente. E tenho tanta certeza disso que quero propor aqui hoje que o cego seja usado como um protótipo de morador da cidade, quando imaginarmos novas e maravilhosas cidades, e não pessoas que só são pensadas depois que o molde já foi feito. Aí é muito tarde. Assim, ao se projetar uma cidade com os cegos em mente, teremos uma rede generosa de calçadas caminháveis, com um grande leque de opções e escolhas, tudo disponível no nível da rua. Ao se projetar uma cidade tendo em mente as pessoas cegas, as calçadas serão previsíveis e generosas. O espaço entre os prédios será melhor distribuído entre as pessoas e os carros. Na verdade, carros, quem precisa deles? Se você é cego, você não dirige. (Risos) Eles não gostam quando você dirige. (Risos) Ao se planejar uma cidade com os cegos em mente, projeta-se uma cidade com um sistema de trânsito robusto, acessível, de massa e bem conectado, que liga todas as partes da cidade e a região ao redor. Ao se projetar uma cidade com os cegos em mente, haverá empregos, um monte de empregos. Pessoas cegas querem trabalhar também. Eles querem ganhar o seu dinheiro.

Assim, ao projetar uma cidade para os cegos, espero que vocês comecem a perceber que isso seria, na verdade, mais inclusivo, uma cidade com mais equidade, mais justa para todos. E, baseado em minha experiência com visão, parece uma cidade muito legal, não importa se você é cego, se você tem uma deficiência, ou se simplesmente você ainda não descobriu qual é a sua. Muito obrigado.

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