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Roberto Xavier

Cientista Político, Mestre em Gestão de Políticas Públicas

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A China, os Estados Unidos e suas democracias

(Foto: REUTERS/Aly Song)
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* Coautoria do especialista em Relações Internacionais, professor, jornalista, sociólogo e Mestre em História Social e Doutor em Ciência Política (USP), Fábio Metzger

A eleição que conduziu Xi Jinping para um terceiro mandato começa a causar algumas críticas ao modelo eleitoral chinês, sobretudo porque muitos de seus adversários utilizam como parâmetro o modelo eleitoral daquilo que classificam como democracia liberal amplamente utilizado no ocidente.

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A crítica ao modelo chinês se concentra basicamente a três aspectos da eleição de Xi Jinping. Primeiro o fato de ocupar o cargo desde 2013 e devendo permanecer pelo menos até 2027, segundo por ter sido eleito de forma indireta por um colégio eleitoral com cerca de 3.000 representantes, em sua grande maioria do PCCh (Partido Comunista Chinês) e por fim, por ser uma eleição de partido único.

Mesmo se considerarmos esses pontos como críticas válidas, ainda assim, é uma crítica seletiva que ignora que em muitos países ocidentais que adotam a democracia liberal como modelo de organização política esses mesmos fatos acontecem. Utilizando para comparação os sistemas políticos ocidentais especialmente da Grã-Bretanha e dos EUA, como modelos da democracia liberal e o caso da China como exemplo de regimes que não são democráticos, vemos que a crítica é frágil.

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Em relação a permanência no cargo por longos períodos temos do lado ocidental, há diversos casos que podem citados. Por exemplo, o presidente dos EUA Roosevelt, que governou o país por mais de uma década, de 1933, quando assumiu, até a sua morte, em 1945. Aqui falamos de um regime presidencialista, onde o Chefe de Estado é também Chefe de governo. Por outro lado, podemos citar o caso de alguns regimes parlamentaristas, como no da 1ª Ministra inglesa Margareth Tatcher que permaneceu do cargo de 1979 a 1990. No caso, o parlamentarismo, de jure, o governante é Chefe de Estado, sendo Chefe de governo um rei (caso britânico) ou um presidente (caso de repúblicas). 

No entanto, são estruturas onde, muitas vezes, a chefia de Estado é apenas cerimonial. E o/a Premier acaba acumulando as duas funções, tal qual um presidente no regime presidencialista. Tatcher poderia ter sido reconduzida a um quarto mandato, ficando no posto até 1995, se não tivesse renunciado ao posto, mesmo vencendo um primeiro turno de votação porque a norma vigente exigia que a diferença fosse superior a 15% dos votos. A senhora Tatcher preferiu renunciar a governar com uma liderança contestada.

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 Já com relação ao modelo de eleição indireta, assim como a China, os EUA também adotam esse modelo sem que haja contestação da sua validade democrática. A eleição presidencial nos EUA ocorre em um Colégio Eleitoral composto por 538 delegados sem mandato legislativo e indicados pelos Partidos exclusivamente para essa tarefa, enquanto no caso chinês quem elege o presidente são os parlamentares eleitos para o Congresso Nacional do Povo que é composto por 2.980 delegados que além de elegerem o presidente e outros dirigentes importantes do governo, votam todo o direcionamento político do país para o próximo período de governo.

Outro ponto que difere os dois modelos é que nos EUA os delegados representam a população de um distrito eleitoral que pode ter milhares de eleitores, embora nas cidades estadunidenses, haja, sem dúvida, muita participação política, associações, entidades, imprensa que se concentram em construir uma política comunitária, é o distrito eleitoral a unidade do sistema eleitoral.

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Por outro lado, os parlamentares chines são eleitos pelas assembleias populares provinciais. Estas, por sua vez, são eleitas pelas assembleias de nível inferior, e assim por diante, através de uma série de níveis até as assembleias populares locais, que pode ser uma vila, um bairro, uma fábrica, uma universidade, que são eleitas diretamente, em alguns casos, por apenas algumas centenas de eleitores. Ora, por que no caso dos EUA, esta participação pode ser considerada democrática, e isso ser negado aos chineses, que institucionalizam mecanismos internos participativos em diversos níveis?

Por fim, temos a questão do sistema partidário como terceiro ponto crítico do modelo político chinês porque se alega que é a pluralidade partidária que garante a vitalidade da democracia ocidental. Nesse ponto é preciso esclarecer que nem a China possui apenas um único partido político ou os EUA e a Grã-Bretanha possuem apenas dois partidos como é amplamente difundido.

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Na China, na verdade, além do Partido Comunista Chinês, a Constituição de 1982 prevê a existência de outros partidos. São reconhecidos oito partidos menores, denominados de "partidos democráticos", que também participam do sistema político, mas que se sujeitam à liderança do partido dominante e cooperando com ele, incluindo entre esses países menores a Liga para Democracia e Autonomia de Taiwan. 

Já Inglaterra além dos majoritários Partidos Conservador e Trabalhista há mais de uma dezena de pequenos partidos que quando conseguem eleger seus representantes para o Parlamento são, obrigatoriamente, aglutinados em um dos dois blocos parlamentares, o do governo e o da oposição que desde os tempos da rainha Vitória são liderados alternadamente pelos Conservadores e pelos Trabalhistas, mas que programaticamente divergem muito pouco um do outro. 

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E por fim, nos Estados Unidos também há mais que os dois partidos hegemônicos. Existem mais de 30 partidos organizados pelo país, mas, na prática, o sistema político-partidário atual que opera é o bipartidarismo, dominado pelos Partidos Republicano e Democrata. Esses dois partidos ganharam todas as eleições presidenciais no país desde o pleito de 1852 e têm se revezado no controle do Congresso desde pelo menos 1856 e assim como os grandes partidos ingleses programaticamente divergem muito pouco um do outro. O quanto tem de democrático um sistema que oferece poucas opções, para além de duas? E duas opções, que frequentemente são bastante similares entre si?

Além desses pontos, que longe de distanciar o modelo chinês de governo do modelo de democracia liberal parlamentar inglesa ou presidencialista americana os aproximam, temos que entender com um equívoco analítico fazer divisões morais em favor de um lado, em detrimento a outro. 

Nos EUA, por exemplo, há aspectos do modelo político que são igualmente não democráticos, assim como na China, o que demostra uma certa hipocrisia da política externa de Washington, quando esta se pretende um modelo a ser replicado mundo afora, independente das diferenças históricas, políticas e econômicas e culturais, incluindo aspectos religiosos, que caracterizam esses países onde os EUA tentam impor o seu modelo, muitas das vezes através de intervenções militares, frequentemente sem respaldo no direito internacional.

O sistema de governo e a burocracia estatal americanos são controlados por um mesmo grupo político que se mantém no poder há mais de 200 anos porque disputa as eleições através dos Partidos Republicano e Democrata e as eleições que deveriam promover a alternância no poder são decididas por menos de 2% do eleitorado, uma vez que a quase totalidade dos eleitores são registrados em uma dessas duas legendas e por isso não tem liberdade e autonomia para mudar seus votos. O produto deste grupo político pode muito bem ser apresentado enquanto o chamado “Estado Profundo” (Deep State).

O modelo eleitoral também não é um exemplo de democracia liberal já que o voto popular, um dos seus pressupostos, precisa ser referendado por um Colégio Eleitoral que pode modificar o desejo manifesto na forma de uma maioria, se esse Colégio entender que se trata de uma “Tirania da Maioria” como definido nos “papéis federalistas” como um conceito amplo, mas que pode ser resumido como "a força superior de uma maioria interessada e arrogante."

Outra premissa da democracia liberal que é violada no modelo eleitoral americano é o conceito “one man, one vote” uma vez a vitória de um candidato em um estado com uma vantagem de apenas 1 voto tem o mesmo valor que uma vantagem de 100% dos votos em outro estado porque o resultado da votação popular não muda a quantidade de delegados que a legenda indicará para o Colégio Eleitoral. Além de ser um sistema eleitoral que cria diversas dificuldades para a votação de negros, pobres e descendentes de imigrantes que são a maioria dos eleitores e podem decidir a eleição cujo resultado pode levar semanas para ser divulgado porque existem 50 modelos diferentes de votação e ainda assim pode ser contestado na Suprema Corte. 

Não seria mais adequado falar de uma República Federal, antes de resumir todo o sistema como uma Democracia Liberal? Os mecanismos e conteúdos enfraquecem a ideia da representação e participação popular, e beneficiam bastante o Deep State, e também o poder de concentração econômica de elites que duopolizam (ou monopolizam) o embate político. Talvez estejamos falando, não de uma Democracia, mas sim de um Plutocracia (governo fundado na riqueza), uma Oligarquia (governo fundado em uma elite), ou uma combinação de ambos.

Além dessas comparações empíricas e pontuais apresentamos aqui uma comparação entre EUA, China e um estágio intermediário dos dois, o Japão, para demonstrar o quanto importa o formato de cada sociedade na definição do seu modelo eficaz de democracia, sem que isso queira significar que qualquer um deles se querer superior aos demais.

 A China é um regime despótico tradicional. Substituiu o velho Mandarinato derivado do Império pelo regime de partido único. Ambos eram formados por uma elite culta e pensante. No primeiro caso, em nome de um monarca. No segundo, em nome de um partido proletário. De certa forma, o Japão que mantém há quase oitenta anos uma mesma legenda no poder, o PLD, também sustenta traços de despotismo, quando um só partido substitui o poder de fato, que pertenceu a um Imperador até 1945.

Tanto Japão quanto EUA, não podem ser chamados de Democracias, sequer pelo critério Liberal. São igualmente um tipo moderno de oligarquias, as plutocracias, só que o Japão é ocupado por bases dos EUA, e submete o seu regime ao bloco de poder ocidental. E, por isso, teve que fazer uma reestruturação do poder conforme os interesses norte-americanos, enquanto a China optou por uma reestruturação política conforme a sua própria concepção de sociedade, sem se submeter aos polos políticos representados pelo embate entre EUA e URSS e desenvolveu o seu próprio modelo de governo, de capitalismo e de socialismo.

Apesar de defendermos o modelo político Democrático Liberal, entendemos que esse modelo só deve ser pensado nos termos das nossas próprias sociedades para elas mesmas, respeitando a autodeterminação dos povos e sua historicidade, sem impor a outras nações, sobretudo à países orientais culturalmente tão diferentes, esse modelo que levou pelo menos 200 anos para se desenvolver.

Desde que se as sociedades humanas se organizaram em Estados Nacionais Modernos há 600 anos cada um desses Estados são o representante legítimo de cada uma dessas Sociedade e estão em igualdade jurídica, uns em relação aos outros. Logo, nenhum deles impor pode impor o seu próprio modelo ao outro, exceto quando fica expressa uma crise de legitimidade do Estado, perante a sua própria população, mas que não garante que a opção substitutiva para aquela população será a Democracia Liberal. Outros modelos são possíveis.

Somente entendendo e aceitando é que a estrutura básica de cada Estado varia, de caso a caso, é que podemos apontar qual o melhore tipo de regime enquanto mecanismo de garantia da soberania nacional e da autodeterminação dos povos e nem sempre será o modelo das Democracias Liberais.

No concerto das nações há países que adotaram a monarquia, outros a república. Dentre as monarquias, existem as absolutas e as constitucionais. E mesmo entre estas últimas, há maiores e menores graus de intervenção dos monarcas. Dentre as repúblicas, há as socialistas, as teocráticas, as seculares confessionais, e as laicas. E ainda outros modelos são possíveis.

Há teóricos ocidentais, especialmente derivados do Ciclo de Viena e outras Escolas do século XX, como Karl Popper e Hannah Arendt, que buscam separar sociedades democráticas das autoritárias. Ambos não distinguem o nazifascismo do marxismo-leninismo. E poupam o autoritarismo de muitas sociedades ocidentais. É preciso salientar que eram filósofos que estavam diante do surgimento de regimes realmente autoritários. No entanto, foram regimes que estavam crescendo no âmbito europeu, e não em países eurasianos, cujas estruturas sociais são bem distintas. 

Basta acessar os clássicos para notar que os antigos faziam tal distinção. Maquiavel compara a Turquia Imperial com a França Monárquica no Príncipe, e ele mesmo demonstra o quão diferentes são ambas as sociedades. A Turquia possuía, já naquele momento, a figura do Sultão Califa, que a título pessoal, era quem centralizava o desenvolvimento do Império. No caso da França, o rei era muito mais dependente de sua nobreza e seus vassalos.

Montesquieu distinguiu bem esses dois modelos como Monarquia e Despotismo. E, em contraste, comparou a Monarquia Francesa com a Britânica, demonstrando o quanto a segunda era mais descentralizada, e portanto, sem o caráter de regime absolutista. Bastava notar que o corpo político da Inglaterra é uma ilha e, logo, a descentralização é mais fácil, perante o isolamento físico do local. Já a França é um território de passagem, bem mais sujeito a conflitos entre vizinhos. Mas um Estado unitário. Já a Turquia era o centro de um Império multinacional, e a figura do Imperador é ainda mais decisiva que a do Rei francês, como unificador de vários povos. Como, aliás o são a Rússia e a China.

Montesquieu, enquanto nobre, temia a República, não a Democracia. Por isso, defendia a Monarquia Constitucional, como modo de defender os privilégios de sua classe. Maquiavel era um republicano, mas para ele, o mais importante era estabelecer o Estado Nacional moderno na Itália, fosse enquanto a monarquia absoluta, como defendia no Príncipe. Ou a República, como defendia em A Década de Tito Lívio. 

 O primeiro a realmente proclamar a superioridade da Democracia Liberal perante os demais regimes foi Hegel. Nem Kant chegou a tanto, já que sua defesa, antes de democrática, era liberal, e isso, não pela visão hegeliana do conflito, mas sim pela moralidade social de cada país, portanto, uma visão de paz, não de enfrentamento. 

Hegel, por sua visão eurocêntrica, é que estabeleceu uma ideia de "Fim da História", colocando o Ocidente em superioridade em relação aos demais. Um caminho linear, rumo à ideia de liberdade. Para Marx, essa dialética não era de ideias, nem entre povos, mas sim entre classes sociais e estruturas produtivas materiais. A superação final marxista, pretendia ser maior que o Liberalismo: era a sociedade sem classes sociais. 

  Para os chineses, a visão marxista é bem mais palatável. E mesmo assim, ao modo próprio. A visão chinesa de História não é linear, e sim cíclica. Estamos falando de uma civilização de cinco milênios, construída a partir de clãs e uma classe de corteses esclarecidos, muito mais do que de Senhores de Guerra, como se deu na Europa.

Sem essas explicações preliminares, corremos o risco das simplificações. É preciso compreender que a conceituação de Popper e Arendt estão localizadas no tempo e no espaço. E a comparação de ambos entre os regimes autoritários e democráticos só faz sentido perante o Entre Guerras europeu, e o suicídio do Velho Continente no embate das duas grandes guerras.

Quanto aos EUA, falamos de uma forma de transferência institucional de populações vindas de fora. O que facilitou bastante o seu modo de governo federalista descentralizado. E mesmo assim, ao custo do extermínio indígena e de uma guerra civil a devastar o país, em nome da abolição da escravatura. 

Por fim, notem que estamos falando mais das exceções do que da regra, quando comparamos regimes diferentes. Regra, quando é válida, se dá de um país a si mesmo, então antes de comparar o modelo chinês a qualquer outro parâmetro, sobretudo ocidental, o façam em ralação à própria China pré-comunista e verificarão como sua trajetória em direção à democratização de espaços participativos em instâncias locais e médias (tal qual os Estados Unidos) e ao bem-estar de sua população é impressionante e feita de maneira acelerada, comparável em muitos aspectos, à trajetória da sociedade americana do colonialismo à república, por exemplo, e em muito menos tempo.

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