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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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A fragilidade das moedas periféricas: o yuan e a dominância do dólar

"A pergunta é o que vai acontecer no futuro bem próximo com o desenho dos dois blocos, um dominado pelos Estados Unidos e o outro pela China?"

Sputnik (Foto: Sputnik)
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Por Maria Luiza Falcão Silva 

A Fragilidade das moedas periféricas

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A hierarquia das moedas no Sistema Monetário Internacional influencia, fortemente, no comportamento das taxas de câmbio e juros das economias domésticas de diferentes países. Desde Bretton Woods, em 1944, a dominância é do dólar americano, seguido pelo euro - criado em 1999, mas que somente em 2002 entrou em circulação em sua forma  física, passando a substituir as que antes prevaleciam nas nações dos países da União Europeia (EU), com exceção da Inglaterra -, depois vem o iene, as dos demais países centrais e, por fim, as moedas dos países periféricos.  

A libra esterlina britânica dominava os mercados antes da Primeira Guerra Mundial e a Inglaterra, até 1914, auferia grandes vantagens por seu dinheiro reinar, quase que universalmente, na economia internacional. Era intensa a participação da Grã-Bretanha no comércio exterior na qualidade de grande compradora.  Nas décadas de 1920-30 e 1930-40, predominava, na primeira, a orientação da volta ao padrão-ouro, enquanto, que na segunda, a depressão e o desemprego faziam suceder-se as desvalorizações consecutivas das unidades monetárias, em concorrência umas com as outras, na ânsia de abocanhar um maior quinhão do comércio internacional. Virou um jogo de perde - perde. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, com sua economia muito menos afetada pelo conflito, conduziram as negociações para a construção de uma nova ordem mundial onde o dólar, sua moeda nacional, se tornou o padrão de referência internacional, conversível em ouro a uma taxa fixa. Em 1971, por decisão unilateral do governo americano, sob a presidência de Richard Nixon, o dólar passou a flutuar e um dos principais pilares de Bretton Woods, a conversibilidade dólar-ouro, foi abandonado.

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Os países periféricos e suas moedas são os mais vulneráveis a perturbações e movimentos especulativos na economia internacional, sendo obrigados a acumular reservas internacionais, em dólares, para se defenderem de quaisquer turbulências. O caso do Brasil é um bom exemplo. Aos movimentos de elevação dos juros pelo Banco Central do Brasil (Bacen), o influxo de capitais externos aumenta rapidamente, mas se o FED (Banco Central Americano) acena com uma perspectiva de alta dos juros dos títulos americanos, o fluxo imediatamente se reverte, sendo necessário manter a taxa de juros básica no país, em patamares cada vez mais elevados para segurar esses capitais. Assim, fica claro que esses recursos têm que se manter em títulos, e não em investimentos na economia real, já que a liquidez é necessária para viabilizar a corrida do dinheiro na busca por “segurança” e lucros maiores.É hot money - recursos financeiros de curtíssimo prazo. 

Como não há uma demanda permanente (de longo prazo) pelas moedas periféricas, seu componente especulativo é forte. E os movimentos de vai e vem de divisas são, geralmente, repentinos, as vezes extremamente abruptose desestabilizadores das economias domésticas. Ao variarem os juros, variam, também, as taxas de câmbio, um dos preços mais importante em uma economia. A variação súbita do câmbio, acarreta uma série de problemas aos países periféricos já que afetam as exportações, as importações e os preços domésticos. Em vez de liberalizar totalmente o mercado cambial, é preciso que as autoridades monetárias sejam capazes de fornecer a contrapartida necessária aos agentes, mantendo a liquidez do mercado, mas sem torná-lo vulnerável aos movimentos especulativos e desestabilizadores. Para tanto, faz-se necessário o acúmulo de reservas internacionais, estratégia que vem sendo seguida pela China, por exemplo, e por muitos países, inclusive o Brasil, desde os governos do Partido dos Trabalhadores.  

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O RMB– a moeda chinesa

A decisão tomada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015, de incluir o renminbi chinês (RMB), como moeda de reserva internacional, tornando-o parte do seletivo grupo que constitui os Direitos Especiais de Saques (DES), a partir de outubro de 2016, foi histórica.  Os DES são ativos de reserva suplementares do FMI e são formados por uma cesta de moedas contendo dólares americanos, euros, libras esterlinas e ienes.  O valor do DES, em reais, é alterado diariamente, de acordo com a cotação das diferentes moedas. Hoje, está em torno de sete reais. Christine Lagarde, então, diretora-gerente do FMI, justificou a inclusão do RMB com o argumento de que “a instituição reconhecia a integração da economia chinesa ao sistema financeiro global, bem como o progresso alcançado pelo país nos últimos anos com a reforma do seu sistema monetário e financeiro.”(1)

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A internacionalização do RMB (yuan) justifica-se pelo crescimento da China e sua impressionante inserção na economia mundial. Capacita, também, o país a criar um sistema de transferência de dinheiro que poderá competir com o sistema “Swift”. A China, tem, desde 8 de outubro de 2015, um sistema de pagamento próprio para transações na moeda chinesa, o CISP (Cross-Border Interbank Payment System,conhecido também como China Interbank Payments System) mas que é ainda um pequeno ator perto do Swift. Naquele momento, não assombrava o império do ocidente como o faz agora, depois da guerra na Ucrânia. Uma das sanções contra a Rússia sugeridas pelos EUA foi desconectar os bancos russos do sistema de pagamentos Swift.Essa atitude absurda, somada ao confisco das reservas russas pelo governo dos Estados Unidos, dinamizaram bastante o sistema chinês. A punição ajudou a estreitar as relações entre Putin e Xi Jinping. Joe Biden e seus arroubos descontrolados e raivosos colaborou para que o comércio bilateral entre China e Rússia passasse a se realizar em rublos e renminbi, algo que apesar de anos de esforços, havia prosperado pouco.  

O renminbi não é livremente conversível e ainda enfrenta uma certa dose de desconfiança por ser uma moeda periférica, sob o controle do Estado (no caso pelo PCChinês). A novidade deverá incentivar a China a acelerar as reformas no setor financeiro. Se o renminbi passa a ser mais procurado, o dólar pode perder valor no mercado. Mais um ingrediente que preocupa o governo norte-americano, é o montante extraordinário de dólares que a China acumulou na forma de reservas internacionais, algo em torno de US$ 3,222 trilhões, em janeiro de 2022 , de acordo com dados divulgado pelo PBoC - o banco central chinês.

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Recentemente, o Banco Central do Brasil aumentou a participação da moeda chinesa na composição das reservas internacionais brasileiras. A quantidade de yuan subiu para 4,99% em 2022, ante 1,21% em 2021. A alta representa um valor de US$ 13,766 bilhões.(2)A aceitação do yuan, tende a crescer, tendo em vista a importância da China como parceira comercial  e fonte de Investimentos de países que se espalham pelo mundo inteiro – Ásia, África , Europa e todas as Américas. A iniciativa do Cinturão e Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês) é só um exemplo. São investimentos em estradas, ferrovias, portos etc., que inclui os países fronteiriços com a China, uma rota marítima conectando os portos chineses com a costa africana, com o Canal de Suez e o Mediterrâneo. O BRI se expandiu, geograficamente, com a inclusão da Rota Polar que visa conectar a China à Europa pelo Oceano Ártico, e vem mirando crescer mais ainda com a inclusão dos países da América Latina na iniciativa.   

Embora o PCChinês venha tentando internacionalizar sua moeda, falta muito para que se apresente como um desafio à hegemonia do dólar norte-americano como reserva de valor, unidade de conta e meio de troca nas transações internacionais. O yuan não é livremente conversível e a conta de capitais da China está longe de ser aberta, funciona debaixo de muitos controles.

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Nesse momento de rearranjo da geopolítica mundial a notícia recente de que o peso do yuan aumentou de 10,92% para 12,28% na composição dos Direitos Especiais de Saque, é intrigante.(3)

Ao subir a proporção do yuan na cesta cai a proporção de alguma outra moeda. No caso foram reduzidas as quotas do euro, do iene e da libra esterlina. A proporção do dólar aumentou, também,passando a representar 43,38%, no lugar dos 41,73% anteriores. Essa alteração é um aceno positivo na consolidação dostatusde reserva internacional da divisa chinesa. A produção da China, que lhe confere uma posição de segunda maior economia do mundo, justifica essa medida. O enorme volume de suas reservas em dólares, também.  

Por enquanto, o yuan não ameaça a supremacia do dólar, mas sua internacionalização preocupa os Estados Unidos, acostumados a desfrutarem dos privilégios de serem emissores da moeda mundial desde o fim da Segunda Guerra Mundial. É mais uma pedra no sapato a incomodar os EUA. O inusitado bloqueio das reservas internacionais da Rússia, pelo governo norte-americano, acendeu um sinal de alerta para os países periféricos. Virou ação arriscada manter reservas em dólares.

A pergunta é o que vai acontecer no futuro bem próximo com o desenho dos dois blocos, um dominado pelos Estados Unidos e o outro pela China? Sabemos que o mundo pós-guerra na Ucrânia será mais fragmentado em todos os sentidos. Rússia e China não vão se acomodar. Não tenho dúvidas de que a questão da hierarquia das moedas vai estar no cerne das discussões.

Notas

  1.  https://amanha.com.br/categoria/mundo/yuan-se-torna-moeda-de-reserva-o-que-isso-significa-para-os-mercados-globais
  2.  https://www.poder360.com.br/economia/bc-reduz-dolar-e-quadruplica-percentual-de-yuan-em-reservas/
  3.  https://www.istoedinheiro.com.br/fmi-reforca-peso-do-iuan-chines-como-reserva-internacional/

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