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Fernando Lionel Quiroga

É professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), na área de Fundamentos da Educação. Doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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A dialética da contemplação: antecâmara do fim da civilização

Herdamos a miséria e a barbárie como paradigma central das condições objetivas e a auto exploração como um dos únicos meios de sobrevivência

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A modernidade e o capitalismo - pano de fundo da passagem de nossas vidas na Terra - de quem herdamos o holocausto e a barbárie, o genocídio dos povos indígenas e de matriz africana, a intensificação das desigualdades, a exploração pelo lucro, a fome, o abandono, a mortalidade infantil, a exploração do trabalho, o feminicídio, a homofobia, o violência doméstica, a automutilação, a depressão, o suicídio, a dívida, o infanticídio, a violência contra a criança, o estupro, a pedofilia, o narcotráfico, o crack, o ódio, a ruptura nas relações, o banimento dos filhos, o crime digital, a negligência, a volúpia, o egoísmo, o cansaço, a hiperatividade, a perda da memória  e da atenção, a separação, o superconsumo, a alimentação sintética, a xenofobia, o preconceito, o desmatamento, o distanciamento da natureza, o fascismo, o trumpismo, o bolsonarismo, dão sinais de um total esgotamento.

Em resumo, herdamos a miséria e a barbárie como paradigma central das condições objetivas e a auto exploração como um dos únicos meios de sobrevivência em meio a um contexto que só tem agudizado as mazelas da sociedade. Tudo isso em nome da força inerente à própria vida, a força misteriosa que autoriza um sorriso mesmo diante da exploração do trabalho ou em uma trégua durante a guerra: é aí que as elites do dinheiro assentam seu repertório de violências. Elas sabem que a resistência é, antes de tudo, pura manifestação do instinto de autopreservação. Com efeito, os limites da exploração admitem uma elasticidade que só termina com a morte.

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Eles nos roubam todas as coisas: a cor de nossa pele, nosso credo, nossos costumes e seus sentidos simbólicos e sagrados, nossa paz e nosso sono, roubam-nos a harmonia em nossas relações afetivas, roubam-nos nossa carne, nossos recursos naturais, nossos gestos, nossa criatividade. 

O núcleo do problema reside no esgarçamento da contemplação. A violência contra todo tipo de olhar detido, a ansiedade por respostas rápidas, a inquietação hiperativa, o preconceito literário, a estereotipagem da cultura livresca como hábito obsoleto, arcaico; estes são os efeitos de um ataque violento, sistemático e ininterrupto impingido sobre nossas mentes por meio diversas estratégias de engodo que envolvem atração e recompensa. Mas, de que modo isso ocorre? Foi o ritual de sacrifício como tentativa de amenizar o sentimento de horror dos eventos naturais o que determinou a passagem do homo habilis para o homo sapiens - aspecto que teria, segundo o filósofo alemão Christoph Türcke, produzido a noção de cultura tal como hoje a compreendemos. O fato de nos aglomerarmos ao redor de um evento é uma das principais características que definem a humanidade. Não de um evento qualquer, mas algo que remeta a ideia de sacrifício. Para isso basta o exemplo de episódios escolares em que um aluno ou aluna promete resolver uma desavença, desafiando o oponente a uma briga após o horário das aulas, geralmente na calçada. Imediatamente a notícia se espalha, tornando-se o assunto mais relevante da escola. E quando chega o momento, a multidão se amontoa ao redor dos envolvidos.

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Essa estrutura marcadamente ancestral chega até a modernidade em sua versão tecnológica, primeiro com o cinema (aqui a característica de um grande grupo humano que assiste o evento ainda está bastante presente), migra para a televisão (reduzindo significativamente o grupo) e finalmente se converte em uma estrutura individual por meio do smartphone (aqui a noção de grupo desaparece ou é invertida). Agora são as redes sociais que “assistem” ao evento individual, o sujeito que se oferece ao sacrifício com a ajuda de aplicativos para um público inexistente. Receber com bom gosto o apelido de “high-tech”, “high-touch”, etc. é receber, por procuração, o título de bode expiatório. É o deslocamento da noção de contemplação para o julgamento de uma coletividade artificial. Trata-se da inversão da noção de sacrifício como elemento determinante para o nascimento da cultura. Nesta fórmula, cada um se converte em vítima fértil destinada ao sacrifício. Neste processo, em que nosso sangue jorra e nossos músculos perecem, o único grupo beneficiado é o das elites: a exploração torna-se ela mesma um algoritmo. Mal a utopia das tecnologias digitais entra em cena e já se torna distopia. 

Ainda não encontramos respostas para o problema, embora reconhecer isso seja um primeiro passo.  

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A dialética da contemplação culmina na erosão da cultura e, consequentemente, no retorno ao estado de selvageria. 

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