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João Rafael G. de Souza Morais

Doutor em Ciência Política, professor de Relações Internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos (INEST-UFF)

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Bolsonaro no JN

Foi perdida uma oportunidade de expor severamente Bolsonaro e penetrar a blindagem de sua bolha

(Foto: Reprodução | Reuters)
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Bolsonaro não foi mal no JN. Reconhecer isso não significa dizer que ele foi bem. O fato é que a avaliação da situação demanda a análise realista de variáveis que fazem dessa eleição a mais complexa desde a redemocratização. 

O candidato à reeleição – que outrora jurou que não a disputaria, apenas uma da infindável lista de promessas quebradas – esteve na bancada do Jornal Nacional sujeito à sabatina de William Bonner e Renata Vasconcellos. Os apresentadores focaram em questões polêmicas do mandato de Bolsonaro, e não são poucas. Desde o primeiro minuto, chamou a atenção o tom calmo do presidente, numa clara tentativa de rasurar a impressão deixada pela campanha de 2018 e pelos arroubos constantes durante o governo. A fama de fujão dos debates e de incapaz de dialogar estava na mira de Bolsonaro quando sentou na bancada do JN. 

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A sabatina no JN deve ligar um alerta. O presidente não convenceu os eleitores já consolidados do outro lado em uma campanha marcada pela estabilidade no espectro de votos, polarizado entre o atual presidente e o ex-presidente Lula. Por outro lado, ele conseguiu proteger sua posição. Se defendeu relativamente bem, notadamente se considerarmos a gravidade de tantas acusações que pesam sobre ele e seu mandato, com diversos escândalos e investidas autoritárias sobre várias instituições. Numa situação como essa, seria natural que o candidato estivesse na berlinda. No entanto, o que vimos foi um Bolsonaro bastante seguro, e capaz até de brincar sobre estar com vontade de ficar horas na companhia dos repórteres naquela sabatina. Essa segurança deve chamar a atenção, não importa o quão tranquilizadoras pareçam as pesquisas. E, em exame atento, não deveria surpreender, por duas razões básicas e complementares:

A primeira é que os métodos utilizados pelo bolsonarismo têm se mostrado eficazes em desbaratar qualquer diálogo. Tivemos mostras disso durante as sessões da CPI da covid, além das próprias manifestações do presidente e seus aliados quando questionados. Tergiversações, sofismas e mentiras compõem o arsenal retórico para escapar das perguntas mais frontais e seguir reafirmando uma realidade paralela que assume a categoria de verdade, repetida mil vezes na bolha do zap. É importante que entendamos uma coisa: seu projeto político consiste em consolidar e acirrar sua base, composta por milhões de brasileiros e brasileiras, e que, portanto, não pode ser desprezada como força política. Ainda que não seja o suficiente para vencer o pleito, pode servir como arma política após a eleição, sobretudo em um cenário de franca deterioração institucional como esse dos últimos anos. E não podemos sequer ter qualquer certeza, a esta altura do campeonato, sobre o desenrolar da eleição e o que ela nos reserva.

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Portanto, manter a base forte e radicalizada é sua meta e ele deve transformar qualquer oportunidade em palanque para reafirmar os valores que o conectam com ela. Esse ponto constitui o primeiro objetivo da estratégia bolsonarista desde 2018, e nisso eles têm sido bem sucedidos. Após um governo desastroso e criminoso, é notável que ele ainda preserve tanto apoio e, nesse momento, com a campanha escalando, é estratégico que ele procure, em primeiro lugar, estabelecer uma fortaleza, se consolidar, vestir uma couraça que desvie os projéteis dos adversários, para usar uma metáfora bélica bem ao gosto do bolsonarismo. E isso ele conseguiu ontem. Bolsonaro, mesmo com tantos crimes cometidos, saiu razoavelmente inteiro da sabatina. Isso não pode passar despercebido, porque a sua capacidade de evitar o desgaste que deveria ser natural precisa ser avaliada de forma realista. 

A segunda razão pela qual Bolsonaro foi bem e isso não deveria nos surpreender complementa a primeira. Ele só pôde se sair relativamente bem ontem porque a impunidade que lhe foi oferecida pelas instituições brasileiras o legitima naquela bancada, invertendo, para muitos milhões de brasileiros que o seguem, a berlinda. Ora, se ele está ali como candidato é porque tem legitimidade para isso. A presença de Bolsonaro no Planalto – ou mesmo sua eleição, que se deu em meio a um amplo esquema de caixa 2 de fake news reconhecido pelo TSE a posteriori – já representa um insulto ao Estado Democrático de Direito brasileiro, vilipendiado sistematicamente desde 2014, sobretudo desde 2016-18. Não custa lembrar que falamos de alguém que elogiou um torturador em pleno Congresso Nacional e, não apenas isso: elogiou a tortura sofrida pela então presidente Dilma Rousseff. O complemento do seu elogio a Ultra, “o pavor de Dilma Rousseff”, significa uma ode explícita à violência sofrida por Dilma durante a Ditadura Militar. A rigor, ele deveria ter sido cassado por aquela conduta, o que teria nos poupado de muita coisa. Mas eram os tempos do acordão “com Supremo, com tudo”...

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A impunidade ofertada a Bolsonaro durante todos esses anos esgarçou os limites institucionais de tal maneira que ele, agora, opera dentro de novos e turvos limites. Sua queda de braço com o Supremo é pela ampliação desses limites, dentro dos quais uma série de condutas terríveis foram banalizadas e naturalizadas ao não serem punidas. O resultado disso é a própria presença de Bolsonaro na bancada do JN como um mandatário e candidato em dia com suas atribuições, o que passa longe da realidade. 

O uso da mentira repetida à exaustão e com convicção no contexto de uma retórica sofista legitimada pela impunidade dá a Bolsonaro condições muito melhores do que deveríamos aceitar. Vê-lo fazer do horário nobre um palanque para suas mentiras é o preço que todos temos que enfrentar depois de Lira, Aras e companhia terem hipotecado a segurança institucional brasileira dentro do jogo oligárquico do Congresso. O mesmo jogo que Dilma não topou e a derrubou naquele “espetáculo” que maculou a democracia brasileira em 2016. E não podemos nos iludir: essa campanha será dura porque eles têm recursos difíceis de enfrentar, a começar pela retórica mentirosa com grande penetração na bolha, e a blindagem garantida pela impunidade e ratificada pelo jogo com o centrão. E ele ainda pode crescer. O impacto das recentes medidas demagógicas na economia deverá ser sentido nas pesquisas, em medida ainda incerta. Além disso, o antipetismo ainda será mais “ativado” quando a campanha se intensificar e muitos “arrependidos” poderão retornar à nave mãe. Se será o suficiente para ameaçar a dianteira de Lula, não sabemos. Nesse momento parece pouco provável. Mas é necessário não ceder à tentação de subestimá-lo, e buscar entender racionalmente o seu jogo, uma lição que 2018 já deveria ter deixado. E faz parte dessa avaliação realista entender que, dentro da proposta e necessidade de Bolsonaro nesse momento, ele foi bem no JN ao, simplesmente, não permitir ser seriamente desgastado por uma experiente dupla de repórteres munidos de graves crimes cometidos por ele. Bonner e Renata não foram capazes de intimidar e encurralar Bolsonaro, mesmo dotados deste arsenal. Ele conseguiu preservar seu terreno, sua base, o que é tudo que pode almejar nesse momento. E só isso já pode ser ameaça suficiente para a democracia brasileira.

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Bolsonaro conseguiu os cortes que queria para veicular nas redes bolsonaristas, onde aparece como um eterno combatente contra o sistema, desta vez bravamente enfrentando as “mentiras da globo lixo” in loco. E é importante que se diga: Bonner e Renata vacilaram ao deixar diversas questões graves sem a devida resposta, dando a Bolsonaro a saída fácil que buscava com seus sofismas. Quando perguntou sobre economia, o tema mais contundente do momento, Bonner deu a Bolsonaro a saída na própria pergunta, ao atenuar o cenário com a pandemia e a guerra na Ucrânia.

Se é correto dizer que Bolsonaro perdeu uma oportunidade ontem de se mostrar arrependido de certas frases e atitudes, sobretudo no contexto da pandemia, também devemos reconhecer que foi perdida uma oportunidade de expor severamente Bolsonaro e penetrar a blindagem de sua bolha. Um resultado combinado pelo mérito dele e demérito da dupla de entrevistadores.

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