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Renata Barbosa

Renata Barbosa é cientista política

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A chuva em BH não é culpa de Deus nem dos marxistas

Diferentemente dos países desenvolvidos como os EUA, França, Japão, Canadá e Alemanha, cujos governos estão aumentando seus fundos para situações emergenciais causadas por desastres naturais, o Brasil segue na contramão da percepção acerca dos efeitos das mudanças climáticas

Chuvas (Foto: Chuvas)
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A atriz americana Sharon Stone afirmou que o terremoto que avassalou a China, em 2008, foi em consequência do carma do país por invadir o Tibet. Na mesma linha, o Prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), diante da destruição da cidade devido às chuvas intensas, declarou que “Se Deus quis mandar a maior chuva de BH para esse secretariado, para esse prefeito, ele deu o frio conforme o cobertor”. Já o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, anunciou que as mudanças climáticas são um complô marxista. Esses são alguns exemplos de teorias de cunho espiritual e neoliberal que negam as evidências científicas sobre as mudanças climáticas, como a correlação entre o aumento dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera e o aumento da temperatura − o que se reflete na intensidade das chuvas, inundações, furacões, tufões e até terremotos.

O atual declarado estado de emergência em Belo Horizonte, decorrente, em janeiro, do maior volume de chuvas e enchentes nos últimos 110 anos (desde que a medição foi implementada), demonstra tal rejeição à ideia de mudanças climáticas e seus efeitos devastadores. De fato não houve uma prevenção eficaz da infraestrutura urbana por meio de ações de manejo de água de chuva- obras de drenagem e escoamento, vistoria de terrenos em áreas de risco e instalação de mais lixeiras no município. Nem tampouco, a preparação da população através de enunciados do governo na grande mídia de como proceder para garantir sua segurança e deixar a cidade mais limpa, ou a divulgação de abrigos antes do período crítico. Se consideradas, estas iniciativas poderiam mitigar as consequências da tragédia. Porém, o que se viu foi o despreparo e a irresponsabilidade por parte da Prefeitura de BH, do governo de Minas e do governo federal.

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As declarações do Prefeito de Belo Horizonte, em outubro de 2019 − “O prefeito errou? Errou!’’ −, atestavam sua culpabilidade em relação ao projeto falho que viabilizaria a construção de túneis no principal ponto de enchente na zona oeste da cidade, iniciado um ano antes. Somente 9 meses depois, próximo à época das chuvas, divulgou uma nova iniciativa que não saiu do papel, à espera de licitação. Apenas após os danos ocorridos, em 29 de janeiro, Kalil anunciou um plano diretor para as obras de maior absorção de água na região e culpou os empresários “gananciosos” por terem impossibilitado a proposta anterior. Contudo, segundo um levantamento da prefeitura de BH foi destinado apenas 20% de verbas contra alagamentos na cidade entre 2013-2019. Apesar de enumerar grandes esforços para a reconstrução da cidade, muitas das obras somente poderão ser realizadas em época de estiagem.

Além disso, afirmou que o carnaval não pode parar, época em que se espera cerca de 5 milhões de turistas. Questiona-se, aqui, como um prefeito, frente ao estado de emergência sobre o qual não foi capaz de prover amparo à população, estimada em 2.5 milhões, considera garantir a segurança de 5 milhões de indivíduos adicionais? Afinal, segundo especialistas, a projeção de chuva para fevereiro poderia ser de magnitude superior que a de janeiro, com o possível retorno da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Ademais, diante das 13 mortes e milhares de desabrigados na cidade até o momento, celebrar o período carnavalesco não fugiria da sensibilidade de luto esperado?

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Já o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), após haver negligenciado a crise humanitária causada pelas mineradoras no estado (cerca de 300 pessoas foram mortas no rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho), em suas primeiras aparições públicas para discorrer sobre as chuvas em BH, pediu apenas que a população evitasse as áreas de inundação situadas nas zonas mais pobres da cidade onde o problema das enchentes nunca foi resolvido. E, recentemente, alegou que a culpa das mortes foi dos próprios moradores que não evacuaram suas casas quando solicitados. Contudo, não houve um monitoramento eficaz de todas as moradias em situação de risco no estado.

Diferentemente dos países desenvolvidos como os EUA, França, Japão, Canadá e Alemanha, cujos governos estão aumentando seus fundos para situações emergenciais causadas por desastres naturais, o Brasil segue na contramão da percepção acerca dos efeitos das mudanças climáticas. Para se ter uma ideia, devido ao aquecimento global, a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA), dos EUA, ampliou significantemente o fundo designado para assistência de desastres naturais. Entre 1970 e 1980 os gastos eram em média U$1 bilhão por ano; U$4 bilhões, no fim da década de 1990 e, nos últimos 5 anos, U$13 bilhões.

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No Brasil, apesar dos estudos apresentados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Nacionais (CEMADEN), desde 2016, demonstrando que haverá aumento da temperatura, secas extremas e intensidade de chuva no país, essa realidade não se reflete nos fundos federais para desastres naturais: como obras de prevenção, resposta, mapeamento de áreas de risco, monitoramento e alertas. Ao contrário, entre 2014 e 2017, cortaram-se 85% da verba do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, criado em 2012. Dos R$2.47 bilhões destinados a obras para prevenção de desastres naturais em 2014, apenas R$0.95 bilhão foi empregado em 2017. Em 2019, menos de um terço dos recursos foram utilizados e, em 2020, o gasto empregado para prevenção de desastre é o menor de todos os tempos. Além disso, o orçamento do programa Minha Casa Minha Vida caiu de R$4.6 bilhões, em 2019, para R$2.8 bilhões em 2020, o que afeta diretamente a situação dos desabrigados pelos desastres naturais. 

Em resposta às recentes chuvas, o governo federal direcionou aproximadamente R$900 milhões para os três estados mais afetados − MG, ES e RJ. Somente em relação a BH, Kalil estimou R$300 milhões para recuperar os estragos. Contudo, ainda não se definiram a verba e o plano de moradia definitiva para os 8.157 desabrigados e mais de 38 mil desalojados na cidade até o momento. Ao todo, mais de 196 municípios entraram em situação de emergência em MG. Além disso, o declarado estado de calamidade púbica, no ES, comprovou que várias cidades foram afetadas severamente (inclusive, em uma delas, 40 pontes foram destruídas). No RJ, registraram-se inúmeros danos na capital e na região serrana (em Petrópolis, choveu 200 mm, correspondendo a 7 vezes mais que o volume de chuva esperado).

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Assim, observamos que, mesmo prevista a intensidade da chuva em BH, Kalil se culpou, mas após a destruição da cidade, culpou Deus e os empresários. Zema culpou as próprias vítimas por um plano de evacuação mal estruturado e infimamente divulgado. O Ministro das Relações Exteriores culpou os marxistas. Talvez estejamos vivenciando uma metáfora do livro de Gênesis onde Adão culpa Eva, Eva culpa a serpente e a serpente culpa a maçã. Ou, quem sabe, o mundo está se convertendo em uma gigantesca KGB. De todo modo, dezenas de pessoas foram mortas e milhares de pessoas estão fora de suas casas até então, deflagrando as maiores chuvas e enchentes vistas nos últimos tempos.

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