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Pedro Alcantara

Doutor em ciências sociais e membro do diretório do PT-PE

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A PEC e a batalha de Lula para recolocar o povo no orçamento

O fato é que se queremos resgatar a democracia no Brasil precisamos reafirmar a soberania popular frente aos interesses econômicos da minoria

Lula (Foto: ABr | Reprodução)
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Nesta última semana a equipe de transição do novo governo e líderes do congresso começaram a dialogar, em Brasília, sobre a possibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição capaz de tornar financeiramente viável ações fundamentais para o bem estar social das classes populares no Brasil, já a partir do início de 2023. Lula quer garantir a Bolsa de R$600 para famílias em situação de pobreza e quer começar o ano com o salário mínimo acima da inflação, além de assegurar a recomposição da merenda escolar, a manutenção de serviços de saúde essenciais, como o Farmácia Popular, e o investimento em infraestrutura. 

Essa proposta de Emenda, já apelidada de “PEC da transição”, é necessária porque o orçamento de 2023, encaminhado ao congresso pelo governo Bolsonaro, não comporta recursos para nenhuma dessas ações. O novo presidente deve, portanto, pedir autorização aos congressistas para incrementar recursos e viabilizá-las. 

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Mas, por que o orçamento de Bolsonaro não garante esses recursos? Pelo descaso da atual gestão? Também, mas não só e nem principalmente. A resposta é: porque é isso que impõe a nova política fiscal adotada desde o governo golpista de Temer.  

Essa nova política é parte de um esforço das elites nacionais, levado a cabo de 2016 até aqui com a cumplicidade de Temer e Bolsonaro, para, no período da crise, resolver o conflito distributivo do país em favor da acumulação, e em desfavor das camadas populares. Nesse esforço situam-se a Reforma Trabalhista, que visava diminuir o custo do trabalho, a Reforma da Previdência para enxugar gastos com a seguridade social e, principalmente, a Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto de Gastos. 

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O Teto, aprovado na administração Temer, limita por 20 anos os gastos sociais do país a um máximo definido pelo valor executado no exercício anterior mais a correção pela inflação. Ano após ano as despesas devem se manter em semelhante patamar, independente do que aconteça. Diga-se: as despesas com a sociedade, porque o gasto com o pagamento de dívidas do setor financeiro permanece fora dessa limitação. 

Na prática essa política impõe o que assistimos no governo atual: remanejamentos e cortes orçamentários gigantescos em áreas fundamentais, como saúde e educação. O Teto obriga mais que um congelamento, ele assegura o decréscimo da atuação do Estado na economia, na medida em que a população e o PIB crescerão em ritmo bem maior ao dos gastos, o que gerará queda do investimento social per capta. Num país desigual como o Brasil isso significa um verdadeiro suicídio. 

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A justificativa para sua criação, na era Temer, girava em torno de seu papel para conter a “gastança pública”, apontada como principal fator de desequilíbrio nas contas do governo. Sinalizar ao mercado que o Brasil promoveria um saneamento de médio prazo nas finanças a partir de política contracionista devolveria a credibilidade, que, somada à desoneração dos custos do trabalho com o ataque aos direitos trabalhistas geraria progressivo crescimento. Essa fantasia teórica vem sendo criticada desde a crise de 2008 por economistas dos países centrais. 

Ao contrário do propalado pela mídia o desequilíbrio observado a partir de 2014 não decorreu de “gastança” por parte do Estado, mas veio pela queda na arrecadação, derivada da forte desaceleração do crescimento econômico. O Teto tampouco conteve o aumento da dívida e o desequilíbrio das contas, dado que partia de um diagnóstico errado. 

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É falso que o Brasil estivesse ou esteja “à beira do abismo fiscal”, visto que o país tem dívida interna em moeda própria, possui superávit nas contas externas e reservas internacionais. Essa é a posição de economistas como André Lara Resende, insuspeito de qualquer proximidade com o PT. Nossa restrição orçamentária é eminentemente administrativa, auto imposta. Estamos, isto sim, à beira de um abismo social, cuja solução passa irremediavelmente pela superação dessa política econômica irresponsável. Precisamos enfrentar esse debate se quisermos mudar a agenda brasileira. O país tem capacidade fiscal de investimento, sim, e precisa de mais crescimento e arrecadação, portanto mais investimento público e social de qualidade. Isso trará a “saúde econômica”, não o contrário.   

A nova política fiscal é, na verdade, uma política de austeridade permanente escondida sob a fantasia da “racionalidade das contas públicas”, que impõe para os próximos 17 anos uma progressiva diminuição do Estado na economia, ainda que a maioria da sociedade opte, nas eleições, pelo contrário. Trata-se de uma política antidemocrática, fundada em bases falsas e que vem deteriorando as condições de vida do povo brasileiro. 

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E isso tudo começa a colidir com os planos do novo governo, liderado por Lula, que, de cara, já tenta viabilizar o pacote de investimentos sociais que descrevemos no início deste artigo. A “PEC da transição”, ainda que modestamente, já aponta um outro caminho. Tal fato, claro, não passou despercebido pelos analistas da grande mídia. Jornais como “O Globo” e “Estadão” publicaram editorias externando preocupação com o “estouro do Teto” que Lula busca promover. 

Esse é o debate por trás da PEC, que deverá percorrer todos os 4 anos de mandato de Lula. Para nós essa transição simboliza um primeiro passo em direção a uma mudança maior, aquela no regime fiscal, e o lado de lá sabe disso. Essa será uma das principais batalhas do novo governo Lula e de sua bancada no congresso para garantir a volta do povo ao orçamento: superar a política fiscal da fome e da rapinagem e apontar outro modelo, sustentado numa reforma tributária progressiva e na volta da capacidade de investimento econômico e social por parte do Estado. 

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Não será fácil, pois além da oposição dos neoliberais, que falam pelos poderosos conglomerados de sempre, Lula deverá lidar com as contradições próprias da amplitude da frente que lidera, sem falar da histriônica oposição bolsonarista. A boa notícia é que a vitória maiúscula nas eleições está nos permitindo minimamente pautar o debate, forçando-os, ainda que momentaneamente, a já admitir maiores flexibilizações. 

O congresso parece disposto a colaborar com a PEC, que, aprovada, pode nos dar importante instrumento para o fortalecimento de nossa relação com uma ampla base social cansada de ataques à sua renda. Se Senado e Câmara estarão dispostos a dar o passo seguinte que desejamos depois disso dependerá bastante, entre outras questões eminentemente políticas, do sucesso econômico do primeiro ano do governo. 

O fato é que se queremos resgatar a democracia no Brasil precisamos reafirmar a soberania popular frente aos interesses econômicos da minoria e recolocar o povo no Orçamento, como quer e exige a Constituição de 1988. 

Temos um árduo trabalho pela frente, mas devemos lutar por isso.  

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