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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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A morte e as mortes de Beto Freitas

Muitas estátuas ainda terão que ruir para que se perceba que comportamentos racistas não serão mais tolerados

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No dia 19 de novembro de 2020, véspera do dia da consciência negra, João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos de idade, foi brutalmente assassinado por seguranças do supermercado Carrefour, que é reincidente em casos de violência e descaso contra a vida humana. De imediato, surgiram várias narrativas tentando justificar o injustificável. A maioria delas foi proferida por figurinhas carimbadas da política nacional, bem como pela legião de medíocres que orbita o atual governo. 

Determinadas pessoas já nem escondem seus mais primitivos instintos racistas, empoderadas que estão por governos fascistóides. Quando do assassinato de Beto Freitas, o Vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, se apressou em dizer que não há racismo no Brasil, sendo desmentido pela realidade, bem como pela Organização das Nações Unidas, ONU, que afirmou em nota que a morte de Beto Freitas evidencia o racismo no país. Em outra ocasião, a mesma Organização já havia dito que o racismo no Brasil é “estrutural e institucionalizado” e “permeia todas as áreas da vida”. É claro que todos nós sabemos que há racismo no Brasil. Contudo, quando se pertence a uma casta de privilegiados, como é o caso do general, pode-se até “acreditar” nisso, uma vez que se está em um meio onde realmente não há negros. A desonestidade intelectual, porém, não deveria ser uma prática daqueles que representam uma nação. Mas se assim o fosse, como o atual governo brasileiro se manteria de pé, mesmo que cambaleante?

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E assim, no país onde “não existe racismo”, na manhã de quarta-feira, do dia 25 de novembro, menos de uma semana após o assassinato de Beto Freitas, um garoto negro é executado por policiais militares dentro de casa, no bairro de São Mateus, zona leste de São Paulo.  Durante a abordagem, o garoto levantou a camisa para mostrar que não estava armado. Mesmo assim, foi empurrado para dentro de um banheiro. Ouviu-se um policial gritar: “perdeu, perdeu!” e, na sequência, o som de quatro disparos. A polícia afirmou ter havido troca de tiros. Contudo, só pode haver troca de tiros (é claro que apareceu uma arma na mão da vítima) quando todos estão armados. Quando não, é execução. Mas o garoto morto era negro. E negros, em sociedades “não racistas” como a brasileira, “perdem, perdem!” sempre. Até quando?

No dia seguinte, 26 de novembro, uma semana após o assassinato de Beto Freitas, no país onde não existe racismo, um segurança do Via Shopping Barreiro, em Belo Horizonte, “pediu” para que dois garotos negros, é claro, deixassem a praça de alimentação, sendo impedidos de comer a comida pela qual pagaram. A atitude racista do segurança, modus operandi da maioria desses estabelecimentos, foi fortemente contestada por clientes que estavam no local, e que impediram a expulsão das duas crianças. Filmada, a ação racista do referido shopping, viralizou nas redes sociais. No vídeo, é possível ouvir uma mulher dizer: “ninguém aceita mais esse tipo de tratamento”. O recado foi dado. No entanto, quando esta crônica estiver postada aqui, no Brasil 247, inúmeros outros negros, de gêneros e idades variadas terão sido humilhados, agredidos, espancados e mortos, inclusive pelo Estado, que é pago para proteger a todos e a todas.

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Mundo afora, toda vez que um negro / uma negra se impõe exigindo direitos e respeito sente a mão repressora do Estado. Felizmente, as repostas têm sido dadas cada vez mais rápidas, eficazes e assertivas como devem ser. Derrubar estátuas de traficantes de escravizados é o mínimo que tem ocorrido. E quando o pau quebra, eis que surgem os “cidadãos de bem”, defensores de assassinos de negros, de gôndolas de supermercados e amantes de estátuas e vidraças. Imersos no ódio e na estupidez na qual chafurdam, tais criaturas se regozijam ao condenar a reação do oprimido e exaltar sempre a violência do opressor, e assim o fazem pois têm lado bastante definido. Mas a casa tá caindo. O confronto é iminente. 

Sabemos que o racismo está em todos os espaços sociais, é estrutural, sendo ensinado desde muito cedo em casa, na escola e na rua. Como comprovação do que afirmamos, tomemos o dicionário como exemplo. Ao se buscar no dicionário, qualquer um, algumas definições para a palavra negro, percebe-se que os dicionários adotados pela maioria das nossas escolas definem a palavra negro de forma pejorativa. No dicionário Aurélio, edições de 1975 e 2010, por exemplo, a palavra negro é definida das seguintes formas: preto, fusco, escuro, sombrio, lutoso, fúnebre, infausto, triste, desgraçado, tenebroso, ameaçador, adverso, tétrico, maldito, réprobo, nefando, execrável e horrendo etc. A palavra branco, por sua vez, é assim definida: da cor da neve, do leite, da cal; alvo, cândido, claro, translúcido, prateado, sem mácula, inocente, puro, senhor, patrão etc. observe-se que para a lexia negro não se tem as opções senhor e patrão. Logo, pela lógica dicionarística, negros não podem ser nem senhores nem patrões. A reprodução do léxico racista pelos dicionários de língua portuguesa (o mesmo ocorre em outros idiomas) conta ainda com palavras e expressões como denegrir, a coisa tá preta, mercado negro, câmbio negro, caixa preta, lista negra, buraco negro, e o lado negro da força, por exemplo. Tais expressões, na maioria das vezes, são vistas como perfeitamente normais na comunicação cotidiana. É o que constitui o que se chama de racismo recreativo. Dessa forma, como vamos formar crianças antirracistas se o que elas vêm, inclusive em seus livros didáticos, é exatamente o contrário? Como crescerão? Penso isso, pois enquanto Beto Freitas era assassinado aproximadamente 15 pessoas passaram, olharam e seguiram. Ninguém fez absolutamente nada. Será que acharam normal, aceitável? O que move esse tipo de comportamento?

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Logo, sem que se imponham ações afirmativas que coloquem a inclusão e o combate ao racismo na pauta diária da nossa sociedade, ainda se levará muito tempo para que o genocídio do o povo negro deixe de existir. Enquanto isso não acontecer, Beto Freitas continuará sendo morto todos os dias, e muitas estátuas ainda terão que ruir para que se perceba que comportamentos racistas não serão mais tolerados.

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