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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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A UBUrguesia brasileira

Pai Ubu pode ser compreendido como um “combo” de tudo aquilo que é mais repulsivo. Muito se assemelha à maioria dos poderosos que dominam nossa sociedade

Livro "Ubu Rei" (Foto: Divulgação)
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Foi-se o tempo em que férias eram sinônimos de praia, festa e bebedeira; não necessariamente nessa ordem. O peso da idade, infelizmente, nos obriga a desacelerar e pisar devagar, pois como diz o poeta, o coração pode ser frágil, como um vidro ou um beijo de novela. E foi nessa toada, que aproveitei minhas férias para ficar de pernas pra cima, assistindo algumas séries de televisão, revendo velhos filmes, relendo livros e, como ninguém é de ferro, tomando meus bons drinques.

Entre os livros, reli a peça Ubu Rei (1896), de Alfred Jarry (1873 – 1907), edição da L&PM, com tradução de Theodemiro Tostes. A história é, conforme Tostes (p. 22-23), simples. O Pai Ubu, burguesão sovina e visionário, se declara ex-rei de Aragon e sonha com o trono da Polônia. Sua mulher, aquela Mãe Ubu, que procura manter a ordem de casa com pequenos furtos conjugais, estimula a ambição do marido e o ajuda no aliciamento de mercenários. Entre eles, o capitão Bordadura, que, como favorito da Mãe Ubu, terá as funções de lugar-tenente. E é com este exército improvisado que Pai Ubu, heroi da farsa, invade os domínios do rei Venceslau para conquistar a sua coroa e se apossar triunfalmente de suas finanças. Qualquer semelhança com Macbeth não é mera coincidência.

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Pai Ubu pode ser compreendido como um “combo” de tudo aquilo que é mais repulsivo, asqueroso e nojento na constituição de um ser. Além de tudo é egoísta, arrogante, usurpador e ladrão. Em determinado momento da peça, quando suas falcatruas, mentiras e tramoias já não se sustentam, na falta de um barco, Pai Ubu foge a pé. Uma figura tão abjeta, cruel e covarde como Pai Ubu tem em Mãe Ubu, sua cara-metade mais que perfeita. Ambos se complementam em tudo o que há de mais mesquinho e tacanho.

Pai Ubu e Mãe Ubu são seres abomináveis e desprezíveis em todos os sentidos. Isso, no entanto, não os afasta de nós e da sociedade em que vivemos. O modus operandi da família Ubu em muito se assemelha à maioria dos poderosos que dominam com mão de ferro nossa sociedade, constituindo-se em uma espécie de UBUrguesia sempre pronta a trabalhar com afinco para destruir tudo aquilo que possa servir de melhoria para os outros. Um exemplo de tudo isso é a maneira como a mídia Ubu reage toda vez que o governo atua para defender a indústria nacional ou cria projetos de inclusão social para os menos favorecidos. “Merdre!” dizem eles, repetindo o bordão de Pai Ubu.

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A mídia Ubu, que dá chilique e se desespera sempre que há a possibilidade de um “toc toc” às 6h da manhã na porta dos amigos, é a mesma que ajudou a eleger o capitão Bordadura e tramou para que Venceslau não assumisse. É a mesma mídia que defende o estado mínimo e a venda do patrimônio público a preço de banana, enquanto sobrevive graças ao Estado, que só deve ser mínimo para o povo. Se Mãe Ubu tempera sua comida com fezes, da mesma forma parece ser assim que a mídia Ubu prepara seu “jornalismo”. Ubu Rei ainda tem muito a nos dizer. A peça de Jarry foi apresentada em 1896, mas parece que foi ontem, tendo em vista os indóceis tempos que nos apavoram.

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